quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Sardas do mundo


Os Mecânicos se espalham pelos blogs do mundo.

Visite o site sardasdelas.blogspot.com, do português Nuno Ferrao, criado especialmente para homenagear as sardentas do mundo e confira o depoimento da mecânica-sardenta Camila Doval.

O universo virtual brasileiro não é limite para os Mecânicos!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

todos Doval


Camila Canali Doval

HINO DE URUGUAIANA
Letra e Música de Silvio Rocha

Uruguaiana
Feliz tu nasceste
À beira de um rio
Sorrindo ao luar
Uruguaiana
Cidade alegria
Ouve a melodia
Deste meu cantar
É um canto modesto
Que é o manifesto
Do meu coração
Ele quer adorar-te
Pois tu fazes parte
Do nosso torrão
No jardim de meu país
És também uma flor
O teu povo é feliz
Vivendo neste esplendor
Cidade Fronteira
És toda coberta
De um céu cor de anil
Tens a honra mais bela
De ser sentinela
Do nosso Brasil

Cantaram o Hino de Uruguaiana no velório do meu tio José, irmão do meu pai.

Esse lado da minha família, sobrenome Doval, é de Itaqui, mas mudaram-se quando meu pai ainda era pequeno para Uruguaiana.

Meu avô morreu prematuramente, quando meu pai, o caçula, tinha apenas dois anos. Minha avó ficou com a saudade e dez filhos para criar.

A história da minha família é linda – como a de todas as outras famílias - e talvez um dia eu tenha condições e conhecimento suficientes para escrever sobre ela.

O que posso resumir aqui é que minha avó, Maria Dolores, era uma mulher valente – e apaixonada - o bastante para trocar a vida de madame pela vida de esposa de sapateiro. E meu avô Hiram não viveu para construir algum patrimônio ou proporcionar algum luxo para sua sacrificada esposa. Deu-lhe dez crianças e morreu. E ela - nossa, ainda tenho bem viva a lembrança daquela mulherzinha magrinha de grandes olhos arregalados - tomou-as como o maior presente que poderia receber na vida, e fez delas sua razão, sua força, sua saga. Aceitou uma casa emprestada em Uruguaiana e negou qualquer pedido de “adoção” por parte de tios e vizinhos. As crianças eram suas, todas suas e, no máximo, um dia, seriam do mundo.

Aos poucos, com o tempo, a família migrou para Porto Alegre. Primeiro os mais velhos, depois minha vó, com o seu querido caçulinha, meu pai, de trem.

Aqui todos estudaram. Os que iam se formando iam colaborando com os estudos e com o sustento dos seguintes. Dez irmãos e uma mãe magrinha e gigante. Uma mãe com braços compridos para abraçar todos de uma só vez.

Uma mulher orgulhosa.

Sim, eu tenho muito da teimosia dos Canali, mas tenho praticamente todo orgulho dessa avozinha Doval. Uma mistura pra lá de bombástica, ainda mais se eu acreditar em astrologia e acrescentar um sol e lua em Touro. Eu sou um touro. Mas minha avó era uma tourada. Um rebanho inteiro furioso pronto para se defender e atacar. Seus filhos cresceram ao seu redor. Espalharam-se pela Capital. Construíram o sonho daquela época, daqueles tempos, daquelas vidas.

Os Doval são uma família e tanto. Minha avó morreu na década de oitenta. Doenças mal curadas do tempo em que não havia ela – havia filhos. Há uns dois anos morreu minha tia Rosa. Ontem morreu meu tio José.

Cantaram o Hino de Uruguaiana no seu enterro. Foi lindo. É claro que foi lindo. Não era só uma homenagem ao meu tio querido que carregava a sua cidade no peito, sendo membro ativo da Sociedade Uruguaianense em Porto Alegre.

Foi uma homenagem àquela família inteira. Àquela parte da história do nosso estado, representada ali, na capela 9 do João XXIII. Uma família que faz de um velório o momento de maior amor que já presenciei. Chegou a me passar pela cabeça a triste idéia de que tanta grandeza e beleza não poderia acabar ali, nas paredes frias do João XXIII. Pareceu-me injusto. Até mesmo desleal da parte de Deus. Nos dar oportunidade de ser tanto e então nos tirar tudo, assim, de repente...

Mas não é verdade. Não será o João XXIII a última morada dessa trupe impávida oriunda da fronteira. Não será mesmo.

Na saída do enterro, a nora do tio José segurava no colo a netinha dele. Sábado ela completa um ano.

Minha avó Maria Dolores sempre soube que nem a morte seria páreo para esses Doval.

24.07.08

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Arrivederci, meu cálice de vinho

Almiro Zago



Estive em dúvida se deveria invocar a proteção de Dionísio, o deus grego, ou Baco, dos romanos, para confortar-me nesses tempos de injusta limitação à liberdade e ao conforto de degustar meu vinho. Acabei pedindo os favores de ambas as divindades mitológicas diante da carência de elementos definitivos de que se trate de um só deus com diferentes nomes.

É que esses tem sido dias de provação com alternância de momentos que transitam da ligeira angústia e nostalgia à uma certa indignação.

Vejam, precisei viver muitos anos, a maior parte deles com a amável companhia de tintos, brancos e até rosados vinhos, para sentir a humilhação de ser considerado um perigo para a sociedade ao dirigir automóvel depois de um almoço com uma solitária taça de vinho. Pior, veio uma lei dizer-me isso. E golpeou-me com sentença irrecorrível, ao largo do meu direito de defesa.

Agora, e está escrito, para proteger a sociedade do perigo que eu represento carregando no sangue alguma mínima porção de álcool vínico, devo escolher entre o vinho e o carro. As contingências, ao menos até aqui, levaram-me a uma escolha que, dos meus almoços, vem furtando graça e poesia pela sentida ausência do cálice de vinho. Porém, ninguém pense em dependência ou coisa parecida.

Está certo, dura lex, sede lex - e respeitá-la é preciso, mas impedido não estou de registrar meu lamentoso desagrado ao que a mídia tem chamado de "tolerância zero" ao álcool daquele que esteja ao volante de veículo automotor.

Claro, é essa uma lei nascida de bons propósitos e de generosidade, como escrevi alhures, mas carente de razoabilidade, pois nivela por baixo ao colocar na vala comum gente responsável e moderada, infratores e beberrões. E ao prever severas punições a condutores, mesmo que nenhuma infração tenham cometido, pelo só motivo de levarem no sangue, como seria o meu caso, a quantidade de álcool proporcionada por uma taça da minha bebida favorita, ou que fosse um pouco mais.

E dizer que há alguns anos surgiram respeitadas vozes na medicina anunciando que até dois cálices de vinho ao dia trariam efeitos benéficos ao coração. Vozes outras, da mesma ciência, entretanto, falaram mais forte, como se vê.

Contudo, ofereço meu aplauso à maior severidade da lei, afinal ninguém desconhece os males e as tragédias causadas por motoristas embriagados. Todavia, para alcançar os bons resultados pretendidos, e que já se fazem notar, seria mesmo necessário ir tão longe? E, outra vez, pagam os inocentes pelos pecadores.

Dói escutar, após tanto tempo cultivando o prazeroso hábito do vinho às refeições, sem restrição ao automóvel, que a quantidade de álcool contida numa taça venha a diminuir as minhas condições de dirigir. O desmentido, é a experiência que o traz.

A despeito de tudo, na lei descobri uma vírgula tolerante! Disponho de duas horas de liberdade, por dia, para que eu harmonize vinho e direção: das seis às oito da noite, mas nada de sair depois. Sim, observei a possibilidade de persistência de algum vestígio de álcool no sangue por até doze horas.

Reconheço, cheguei a pensar, por um átimo, na maldição de Dionísio para os motoristas embriagados, causa maior da severidade atual, mas faltou-me espírito de vindita.

E daqui para frente, pelo jeito que as coisas andam, cuidemos do cafezinho, do chimarrão e do chocolate...

15 de julho de 2008