Almiro Zago
Da série Casos de viagem:
Li numa crônica do Eduardo Festugato, da sua coletânea "Sede de viver", que "Morar num apartamento é fugir da vida".
E até faz um certo sentido, pois o médico e escritor, além de apaixonado pelo viver em meio à natureza, pelo cheiro de terra, levanta interessantes e poéticas razões na sua crítica aos arranha-céus, aos prédios de apartamentos.
Suavizando a ideia, se me permite seu autor, diria que as circunstâncias econômicas e, acima de tudo, a insegurança vêm empurrando muita gente aos apartamentos em edifícios. Eu, inclusive.
Embora, no Brasil, já não se saiba de lugar a salvo da violência, não seria nas casas que as pessoas ficam mais expostas?
Sei bem o que seja viver numa casa, pois em diversas morei, todavia, em tempos menos ásperos. Só me restam nostálgicas lembranças da sensação de liberdade, de estar perto da rua e, claro, de plantar roseiras e gerânios, sálvia, alecrim e manjericão.
Disse tudo isso a pretexto de contar do prazer estético por mim experimentado, pouco tempo faz, de ver e admirar casas - às centenas - em cidades e lugarejos. Muitas de madeira e peculiar beleza arquitetônica, quase sempre rodeadas de gramados e jardins, impressionam pela caprichosa conservação. Que vontade de morar numa delas!
Agora, o invejável, o mais importante: sem grades!
Refiro apenas o imperdoável defeito de ficarem nas províncias canadenses de Ontário e Québec...
Saberiam seus habitantes o significado de morar numa casa sem os medos e temores que nos sobressaltam?
Por distração da sorte, perdi a chance de conhecer a "Casetta Piccolina in Canadà", aquela da canção do Festival de San Remo que muitas vezes anunciei no meu tempo de locutor de rádio. Nem adiantou queixar-me ao poliglota garçom do café da manhã, em Montreal. Mais do que cantar a música, ele não sabia.
Eh... mas uma velha casa, da velha Québec, pregou-me uma peça. Québec, cidade antiga e murada, com sua impecável aparência sugere ter sido acabada no dia anterior.
Deu-se na tarde quente, pelas cinco. Em cima da hora de partir, resolvi comprar água mineral em garrafa pet para levar. Estive em dois bistrôs com terraços externos repletos de gente, sem achar o que procurava.
E porque o terceiro ficava na esquina, apressado contornei o canto em leve descida, buscando a porta. Logo dei com uma abertura, e era ampla, por onde entrei caminhando em direção ao balcão.
Ali, um sujeito alto, da minha idade, pose de chefe, estava parado no recinto vazio - clientes no lado de fora. Disse-me algo como "fenêtre", janela, exibindo um sorriso mais aberto do que o da Mona Lisa, porém, não menos enigmático. Estaria a conter o riso ou uma contrariedade?
E repetiu a frase: "o senhor entrou pela janela..."
Por instantes, senti a mente confusa e me vi a pular janelas com a agilidade que já não tenho. Teria esclerosado, assim de repente?
- Não é possível...Desculpe. Mas isso aí é uma janela?
Olhei bem para um espaço largo, uns dois metros, com a base ao nível do piso por onde passei. Está certo, tecnicamente, porta não seria, embora bem cumprisse a função de passagem.
Fingi achar graça, mantendo a elegância, mas fiquei meio chateado, pois teria caído bem um toque de finesse do cara. Era esperar quando eu fosse embora e me alertar: olhe, a saída é por ali, apontando a "porta oficial", o que me faria perceber o risível engano.
Em vez disso, ao me afastar, franzindo o cenho perguntei: por onde devo sair?
Um comentário:
Li com grande prazer "Agora,o caso da janela" .Gosto muito de seu estilo
Carla M Sicca
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