segunda-feira, 30 de março de 2009

Entre mares e chamas, o perigo

Almiro Zago

"Em forma de moça de uniforme azul-marinho, surgiu o anjo da guarda. Repetia que se tratava de alerta de fogo e nos apressou até a escada de saída de incêndio..." 


Nem só encantos e fascínio oferecem as viagens turísticas pelo mundo afora. Ou mesmo à sua volta, pois até os astronautas da Estação Orbital Internacional viram-se em perigo de colisão com peça de lixo espacial, embora a passeio não estivessem. 

Se o assunto é riscos, sustos e dissabores de turistas, que o digam os 154 viajantes a bordo do navio de cruzeiro, naufragado na Antártida no último verão. E o que teriam a contar os 74 passageiros do outro barco, o "Ocean Nova", encalhado no gelo naquelas frias e longínquas paragens?

Tirante, imagino, eventual complicação nas vias aéreas superiores ou algum agravamento reumático, saíram todos sãos e salvos. 

Mais recentemente, perto de nós, turistas brasileiros conheceram a sensação de estar a bordo de um navio de cruzeiro à deriva, o Costa Romântica, no Atlântico, em águas do Uruguai. 

A propósito, da minha mínima experiência com embarcações do gênero, a única situação com ingrediente de risco, deu-se, nem faz muito, numa travessia noturna do Mar Báltico no "ferryboat" "Viking Line", de Helsinque a Estocolmo. Por causa de forte agitação do mar, o sinal de alarme soou de madrugada, sem me despertar, todavia. 

Mas se no "Viking Line" o alarme não escutei, coisa diferente sucedeu no hotel de Estocolmo.

Fora de rara satisfação o segundo dia na capital sueca. Passeamos pela cidade, sobretudo no centro histórico com sua peculiar arquitetura, ilhas e pontes. 

Caminhando ou sentados na parte superior aberta de ônibus de dois andares, experimentamos a emoção de sentir Estocolmo com suas ruas e sua gente, monumentos e lugares imperdíveis, como o Palácio Real e o Museu Nacional. Ao final, um extra com jeito de despedida: na Praça "Sergels Torg", ouvimos grande coral sueco e solistas negros norte-americanos, num programa de belas canções Gospel. 

Entardecia, e no verão nórdico a noite tarda, quando chegamos ao hotel, uma grande construção de uns dez andares, de arquitetura contemporânea. Minha mulher recolheu-se ao quarto, eu, porém, fui à sala de Internet. Chegando ao final do primeiro "mail", fui interrompido por ruidoso alarme e uma voz tonitruante passando instruções. Sim, deduzia-se. 

Estávamos, ali, quatro ou cinco, trocando olhares interrogativos. Num lampejo, cliquei em "enviar". Já pensou se fosse minha derradeira mensagem? Dei uns passos para sair e, - que bobagem -, retrocedi ao computador para fazer "logout". 
Em forma de moça de uniforme azul-marinho, surgiu o anjo da guarda. Repetia que se tratava de alerta de fogo e nos apressou até a escada de saída de incêndio, por onde, sem pânico, desciam dezenas de hóspedes.

Uma vez a salvo, fiquei observando a saída da larga escada envidraçada, mas minha mulher não aparecia.

Consegui passar minha aflição a uma funcionária que falava continuamente ao telefone. 

Acalmou-me, garantindo que equipe do hotel estaria passando em todos os andares. 

Já na calçada contígua, juntei-me às muitas pessoas que procuravam entender o que se passava. Teria começado um incêndio no restaurante, ouvi de um italiano. 

Pois os bombeiros, que em seguida apareceram, ingressaram no edifício com certa fleuma, dando a entender que a situação não estava feia. De fato, fogo não havia. 

Subindo ao meu quarto, no 5º andar, encontrei a Irene tranquila. Nada ouvira. 

Companheiros de grupo, e que na hora encontravam-se no hotel, também desconheciam episódio. 

Ah, a causa de tudo aquilo? Quem diria... as românticas chamas de prosaicas velas, em mesa do restaurante, haviam acionado o sensor de fogo e o alerta de incêndio.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Cantando minha aldeia

Almiro Zago

(para o semanário "O Tempo Todo", de Caxias do Sul)

Parece que foi ontem, desculpem o lugar-comum, mas já se foram vinte e seis anos desde que deixei Caxias, sem, contudo, esquecer as raízes e os marcantes laços afetivos.

Quem parte do lugar que ama, bem sabe do significado de - "Paese mio ti lascio, io vado via", isto é, minha cidade te deixo, eu vou embora -, da bela canção "Che sarà".

Pois, pelas voltas da vida, e falo especialmente para quem não me conhece, estive a trabalhar por um bom tempo em várias cidades do interior e na capital de Santa Catarina. Mais tarde, por semelhantes desígnios, Porto Alegre, amavelmente, passou a abrigar meu endereço. Aliás, essa cidade é daquelas que não faz perguntas a quem chega, e isso lhe confere um certo ar cosmopolita.

Com efeito, essa movimentação toda, além de capacitar-me, infelizmente sem proveito, para consultor de mudanças, ensinou-me a querer bem a todas as cidades que me acolheram e para cada uma delas guardo espaço significativo em minhas lembranças.

Mas falando em minha terra, as recordações têm vindo acompanhadas pela nostalgia da inevitável perda do cotidiano com seu processo de desenvolvimento e transformações sociais e culturais.

Inconscientemente, toda vez que venho a Caxias, sou levado a garimpar referências do meu tempo. Sem pedir licença, a memória fotográfica vai à quase esquecida infância e exibe o instantâneo da minha primeira imagem da Metrópole do Vinho: sua face norte espalhada de leste a oeste, tal qual imenso telhado, cor de telha, sim, e, de tanto em tanto, manchado pelo verde dos arvoredos dos quintais.

Depois, parecendo competir em altura com uma ou outra chaminé de fábrica, apareciam a Catedral, o prédio da Metalúrgica Abramo Eberle e o Hospital Pompéia.

O que veio depois, todos sabemos.

Porém, a despeito da expansão urbana, dos shoppings e da crescente industrialização, Caxias, fiquei contente de notar, conserva uma forte referência: o seu centro - não contaminado pela degradação, como aconteceu país afora.

Dei-me conta disso, certa tarde, e não faz muito, caminhando pela Avenida Júlio de São Pelegrino à Praça Dante, tomado de agradável sensação, como se estivesse passeando numa boa cidade, dessas que em viagens se tem chance de conhecer.

O motivo? À minha volta, uma via arejada, limpa e bonita com vitrinas e portas de lojas ao meu lado, e gente por tudo. E num ambiente mais ou menos assim, pode-se percorrer quase toda a área central, embora mais atraente ficasse sem a poluição visual de certas fachadas comerciais e com algum capricho na conservação de uma ou outra calçada.

Acima de tudo, entretanto, é a Caxias, de hoje, a proporcionar o prazer de andar e passear ou de fazer compras no centro. Disso, certamente, resultam pontos para a humanização e ganhos nas atividades econômicas.

Olhem, a continuar assim, periga alguém voltar...


Fev. 2009