sábado, 26 de junho de 2010

“Un attimo”, por favor

Almiro Zago


Antes da gente se chatear com outra pessoa,    sugere a sabedoria, se lhe damos chance,  que procuremos saber a razão que a leva a  agir desse ou daquele modo desagradável ou aparentemente prejudicial para nós.

Sempre valerá a pena, pois esse mínimo cuidado pode conduzir  à recíproca compreensão  e lançar pontes de cordialidade no convívio social, por onde passarão os bons gestos e atitudes, desses que  contam, sim, para o dia feliz de cada um.

E além do  mais, essa desejável conduta poderá nos livrar   de constrangimentos ou  situações desconfortáveis.

Se a relação desenvolve-se ao telefone, na ausência do face a face, por suposto, tudo fica mais complicado, motivo a mais para cultivar a virtude da paciência e a boa vontade.

Pois, nem faz tanto, precisei fazer um telefonema a um conhecido italiano, que viria tornar-se um bom amigo. Assim, disquei, ou melhor, digitei a carreira de algarismos que compunham o número, e, lá do norte da Itália, uma voz de mulher atendeu:
- Pronto!
- Bom dia, sou fulano de tal, de Porto Alegre, Brasil. Gostaria de falar com o seu Renato. Ele está?
- Não, não se encontra. Está trabalhando, a essa hora.

Interessado em salvar a dispendiosa ligação internacional, e  sendo simples o que pretendia, perguntei-lhe:
- A senhora poderia fazer a gentileza de anotar um recado pra ele?
- Sim, certamente, mas aguarde um "attimo", pois preciso apanhar uma caneta. Passado um tempinho:
- O senhor pode dizer...

Passei, então, a ditar a primeira parte, explicitando o nome de certa pessoa com três palavras. E ela:
- Um "attimo", por  favor.

Seguiram-se nem sei quantos segundos de silêncio até:
- Pode continuar.

E eu prosseguia com o breve texto, porém, a cada quatro ou cinco palavras:
- Um "attimo"...

Silêncio de muitos átimos  e:
– Pode prosseguir...

Seria como se houvesse uma deixa para intervenção de alguém, sem, contudo, consumar-se.
Ia ficando curioso, queria entender o que se passava do outro lado da linha, além-mar, com a gentil senhora.

Meu ditado era lento, de frases  simples em ordem direta. Porém,   mal conseguia dizer meia dezena de palavras,  quando muito, sem   conceder um “demorado attimo”.

Iria ela ao dicionário conferir o significado dos termos em língua italiana por mim empregados?  Ou estaria a degustar  seu espumoso "cappuccino" ?

Verdadeiramente,  me sentia cada vez mais intrigado com o festival de solicitações de momentos  de pausa, nem tão instantes, a bem da verdade.
 - Ah, agora, falta apenas o número do telefone que o seu Renato me pediu:  51 3224...
- Um "attimo", por  favor, - e de novo  repetia-se o ritual.

Não sem antes ceder o derradeiro "attimo", disse   os algarismos faltantes, sentindo a frustração de sequer ter conseguido imaginar  um motivo crível para que  minha atenciosa interlocutora  necessitasse de tantas paradinhas, seguidas de outros tantos silêncios. Mas, finalmente: 
- Muito obrigado. A senhora foi muito gentil.
- Por nada. E o senhor me desculpe por ter interrompido tantas vezes. É que eu só tenho um braço.

Mesmo convencido de ter sido coerente com o que escrevi lá em cima, passou-me um sentimento de culpa ao perceber a trabalheira que causei à pobre italiana: escutar minhas palavras - pedir-me um tempo - descansar o telefone - apanhar a caneta - escrever – voltar a pegar o telefone...  E numa cansativa repetição.  Nunca antes, acreditem, conhecera em toda sua extensão o adjetivo desconcertante.

Já quanto à conta telefônica, se querem saber,  nada economizei; bem ao contrário.

P.S.:
1 -Tenho lido com muito carinho os amáveis comentários de leitores, ao pé de meus textos. Isso me deixa feliz. Muito obrigado a todos.

2 – O livro “Mínimas Confissões”  pode ser obtido pelos sites:
www.letraevida.com.br (Fone/fax:51 3384.8579)
www.livrariacultura.com.br
www.maneco.com.br 

Nas livrarias:
Caxias do Sul: Maneco - Mercado de Idéias - Arco da Velha - Rossi.
Porto Alegre: Cultura - Nova Roma e Cameron,Bourbon Ipiranga.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Amigos e histórias de amor



Almiro Zago

- Paixão à primeira vista:                                                                                                                   
                                                                                        
Na bonita tarde de domingo, faceiros íamos, o Leo e eu, à  quermesse,  uma festa de igreja no bairro. Mas esclareço: outro era o verdadeiro nome dele. Nas conversas, entrava de tudo, inclusive e  especialmente  a ideia de arranjar namorada; afinal, aos 16 anos, como não conversar sobre isso?

Nem bem chegamos, e o Leo, sem esconder o entusiasmo, foi apontando certa guria de um grupinho, revelando-se caído por ela. 
- Qual, mesmo?   A comprida e magra, mais alta do que tu?
- É...
Claro, havia falado meio brincando, sem referências à beleza ou feiura da moça que, aliás, tinha um porte bem do estilo das modelos de  hoje em dia.
Aconteceu que ele ficou magoado, e eu custei a perceber a extensão do significado da sua lacônica confirmação.

Da festa, nada de interessante ficou para recordar. Porém, passadas umas duas semanas, encontrei o meu amigo de mãos dadas com a "comprida e magra", agora, sua namorada.

Pois não é que ele nem olhou pra mim?! Bem, depois daquela minha insensível franqueza, logo nos instantes em que ele provava a paixão à primeira vista, chateado é que eu não poderia ficar.

A despeito disso, ficaria tudo  igual entre nós, sem que me tivesse  retratado do infeliz comentário  por  nunca ter aparecido um momento favorável. É verdade, porém, que pouco nos víamos.

Mas nossa amizade vinha lá dos nove ou dez anos, quando o Leo, dono de uma bola de número 3, organizava um timezinho de futebol. Embora não pertencesse ao seu grupo, era sempre convidado para reforçar  sua equipe nas partidas mais importantes. Foi esse o período em que vivi dias de glória como goleiro, lá pelo final da infância a caminho da minha adolescência.

Já o Leo, desde cedo, perseguia um sonho: tornar-se mecânico de aviões. Tanto se preparou para isso que, chegando à maioridade, foi admitido a trabalhar nas oficinas da Varig, em Porto Alegre.

Sim, casou-se com a moça magra e alta, e com ela foi viver na Capital.
Dali para frente, nem me lembro se foram dois ou três anos, mas o certo é que não mais os veria com vida, pois a morte os arrebatou num acidente de carro em viagem a Caxias do Sul.

Nunca antes vira um casal sendo velado, coisa, para mim, inimaginável.
A patética cena, a meus olhos,  significava  o final de uma história de amor, da qual fora eu testemunha de seu nascimento.
Pena que tenha faltado com a cumplicidade de amigo.


II - Uma certa casa tirolesa:

Era o Jairo* um apaixonado  por  música e   filmes  mexicanos. Isso, numa época em que os cinemas brasileiros fartavam-se na exibição de películas com a marca Pelmex.  O moço, por exemplo, além de conhecer o repertório do, então, famoso Miguel Aceves Mejía, cantava e assobiava   as canções que o rádio tocava.

Seguidamente, mas não apenas nessas ocasiões, nos encontrávamos na volta para casa; eu, da escola noturna; ele, do cinema. E no caminho, contava em   detalhes a história do filme mexicano que havia assistido; falava dos atores e, invariavelmente, confessava-se atraído pela atriz principal.

Haveria de conhecer o México, - repetia com viva esperança.  E sonhos nunca faltam a quem, como ele, beirava os 17 anos, dois a mais do que eu.

Vencendo nosso percurso, em dado ponto nos separávamos: o Jairo pegava um atalho, ladeando uma casa nova, de arquitetura tirolesa, ou com essa intenção construída.

Fosse durante o dia, quem por ali passasse teria a seu alcance a  isolada moradia  de   janelas   abertas e, às vezes, com sua dona debruçada numa delas. Nunca a vira de perto, porém seria uma viúva, o que, para a minha pouca idade, significava mulher velha.

Mas aconteceu que o Jairo deixou de aparecer por uma semana, duas, três...
Teria ido ao México, sem nada me dizer?

Por ele, a outro amigo, perguntei.
- O Jairo? Tu não vais acreditar; ele foi embora com a viúva da casa tirolesa...
- Com uma velha?
- Não, não, é uma viuvinha nova.

Se os fugitivos foram felizes para sempre?
Como saber?
Do meu amigo, nada mais soube.

Mas pode dar-se que, debaixo de um "sombrero", esteja ele com sua viuvinha curtindo as praias de brancas areias em Acapulco.

*Nome fictício.