quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Irmão sol, seria?

Ainda nem havia tanta divulgação sobre os males e perigos da excessiva exposição ao sol, quando chegou-me a consciência dos riscos. Mas, aí, aquele "cedo ou tarde" já se fizera ver em mim.


Almiro Zago


Não se pode, hoje em dia, dizer de falta de informação. Mesmo assim, o que se vê nas praias é o costumeiro comportamento de risco: gente, muita gente exposta ao sol.

Mulheres e homens, de diferentes idades e volumes, pegando uma cor, como dizem. Sim, é verdade, há os que passam protetor, usam boné ou chapéu e/ou refugiam-se debaixo de guardassol. A maioria, porém, ignora os horários mais desaconselhados.

Recorrentes são as cenas estampadas nos jornais e nas imagens da televisão de mulheres estiradas na areia ou em cadeiras, horas a fio, caprichosamente alternando frente e verso para ganhar a magia do bronzeado.

Observando bem, até parecem legiões de adoradores do sol, a divindade, à semelhança dos Incas com seu Inti ou do Antigo Egito celebrando Helios e Hórus.

Ironia à parte, suspeito que, ao final, a festa seja das radiações ultravioleta A e B, causadoras do fotoenvelhecimento e do maior número dos efeitos carcinogênicos na pele.

Acontece que o sol, com o efeito cumulativo no corpo humano, sabe esperar. Eu bem sei. Cedo ou tarde, muitos dos seus praianos adoradores serão apresentados a figuras nada simpáticas, tipo carcinoma basocelular ou espinocelular. E, se conspirar a sorte, ao carrancudo melanoma maligno.


Algum sentimento de culpa aparecerá de carona com a nostalgia dos tempos de livre relação com os raios do nosso irmão sol, como diria São Francisco de Assis.

Ninguém me contou. Venho da geração dos desinformados e descuidados. Com ardência e tudo, achava normal queimar-me e ficar vermelho qual pimentão. E, depois, puxar "folhas" de pele de costas e braços.

Ainda nem havia tanta divulgação sobre os perigos da excessiva exposição ao sol, quando chegou-me a consciência dos riscos. Mas, aí, aquele "cedo ou tarde" já se fizera ver em mim. Por isso, desde bem antes do final do século passado, tenho vivido uma intimidade forçada, meio hipocondríaca, com sinais e manchas pelo corpo.

Claro, sempre à espera de seu desaparecimento ao correr dos dias, se não inscritos no catálogo dos inofensivos. Porém, alguns persistem e revelam sua face de carcinoma.

Nem precisaria declarar que minha favorita tem sido a festa da sombra. Se vou à praia, os encantos lá se vão por causa do ritual para enfrentar os raios U.V.A e U.V.B: proteção para a cabeça, filtro solar no rosto, pernas, braços e mãos. Já em vias de extinção a reserva de paciência para untar ombros, peito e costas, protege-me a inseparável camiseta.

Está certo, quase todo mundo faz algo parecido. Entretanto, para mim, ou para quem em igual situação viva, a diferença para pior vem do caráter obrigatório, coercitivo e da certeza de que o descaso terá seu preço.

Isso que nem falei dos cuidados dermatológicos de ano inteiro, de todas as noites passar no rosto gel disso e creme daquilo. Não sem resistência, precisei superar a ideia de que essas tarefas, embora de prescrição médica, fossem coisa de mulher.

Ao curso dos anos, isso tudo foi habitar meu inconsciente, de onde, de vez em quando, emite inquietantes sinais. Na praia, quando amanhece, todos aguardam um lindo dia ensolarado, sem vento e tal.

Eu, entretanto, pedindo clemência, confesso: mais de uma vez me surpreendi torcendo por tempo feio, nublado.

Meu receio, agora, é chegar ao tomara que chova...


Imagem do filme "Irmão Sol, Irmã Lua", de Zeffirelli.