Almiro Zago
Publicada no semanário "Tempo Todo", de Caxias do Sul:
Ainda que seja por esquecimento, quem guarda tem. Recentemente, tive confirmada essa máxima ao abrir uma caixa cansada de mudanças. Primeiro, apareceram canecos de chope, brindes recebidos nos meus tempos de Rádio Princesa. Depois, ao fundo, mais parecendo contrabando disfarçado, dei com três velhas garrafas de vinho originário de Caxias do Sul.
O rótulo esmaecido da primeira dizia: "Vinho Reserva, Rosado Licoroso Doce, Marumby", da safra de 1947, - cinco anos mais jovem do que "o locutor que vos fala". Noutra garrafa, e da mesma cantina, vinha identificado um "Finíssimo Moscato" doce, elaborado em 1954.
Está bem, o vinho doce anda desprestigiado, meio marginal. Naquela época, entretanto, deleitava muita gente. Talvez estivesse mais para o que atualmente conhecemos como suave. E, para este, amiúde era usado o adjetivo adamado.
Mas achei particularmente interessante o último: "Largo do Boticário", tinto maduro, 1971, de Luiz Michielon, o mesmo produtor do Champanha Michielon, concorrente do Mosele, ambos, muito conhecidos em todo o País.
Vinho, quanto mais velho melhor? Nem pensar, pois não foram elaborados para enfrentar o tempo. E, pior, "alguém" faltou com os desejáveis cuidados, embora tenham servido como peças decorativas de minibar.
Para muitos, entrados em anos, assim como eu, quem sabe ainda soe familiar a marca Marumby, lembrança de vasta linha de aperitivos.
Falando nisso, as maiores vinícolas, além das duas já mencionadas: Cia. Vinícola Rio-Grandense, Mosele, Antunes, Brasileira de Vinhos e cooperativas diversificavam produção e faturamento com derivados de uva e vinho, tipo vermute e quinado, conhaque e graspa ou grappa, se preferirem.
Se nos filmes americanos, contemporâneos daquelas empresas e suas bebidas, sempre se via uma cena com alguém pedindo um "dry Martini", por aqui, longe das telas, o gostoso era beber um cálice de vermute branco, seco, com azeitona nele mergulhada. De marca nativa, claro.
Michielon e Marumby muito representaram, também, para o turismo em Caxias, pois haviam-se tornado pontos de visitação obrigatória de grupos vindos, sobretudo, da Capital, do Rio e São Paulo. E Montevidéo, na Semana Santa.
Nem sei bem das causas, mas, para desencantos e perdas de muitos, as grandes vinícolas caxienses, uma a uma, foram saindo de cena, apagando o seu papel na economia fundada na uva.
Quanto às velhas garrafas de vinho, inspiradoras da crônica, uma dúvida me constrange: pelo seu valor histórico, devo doá-las a algum museu temático, ou vendê-las em leilão com lance mínimo no valor de passagem aérea para alguma famosa região de vinhos da Europa?
Um comentário:
Estou adorando os textos.
PS: Sr Almiro
Adorei seu livro "Mínimas Confissões"
Comovente,divertido e uma lição de vida!
Aprendi muito sobre a história de nosso país através dele .
Parabéns!
Carla M Sicca.
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