quinta-feira, 7 de agosto de 2008

todos Doval


Camila Canali Doval

HINO DE URUGUAIANA
Letra e Música de Silvio Rocha

Uruguaiana
Feliz tu nasceste
À beira de um rio
Sorrindo ao luar
Uruguaiana
Cidade alegria
Ouve a melodia
Deste meu cantar
É um canto modesto
Que é o manifesto
Do meu coração
Ele quer adorar-te
Pois tu fazes parte
Do nosso torrão
No jardim de meu país
És também uma flor
O teu povo é feliz
Vivendo neste esplendor
Cidade Fronteira
És toda coberta
De um céu cor de anil
Tens a honra mais bela
De ser sentinela
Do nosso Brasil

Cantaram o Hino de Uruguaiana no velório do meu tio José, irmão do meu pai.

Esse lado da minha família, sobrenome Doval, é de Itaqui, mas mudaram-se quando meu pai ainda era pequeno para Uruguaiana.

Meu avô morreu prematuramente, quando meu pai, o caçula, tinha apenas dois anos. Minha avó ficou com a saudade e dez filhos para criar.

A história da minha família é linda – como a de todas as outras famílias - e talvez um dia eu tenha condições e conhecimento suficientes para escrever sobre ela.

O que posso resumir aqui é que minha avó, Maria Dolores, era uma mulher valente – e apaixonada - o bastante para trocar a vida de madame pela vida de esposa de sapateiro. E meu avô Hiram não viveu para construir algum patrimônio ou proporcionar algum luxo para sua sacrificada esposa. Deu-lhe dez crianças e morreu. E ela - nossa, ainda tenho bem viva a lembrança daquela mulherzinha magrinha de grandes olhos arregalados - tomou-as como o maior presente que poderia receber na vida, e fez delas sua razão, sua força, sua saga. Aceitou uma casa emprestada em Uruguaiana e negou qualquer pedido de “adoção” por parte de tios e vizinhos. As crianças eram suas, todas suas e, no máximo, um dia, seriam do mundo.

Aos poucos, com o tempo, a família migrou para Porto Alegre. Primeiro os mais velhos, depois minha vó, com o seu querido caçulinha, meu pai, de trem.

Aqui todos estudaram. Os que iam se formando iam colaborando com os estudos e com o sustento dos seguintes. Dez irmãos e uma mãe magrinha e gigante. Uma mãe com braços compridos para abraçar todos de uma só vez.

Uma mulher orgulhosa.

Sim, eu tenho muito da teimosia dos Canali, mas tenho praticamente todo orgulho dessa avozinha Doval. Uma mistura pra lá de bombástica, ainda mais se eu acreditar em astrologia e acrescentar um sol e lua em Touro. Eu sou um touro. Mas minha avó era uma tourada. Um rebanho inteiro furioso pronto para se defender e atacar. Seus filhos cresceram ao seu redor. Espalharam-se pela Capital. Construíram o sonho daquela época, daqueles tempos, daquelas vidas.

Os Doval são uma família e tanto. Minha avó morreu na década de oitenta. Doenças mal curadas do tempo em que não havia ela – havia filhos. Há uns dois anos morreu minha tia Rosa. Ontem morreu meu tio José.

Cantaram o Hino de Uruguaiana no seu enterro. Foi lindo. É claro que foi lindo. Não era só uma homenagem ao meu tio querido que carregava a sua cidade no peito, sendo membro ativo da Sociedade Uruguaianense em Porto Alegre.

Foi uma homenagem àquela família inteira. Àquela parte da história do nosso estado, representada ali, na capela 9 do João XXIII. Uma família que faz de um velório o momento de maior amor que já presenciei. Chegou a me passar pela cabeça a triste idéia de que tanta grandeza e beleza não poderia acabar ali, nas paredes frias do João XXIII. Pareceu-me injusto. Até mesmo desleal da parte de Deus. Nos dar oportunidade de ser tanto e então nos tirar tudo, assim, de repente...

Mas não é verdade. Não será o João XXIII a última morada dessa trupe impávida oriunda da fronteira. Não será mesmo.

Na saída do enterro, a nora do tio José segurava no colo a netinha dele. Sábado ela completa um ano.

Minha avó Maria Dolores sempre soube que nem a morte seria páreo para esses Doval.

24.07.08

Um comentário:

Anônimo disse...

Camila:

Um tema de tamanha carga afetiva, mereceu igual crônica.

Almiro