segunda-feira, 4 de maio de 2009

A azeitona do meu vermute

Almiro Zago

Publicada no semanário "Tempo Todo", de Caxias do Sul:

Ainda que seja por esquecimento, quem guarda tem. Recentemente, tive confirmada essa máxima  ao  abrir uma    caixa      cansada   de  mudanças. Primeiro,  apareceram  canecos de chope,  brindes recebidos nos meus tempos de Rádio Princesa. Depois,  ao fundo, mais parecendo   contrabando disfarçado, dei com três velhas garrafas de vinho originário de  Caxias do Sul. 

O rótulo esmaecido da primeira  dizia:   "Vinho Reserva, Rosado Licoroso Doce, Marumby",  da safra  de 1947, - cinco anos mais jovem do que "o locutor que vos fala".  Noutra garrafa,  e da mesma cantina, vinha identificado um "Finíssimo  Moscato"  doce, elaborado em 1954.  

Está bem, o  vinho  doce  anda   desprestigiado, meio marginal. Naquela época, entretanto,  deleitava  muita gente. Talvez estivesse mais para o que atualmente conhecemos como suave. E, para este,  amiúde era usado o adjetivo adamado.

Mas achei particularmente interessante o último: "Largo do Boticário", tinto maduro, 1971, de  Luiz Michielon, o mesmo produtor  do  Champanha  Michielon, concorrente do Mosele, ambos,  muito conhecidos  em todo o País.

Vinho, quanto mais velho melhor? Nem pensar, pois  não foram elaborados para enfrentar o tempo. E, pior,   "alguém"  faltou com os desejáveis cuidados, embora tenham servido  como peças decorativas de  minibar.

Para muitos,  entrados em anos, assim como eu, quem sabe ainda soe   familiar a marca Marumby, lembrança  de vasta linha de aperitivos.

Falando nisso,  as maiores vinícolas, além das duas já mencionadas: Cia. Vinícola Rio-Grandense, Mosele, Antunes, Brasileira de Vinhos e  cooperativas   diversificavam  produção e   faturamento com  derivados de  uva e vinho, tipo  vermute  e quinado, conhaque e graspa  ou grappa, se preferirem.

Se nos  filmes americanos, contemporâneos daquelas empresas e suas bebidas, sempre se via uma cena com alguém pedindo um   "dry Martini",  por aqui, longe das telas, o gostoso era beber um   cálice de vermute branco, seco, com  azeitona nele mergulhada. De marca  nativa, claro.

Michielon e Marumby muito representaram, também, para  o turismo em Caxias, pois haviam-se tornado  pontos de visitação obrigatória de grupos vindos, sobretudo, da Capital, do Rio e São Paulo. E Montevidéo, na Semana Santa.

Nem sei bem das causas, mas, para desencantos e perdas de muitos, as grandes vinícolas caxienses, uma a uma, foram saindo de cena, apagando o seu papel na economia fundada na uva.

Quanto às velhas garrafas  de vinho,  inspiradoras da crônica,  uma dúvida me constrange:  pelo seu valor histórico, devo doá-las  a algum museu temático, ou vendê-las  em leilão com lance mínimo no valor de passagem aérea  para alguma famosa região de vinhos da Europa?

Um comentário:

Anônimo disse...

Estou adorando os textos.
PS: Sr Almiro
Adorei seu livro "Mínimas Confissões"
Comovente,divertido e uma lição de vida!
Aprendi muito sobre a história de nosso país através dele .
Parabéns!
Carla M Sicca.