segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Nem só de bacalhau vive a Noruega

Almiro Zago



Desconfio que ninguém vai à Noruega apenas para comer o seu famoso bacalhau. Coisas muito mais interessantes e atraentes há para conhecer e admirar nesse país escandinavo, a começar pelas paisagens montanhosas, os lagos e os seus espetaculares fiordes.

Apenas para reavivar a memória, segundo dizem os textos de geografia, fiorde é uma grande entrada de mar, comprida e profunda, em volta de altas montanhas rochosas, cavada pelo gelo durante a era glacial. E tem mais: os fiordes da Noruega foram declarados Patrimônio da Humanidade.

Conhecê-los é como entrar em estado de graça. Para isso, uma boa e econômica maneira de vê-los, - durante o verão nórdico, por suposto -, é ir em ônibus de turismo e curtir todo o fascínio de subir e descer montes, margeando os fiordes, por estreitas e, às vezes, temerosas estradas. E pode dar-se a surpresa de topar com a prosaica cena de ovelhas a repousar sobre o asfalto, desafiando os motoristas.

Depois, imperdível é o navegar ao longo deles, vivendo a rara emoção de sucessivas vistas deslumbrantes, como aquelas proporcionadas pelos fiordes Sogner e Hardanger. De suas sinuosas margens, elevam-se montanhas de íngremes encostas rochosas, invariavelmente com a teimosa presença do verde.

Há quem diga seja a Noruega o país mais rico do mundo, às custas da renda auferida com o gás natural e o petróleo extraídos de campos no Mar do Norte. Um sinal disso seriam os quarenta e dois túneis, pequenos, médios e grandes, que abreviam o caminho de quem por estrada deseja chegar à encantadora Bergen, junto à baía por onde comunicam-se vários fiordes com o mar. É ela a segunda mais importante cidade norueguesa, embora não tenha mais de 250 mil habitantes.

Eu deveria saber, mas cheguei a Bergen sem me lembrar de que estava na terra natal de Edvard Grieg (1843-1907), o autor da Suite Peer Gynt. E isso me foi jogado na cara durante o city-tour quando conheci a casa onde ele viveu, tendo em frente pequeno chalé com inspiradora vista da baía, refúgio e recolhimento de Grieg para compor suas obras musicais.


Mas se o assunto, ainda, é arte, Oslo pode ser o lugar e com dois excelentes programas. O primeiro, é ir ao Museu Nacional para conhecer e admirar as grandes obras de seu acervo. Todavia, deve o visitante preparar-se para o impacto de ver-se, frente a frente, com "O Grito", a perturbadora tela do também norueguês Edvard Munch. Pintado em 1893, converteu-se, como se sabe, num dos quadros mais famosos do mundo.

Trata-se do Parque Vigeland a outra grande atração, onde tudo é impressionante pela beleza e originalidade. Não sei descrever as esculturas de bronze de Gustav Vigeland (1869-1943) que simbolizam o ciclo da vida do ser humano. Muito menos, o grande monolito com 121 corpos entrelaçados, tendo em sua base o equilibrado conjunto de esculturas nas quais Vigeland perenizou momentos, cenas das pessoas, como se tivesse insuflado vida ao granito esculpido.


Como não partir encantado da Noruega, depois de sensibilizar-se com tudo isso? E, todavia, tem ela muito mais a oferecer, sem falar dos atrativos de inverno para quem curte neve e frio.

Ademais, seu povo é culto e educado, o que se observa pelo domínio, por todos, da língua nacional e do inglês, pelas limpas ruas de suas cidades e lugarejos. Ou através da peculiar arquitetura de suas casas de madeira, belas e bem conservadas como se novas sempre estivessem, particularmente no interior do país.

Bem, voltando ao bacalhau, devo esclarecer que, lá, é peixe fresco. E é bom. Mas, os noruegueses que me perdoem, o "nosso bacalhau da Noruega" é mais saboroso...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A vingança

Almiro Zago

Numa de suas festejadas crônicas, recentemente publicada em seu site, Walter Galvani escreveu que "Não existe nada mais mortal do que a Palavra, sim, um instrumento letal se for usado nesse sentido. Fere e mata, mais do que uma espada, um revólver, uma bomba."

Embora longe de tão dramáticos resultados, pude sentir na própria pele as conseqüências de algo que escrevi com a despretensiosa intenção de um certo humor irônico. Apenas isso. Porém, pelo que depois me aconteceu, foi o bastante para ocultas iras incendiar contra mim.

Tudo começou com "Cenas de Viagens", texto de Isabel Cristina CCarvalho, a 9 de julho inserido neste blog, em que a autora contou um fato sucedido, de certa feita, a ela e sua amiga Marta ao desembarcarem no aeroporto de Schiphol, em Amsterdã. Eram ambas as últimas a sair, seguindo uma senhora robusta e trêmula que, na escada do avião, desequilibrou-se e caiu abruptamente de costas sobre os pés de Marta que também caiu, como num jogo de dominó, sobre as pernas de Isabel, a cronista.

Claro, apanhei o assunto pelo seu lado hilariante e, a pretexto de comentar a crônica, disse alguma coisa sobre o episódio, exatamente com estas palavras:

"Depois do que li em tua crônica, longe de qualquer idéia preconceituosa, passarei a guardar distância de segurança de senhoras robustas e trêmulas ao desembarcar de aeronaves."

Inofensivas palavras, em meu sentir, injúria, porém, à suscetibilidade de outrem, como veremos.

Suspeito, e ainda estou a imaginar, que a causadora do acidente e senhoras em condições semelhantes, sabe-se lá por qual meio feridas pelo texto, e inspiradas pela divindade protetora de mulheres com peculiares características, tenham-se reunido em corrente de energia solidária e vingativa, preparando-me o troco. Deve ter sido algo assim, pois descreio em mera coincidência. E, contudo, não se fez esperar o castigo.

Nem bem completado um mês da minúscula publicação, encontrei-me no grande e movimentado aeroporto de Schiphol, de Amsterdã. Sem a menor lembrança daquele fato e integrado a um grupo de gaúchos, percorria o longo caminho para alcançar o portão de embarque para o vôo que nos levaria a Moscou. No percurso, os usuários podiam andar em esteiras rolantes, o que também fiz. Alguns, como eu, conduziam carrinho para bagagem de mão.

Bem, aconteceu que à minha frente, atrás de seu carrinho, ia uma "certa senhora"...

Tomado pela emoção de ir à Rússia e esquecido da promessa de guardar distância, só adotei a cautela alertado por minha mulher.

Mas como tudo termina, o final da esteira também chegou. E a "certa senhora" não se apercebeu de que a partir daquele ponto deveria empurrar o dito carrinho. Por causa disso, instantaneamente trancou-se a saída, e, num átimo, vi a mulher estirada ao meu lado. Atônito, sem conseguir socorrê-la nem desobstruir a passagem, fui caindo seguido pelos que vinham à retaguarda, pois o chão movia-se sob os pés. Ainda em tempo, alguém desligou a máquina e, susto fora, o drama acabou sem maiores conseqüências.

E, aí, revelou-se a suprema ironia: a nova involuntária causadora de acidente não era robusta e trêmula, mas uma frágil e magra e senhora...

(30.08.08)