domingo, 30 de março de 2008

Parágrafo-padrão para troféu IMORTAIS

Isabel Cristina Carvalho



Há pessoas que não morrem conosco e ainda viverão eternamente com todos.

Meu professor de oficina literária Walter Galvani acaba de ser agraciado nestes duzentos e trinta e seis anos de Porto Alegre com o Troféu “Imortais” por sua contribuição à cultura. Fui convidada para esta homenagem, mas não percebi o convite a tempo e quando tentei confirmar minha presença com o responsável Sr. Ivo Ladislau, seguindo orientação no e-mail, eu descobri que “um hoje” era “um ontem” e eu estava atrasada vinte e quatro horas para a cerimônia. Literalmente “fora da casinha”. Foi um choque sim e de emoções. Não sabia se pedia desculpas ao Sr. Ivo pela minha falta de orientação no calendário ou me desculpava pelo excesso de “web-omissão” por não ter acessado o correio eletrônico no dia exato (ac) *. Não sabia se chorava de frustração pelo meu lapso ou se morria de rir ao lembrar que meu professor agora se tornara um Imortal e eu poderia abraçá-lo em qualquer ocasião e em qualquer lugar. Não há ontem, hoje ou amanhã para pessoas que amamos, respeitamos e queremos para sempre, onde quer que estejamos. ;)) . O Galvani imortalizou-se, mesmo antes do prêmio, na minha vida. Cursar sua oficina literária e mantê-la viva como uma mecânica da palavra também é uma tentativa de imortalizar o seu Vôo da Palavra, livro generoso e oportuno para os que prezam palavras escritas, faladas, pensadas e que me devolveu ao convívio das letras. Trouxe-me uma melhor compreensão da minha linguagem como também me fez entender as falas, as escritas e os pensamentos dos outros. Este troféu, IMORTAIS, que o nosso mestre Galvani recebeu, é um prêmio instituído pela Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul, através do Festival "O Rio Grande Canta os Açores" e seu objetivo visa reconhecer e tornar de conhecimento público o que essas pessoas fizeram e fazem, em vida, pela cultura. Mas eu ousaria acrescentar: e por todas as vidas!

(ac)* representa “anota Cosco”. Cosco (Marcos Correa) é um amigo que observa as palavras que preciso criar para traduzir melhor alguma realidade. Quando me pego criando palavras ou expressões, eu mesma aviso ao Cosco... Anota Cosco! Isso se tornou aprendizado e carinho, “ac” também. (Nota da Autora).

quinta-feira, 27 de março de 2008

Quando surpreende o menu

Almiro Zago

Quando entramos num restaurante desconhecido, seja lá onde for, corremos o risco de viver experiências no mínimo interessantes. Imaginem, então, se Madrid é a cidade e o lugar é daqueles não procurados por turistas.

Pois a sugestão da casa para o almoço oferecia primeiro e segundo pratos e sobremesa -, tudo acompanhado por vinho ou água mineral, a escolher. Ainda com as pernas doloridas das caminhadas, mas antes que a fome se fizesse má conselheira, a aceitamos porque incluía autêntica paella. Ah, claro, fomos de vinho: branco para Irene e tinto para mim.

Algo semelhante havíamos conhecido nas imediações da Porta do Sol, onde um cálice de vinho ou água mineral, inclusos no preço, acompanhavam a comida.
Enquanto aguardávamos o serviço, íamos ganhando a companhia de falantes e bem vestidos "madrileños" e "madrileñas", gente de trinta e poucos anos, em sua maioria. E o restaurante, mesmo sem couvert artístico, surpreendeu-nos com atração extra: uma ruidosa pechada de bandejas encenada por dois apressados garçons. Terminou a performance com um deles no chão, cercado de copos, pratos e garrafas quebrados.

Nesse clima festivo, um garçom arrumou nossa mesa e trouxe duas garrafas de vinho. Alguma coisa está errada, pensei, pois esperávamos apenas duas taças da bebida. Mas o moço esclareceu: "Uma "botellia" por pessoa: branco para a senhora e tinto para o senhor."

Susto à parte, quiçá pudéssemos beber tudo isso durante uma festa, ou numa refeição mais demorada, mas nunca num almoço. Que desperdício!
Bem, já que o nectar dos deuses convidava, começamos a degustá-lo à espera da comida. E com ela, prosseguimos, especialmente com a saborosa paella.
Mas à vez da sobremesa, perto de hora e meia do início do almoço, do vinho tinto apenas lembranças de seu aroma exalavam da garrafa. Cavalheiro que sou, passei a prestigiar o vinho branco da Irene. Para encurtar o caso, ao final, duas garrafas e duas taças vazias sobre a mesa defrontavam-se com um casal contente e sem efeitos colaterais. Está certo, grandes vinhos não eram, mas garanto a excelência deles.

Bem diferente foi o que vivenciamos num pequeno restaurante com mesas na calçada, lembrando cenas de cinema passadas em Roma. Eu sabia que o preço seria salgado, pois era pertinho da Fontana di Trevi. Pensando bem, valeria a pena abrir a mão, coisa de uma vez na vida e outra na morte. Só não contava com a mínima quantidade do prato que escolhera: cinco diminutos "raviolis" temperados com excelente molho, devo reconhecer. Ainda bem que o pão farto salvou-me da fome.

Entretanto, há casos que a surpresa surge de um mal-entendido, garantindo um almoço de comédia. Falo de um restaurante de Dresden, numa travessa perto do rio Elba. Estando na Alemanha, e recém chegados de Praga, tínhamos vontade de comer algum prato à base de salsicha.

No cardápio em inglês nada encontramos; em alemão, menos ainda e o dicionário de viagem não o encontramos onde deveria estar. De todas as maneiras tentamos levar a garçonete a nos entender. Mas ela, além do alemão, nada sabia e nem versada era na linguagem dos sinais. Como último recurso, ocorreu-me luminosa idéia: desenhar uma salsicha num pedaço de papel. E desenhamos. Mostramos à moça e ela sorridente parecia ter captado a mensagem, pois apontou o menu para que escolhêssemos o molho. Molho holandês, quisemos.

Nem bem provamos a legítima cerveja alemã, e toda risonha aproximou-se a atendente, colocando dois pratos grandes sobre a mesa. Finalmente as salsichas, festejamos. Com uma expressão que parecia significar "bom apetite", ela se afastou, e nós, com espanto, vimos dois pratos de aspargos verdes ao molho holandês. Decepção à parte, estavam deliciosos. Porém, uma dúvida ainda hoje me traz inquietação: fomos nós que não soubemos desenhar ou a garçonete não conhecia salsicha?

quarta-feira, 19 de março de 2008

A história de cada um...

Isabel Cristina CCarvalho



Se há um tipo de livro que me fascina é a biografia de alguém. E se há outro tipo de fascinação em minha vida é olhar uma pessoa e ter certeza absoluta que a sua vida é uma linda história, e imaginar que seu livro ainda será escrito ou que esta pessoa está em fase de finalização dos capítulos antes da noite de autógrafos.

Quando estou tranqüila e alinhada com o curso de minha vida procuro, nos momentos felizes, me lembrar de pessoas e compartilhar, de alguma maneira, estes pedacinhos de felicidade e harmonia. Mas estes momentos são múltiplos e facetados: as alegrias e felicidades são infinitas e eu, assim como as pessoas, mais vivo do que registro as impressões.

Mas quando estou triste, sentida, infeliz ou intranqüila com o curso da minha vida eu pergunto ao meu espelho... espelho meu, interior, se há alguém mais triste, sentido, infeliz ou intranqüilo do que eu... E ele não me responde. Ele me espelha.

E aí sim, eu vivo para registrar as impressões que me cercam. Talvez fosse este o processo criativo que deveria adotar se tivesse que escrever a minha biografia e evidentemente depois de viver um belo conteúdo que a justificasse.

O que me chama a atenção quando leio biografias é que a dupla alegria & tristeza não me parece uma dupla de palavras opostas e sim uma dupla de palavras complementares, ocorrentes.

As pessoas buscam constantemente harmonia, equilíbrio, tranqüilidade, serenidade, completitude, características da felicidade e, incrivelmente, valores individuais, subjetivos. Quando estas características parecem diminutas pela presença dos valores de intranqüilidade, desequilíbrio, tristeza, enfim..., são os valores dos outros, subjetivos, mas coletivos que as fortalecem e as encorajam.

Tenho participado de um lindo movimento ligado a mulheres gaúchas empreendedoras e encantada com o depoimento de cada uma delas sobre suas trajetórias e experiências. Verdadeiras biografias em gestação; livros ainda não escritos da vida de cada uma. Emocionante principalmente porque estamos na temporada de datas comemorativas das mulheres, noivas, mães...

Todos os estilos literários nos tocam, nos fazem crescer, nos emocionam, nos fazem refletir, nos aprimoram, nos sensibilizam... Mas as biografias são especiais. Elas nem parecem escritas e sim falas confidentes. Falam para nossos olhos e nossos corações.

Algumas até sussurram... pra gente não esquecer que alegria e tristeza fazem parte da história de cada um.

Publique-se!


Isabel Cristina CCarvalho 17 de Março de 2008

quarta-feira, 5 de março de 2008

Pra dizer bem a verdade

Camila Canali Doval

Enfim, a chuva que pedi. Enfim, os vidros das janelas manchados de água escorrida. Porque água mancha. Água mancha como sangue.

Uma noite e um dia inteiros de chuva. Talvez um final de semana. Talvez o sol jamais volte.

Não importa, eu me acostumaria. Eu posso me acostumar com qualquer coisa. Um dia seria normal os dias serem todos de água. A vida passaria e acabaria da mesma forma. E eu não usaria guarda-chuva. Não usaria mesmo. Seria perfeitamente normal andar molhada. Eu nem mesmo me griparia. Eu nem mesmo imaginaria um dia de sol. Porque não haveria beleza nele. Só haveria estranhamento.

O grande problema da vida é este exagero de opções. Sãos dias de chuva, de sol, nublados, quentes, frios ou agradáveis. Tristes ou alegres. Um diferente do outro. E eu conheço todos. E peço e espero por eles. Porque sei que existem e podem, enfim, acontecer.

O grande problema da vida é existir a morte, e eu saber das duas, eu poder escolher entre elas, e eu poder distinguir claramente onde está uma e outra, e eu ter que simplesmente conviver com uma opção maior do que eu.

Se a vida fosse só vida eu me acostumaria com isso. É claro que eu me acostumaria.

E se eu não soubesse da morte eu viveria melhor. Muito melhor. Eu enfim viveria.

Mas se fosse só morte... Se fosse só morte eu não sei o que seria. Se fosse só morte, pra dizer bem a verdade, acho que, enfim, eu não morreria.