quinta-feira, 5 de junho de 2008

Cafezinho com o embaixador

Almiro Zago

Há sempre alguém me mandando pela Internet, o que eu chamo, pequenos documentários com imagens de belos lugares famosos, ou nem tanto, seus monumentos e atrações pelo mundo afora. Se reunisse ao que sai na mídia, chegaria a imaginar fosse possível "fazer turismo" sem sair de casa, dado que pouco mais haveria no planeta cujo visual ainda não seja de todos conhecido. Além disso, páginas de revistas e jornais sobre viagens trazem fotos de leitores em lugares turísticos de todos os continentes. Presto mais atenção se, por acaso, exibem certos pontos onde eu também tenha estado. Isso sugere que seria só tirar ou inserir pessoas e as fotografias a todos serviriam, porém com diferentes significados para cada uma pela particularidade do olhar sobre o cenário e, quando não, pelos sentimentos e evocações despertados.

Esse diferencial, vezes há, reside nos encantos de mínimos fatos sucedidos ao turista, adicionando tempero peculiar a uma viagem. E ficam na lembrança com os acontecimentos de maior significado. Para insinuar uma idéia, e meu risco é alguém dizer que isso é bobagem, mas se ouço dizerem Frankfurt quase sempre a minha memória toca esta frase: "Está a faltar alguma coisa para os senhores?" Sim, faltava. Recém chegados ao quarto do hotel, de porta aberta, minha mulher e eu tentávamos ao telefone um jeito de nos entender com a camareira alemã para reclamar da falta de travesseiros. Foi bacana a coincidência de passar pelo corredor um moço português, empregado da casa, bem na hora que precisávamos de um intérprete.

Pequenas coisas, dessas que fazem a diferença, espreitam por toda parte. Veja, muitos podem ter admirado a mesma paisagem, por exemplo, da que foi a capital da Sereníssima República de Veneza, mas quantos perceberam a carícia da aragem da laguna, lá do alto do campanário da Catedral de San Marco? Ou quem, pelo mágico poder da imaginação, viu Marco Polo, voltando pelo Canal Grande com as especiarias e riquezas de sua viagem ao Oriente, no distante 1295?

Depois, a marca pessoal, quem sabe, venha do friozinho na espinha ao passear pela "piazza" em meio ao burburinho abafado pelo tanger dos sinos do "campanile", num cair de tarde. E, se ainda estiver na cidade dos Dogdes para o almoço no dia seguinte, curtir a inusitada companhia de sexagenário casal japonês, da mesa ao lado. Ainda que reduzido fosse, de parte a parte, o vocabulário em inglês.

- Por favor, poderiam bater uma foto de nós dois? -, pediu o sorridente marido.

- Pois, não.

Batida a fotografia, ergueram-se ambos e inclinados ligeiramente para frente nos disseram:

- Arigatô, arigatô.

Claro, em seguida, por um deles fomos fotografados. Agradecemos e eles, alçando-se de novo, polidamente repetiram "arigatô, arigatô".

Sorrimos, ensaiando imitá-los no gesto, mas...

- De onde são vocês?

- Do Brasil.

- Oh... Brasil, Rio de Janeiro, São Paulo, Amazônia, Manaus, Pelé...-, listou o homem, pois, antes de sua viagem, vira um programa de TV sobre o nosso país.

Por delicadeza, perguntei-lhes de onde eram, embora já trouxessem a resposta em seus rostos. E mais uma vez o gestual de cortesia com "Arigatô, arigatô", o muito obrigado deles. Veio o final do almoço e à despedida: "Arigatô, arigatô, goodbye"...

Por instantes, pareceu-me engraçada a cena, mas logo captei o privilégio dessa breve aproximação nipo-brasileira.

Uns 15 dias tinham-se passado e junho de 1995 começava. Agora, seria Lisboa a nos oferecer algo interessante e exclusivo, ainda que atração portuguesa nem fosse.

Parte do roteiro do que não se pode perder na capital lusa estava cumprido: a histórica Torre de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos e sua arquitetura manuelina, o Monumento aos Navegadores - os mais corajosos homens do milênio, e o lendário rio Tejo, cuja foz e contornos continentais, do alto, fora a primeira e impressionante visão da Europa, ao chegarmos do Brasil. E para alimento do corpo e do espírito, já havíamos provado bacalhau com vinho tinto, sentindo a nostalgia do fado, além de visitar a Feira do Livro com suas barracas espalhadas num verde parque.

Pois, retornando de um rápido passeio ao Estoril, fizemos uma pausa no Shopping Amoreiras. Quando de lá saíamos, perto de uma cafeteria, nos deparamos com o Ex-Presidente Itamar Franco e acompanhantes. Foi bom tê-lo encontrado, pois a baixa cotação do dólar, iniciada em seu governo, facilitara nossa viagem. Por aqueles dias, finalmente, iria ele assumir a embaixada do Brasil em Portugal. Ao cumprimentá-lo, recebeu-nos com simpatia, curioso de saber se havíamos obtido câmbio favorável.

Deveria ser não mais do que um contato rápido, pois gente importante ou famosa sempre tem pressa. Mas Itamar Franco, bem ao contrário. Quisemos nos despedir, porém, incisivo ele nos reteve:

- Não, não, tomem um cafezinho conosco -, e dirigindo-se à sua comitiva: "Embaixador fulano, peça também dois cafezinhos para os nossos amigos brasileiros.

E fomos sendo apresentados ao pessoal, gente da embaixada e familiares. Amavelmente, tomou cafezinho conosco, conversando sobre assuntos brasileiros. Sim, saiu a foto em sua companhia.

Ao relembrar o episódio, devo confessar, bate-me um certo sentimento de culpa: nem fingi pôr as mãos no bolso para pagar o café. Tampouco, conferi se a despesa fora paga pelo embaixador interino ou por aquele que iria assumir.