Almiro Zago
Um elogio inesquecível... não é isso que certas seções de jornal perguntam a seus entrevistados? Fosse comigo, revelaria aquele recebido de dona Noêmia, ainda quando o número da minha idade começava pelo algarismo dois. Professora aposentada e fluente em língua alemã, ao encontrar-me numa certa segunda-feira, disse-me que não sabia que eu falava alemão... Neguei, claro.
- Mas, então, como é que pronunciaste tão bem todos aqueles nomes de músicas, de compositores e orquestras no teu programa de ontem?
Referia-se a obras clássicas de grandes mestres germânicos e seus intérpretes, por mim anunciados no rádio.
Por esses dias, sons e vozes da Deutsche Welle avivaram a lembrança daquelas palavras de admiração por causa, digamos, de uma espécie de neologismo do vocabulário alemão, de minha "autoria", em plena Berlim.
Foi no final de uma tarde de primavera. Já instalado no hotel, esperando alguma coisa, sentei-me no imenso hall bem na frente dos elevadores panorâmicos, de última geração, desses que se movimentam somente com a inserção do cartão do hóspede num leitor interno. Quem o sistema não conhecesse teria alguma dificuldade.
Sempre havia alguém entrando nas cabinas. Um ou outro se atrapalhava, mas logo se via o ascensor subir. Um casal de idosos, entretanto, ficou a ver o abrir e fechar da porta do inerte elevador. Fui auxiliá-los, demonstrando o modo de usar o cartão, tudo sem palavras. Mal pensei em dizer algo e, nem sei de onde, saiu-me: "das confuzionen"!...
Acreditei ter dito grande bobagem ou coisa muito espirituosa, pois ouvi boas risadas dos velhinhos, certamente compatriotas de Goethe.
Mas se nos hotéis do Século XXI, em terras alemãs, turistas tropeçam em avanços tecnológicos, posso imaginar que, lá no Século XVIII, nada de semelhante possa ter acontecido ao famoso viajante alemão, o escritor Johann Wolfgang von Goethe, em sua peregrinação pela Itália, entre 1786 e 1788. Mesmo porque o primeiro elevador de passageiros só apareceria em 1853, bem depois e longe, tanto das estalagens ao longo dos caminhos peninsulares, quanto das cidades entre o Passo Brenner e a Sicília.
Em sua longa viagem, o grande autor de Werther anotou em cuidadoso e metódico diário tudo que lhe aconteceu, o que viu e lhe impressionou no "solo clássico", como referiu-se ao território italiano. E o ilustrou com reflexões e comentários, além de desenhos de paisagens urbanas e rurais, por ele feitos, como se fossem fotos tiradas pelo turista de hoje.
Anos mais tarde, todo aquele precioso material rendeu belo livro (J. W Goethe/Viagem à Itália/Companhia das Letras) de agradável e imperdível leitura, mesmo nos dias atuais, para quem ama o patrimônio cultural, artístico e paisagístico da Itália e admira a obra dessa importante figura da literatura alemã e do Romantismo europeu.
E, por certo, o viajante Goethe não terá sofrido na pousada do "Signor" Moriconi, em Nápoles, em maio de 1787, constrangimento semelhante ao que passou certa turista ítalo-mexicana em hotel de Praga, e logo na manhã da partida para Berlin, em outro maio, o de 2005.
O micro-ônibus pronto para sair, mas não estava Maria Teresa, senhora distinta e cordial, alta e elegante, - uma mulher "in gamba"- , diriam os italianos, não obstante transitar pelos seus anos setenta.
Um problema com a porta de seu quarto fora o motivo do atraso, alguém comentou.
Soube-se, depois, que Maria Teresa, tendo separado pertences de mão e as roupas do dia, fechou sua mala e tratou de deixá-la no corredor para os maleteiros, sem querer sair do aposento. Uma dificuldade qualquer exigiu um passo a mais, maior esforço para empurrar o objeto. E, ao dar-se conta, viu cerrar-se a pesada porta, deixando-a do lado de fora... sem o cartão para abri-la.
Algo banal, dirá o leitor; nada comparável ao trágico fim de Werther, personagem-título de livro de Goethe. Porém, Maria Teresa teria desejado morrer ao ver-se, num corredor do Hotel Panorama, em calcinha e sutiã.
2 comentários:
Bravo!Adoramos
Pedro e Clara Albath
Excelente leitura seu livro "Mínimas Confissões".
Estou recomendando para todos
Lúis Pedro Ledir
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