segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O insólito numa noite de Natal


Almiro Zago

"Sim, uma festa, mas não seria  a verdade toda,  
como o tempo revelaria."

Fora uma coisa incomum, mas a única não seria daquela noite, a ideia de meu pai levar os dois filhos menores,  meu irmão  e eu  à Missa do Galo.  E à meia noite, na Catedral, o que dava mais fascínio. Aquilo me encheu de alegria, daquela alegria que  só crianças sentem por pequenas coisas. E lá fomos; entusiasmados, os meninos, contido, o pai. Noite linda, e Caxias ainda permitia admirar o céu estrelado. Ah, sendo a noite de Natal, quem sabe aparecesse a Estrela de Belém que guiara os reis Magos. 

Nem sentimos a caminhada e quase sem notar nos vimos subindo as escadarias   da Catedral. Pelo oeste, lado por onde  minha mãe sempre nos conduzia. Tudo era motivo de atração, afinal,  vivíamos a infância, eu aos oito anos e meu irmão aos dez. As luzes da cidade  ainda nos empolgavam, pois nem fazia muito que deixáramos a vida da colônia

Entramos cedo ainda na igreja. E a curiosidade logo nos levou a admirar o presépio, um lugar encantado representando a gruta de Belém,  a manjedoura com o Menino Jesus, as doces figuras  de Maria e José, os reis Magos. Em torno,  as vaquinhas, as ovelhas e os pastores completando a cena bucólica.

No templo repleto, “Noite Feliz” e outros cânticos, como nunca escutara antes, enchiam a atmosfera de emoção.  Ao começar a missa, eu, talvez de boca aberta,    olhava e olhava lá para frente,  curioso, para ver o galo. Ele cantaria?

Mas só se via o padre e o sacristão. O galo não apareceu, nem seu canto foi ouvido. Decepcionante.
 
O sono já emitia seus  sinais, quando tudo terminou. Saindo da Catedral, meu pai nos levou pelo lado contrário ao que deveríamos seguir rumo à nossa casa, para surpresa minha e deu meu irmão. 

Iria ele comprar  alguma coisa para nós?  Passamos na frente  do Varejo Eberle com suas vitrinas  iluminadas, mas fechado àquela hora. Lá nem haveria coisas para crianças. Depois, quem trazia dos presentes de Natal era o Jesus Menino, embora a gente já não acreditasse. Papai Noel nem era nosso conhecido.

E os dois guris  intrigados com o que estava acontecendo, até que o  pai atravessou a rua e passamos a descer a  Borges de Medeiros, que levaria para os lados do estádio do Juventude.

Foi aí que ele explicou. Havia-se enganado, pois tomara o lado errado ao sair da igreja, mas logo iríamos alcançar aquele que deveria ser o nosso caminho.

Fomos andando por vias pacatas, com pouca luz até alcançarmos um trecho de rua com bastante claridade, muita gente parada, — só homens —, em grupinhos, conversando, rindo, na frente de um casarão de grandes portas abertas. Lá dentro, havia mulheres também. Dançavam num ambiente de luzes coloridas, e a música soava muito estranha aos meus ouvidos. 

Perguntei, e meu pai disse  que aquilo era uma festa.

Sim, uma festa, mas não seria  a verdade toda,  como o tempo revelaria.

Pois já estava crescidinho quando descobri que, tendo meu pai errado o caminho,   acabamos por passar no centrinho da zona do meretrício.

Ah, e a música estranha, um tango argentino.

                                                            ***

P.S: A você leitora, leitor o meu afetuoso abraço. E a esperança de que as Festas de Natal ofereçam doce alegria e paz. E esperando que 2012, mesmo passando muito apressado,  lhe  proporcione  felicidade e bem-estar. Ah, claro, sem esquecer uma dose de paciência para seguir acompanhando meus textos. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Quem sabe lá de 2011?


Almiro Zago

Pois 2011 está terminando e eu nem sei por onde terá ele andado.   Sei bem dos invasores resquícios do inverno que estiveram a gelar a primavera. Há pouco admiramos os ipês floridos, depois os jacarandás e as buganvílias, as tipuanas, e, agora, florescem os flamboaiãs; mas os sabiás e todo o passaredo silenciaram as madrugadas.

E foi assim nos outros anos e tudo parece tão recente, de ontem. Nem sou original ao dizê-lo.  Agora, 2012, o ano dois da segunda década deste século, está a bater em nossa porta, e quando nos dermos conta já terá entrado e saído.

Aflige-me a sensação das tantas coisas por fazer e das muitas que nunca farei, enquanto as festas de Natal e de ano-novo com seus doces apelos e os apelos consumistas vão espalhando reboliço, pressa e estresse por toda parte.

Ainda bem que existem as crianças, e com elas convivendo posso deixar do lado de fora as chatices da época, alegrar, renovar e enternecer a vida. Claro, haja preparo físico para a jornada.

Logo, as festanças terão passado, mas com direito a reprise em doze meses, como se tudo tivesse volta. Mas o escoar do tempo biológico, do tempo físico, nos deixa sem escape para a hora da verdade que ele nos inflige sem discrição, sem pena nem consideração. Certamente como tributo pelo simples viver e, talvez, pelas coisas boas que a vida nos deu. Sem desconto pelas dores, sofrimentos, injustiças e tristezas padecidos.

“El tiempo pasa/Nos vamos poniendo viejos/Yo el amor No lo reflejo como ayer” —   cantava Mercedes Sosa.

Eu ouvia, mas nada a ver comigo...

Li o Soneto de Ronsard*, através da paráfrase de Manuel Bandeira, e pensei que era assunto daquela “senhora”, personagem da poesia.

Dia desses, lembrei-me dele. E o reli. Desenxavido, percebi que, sim, era comigo também.

Desconcertante ver como puderam os poetas falar da ação do tempo na vida humana com tanta dureza, em cruéis versos rimados, vindos do século XVI.

Vejam:

“Foi para vós que ontem colhi, senhora,
este ramo de flores que ora envio.
Não no houvesse colhido e o vento e o frio
Tê-las-iam crestado antes da autora.

Meditai nesse exemplo, que se agora
Não sei mais do que o vosso outro macio
Rosto nem boca de melhor feitio.
A tudo a idade afeia sem demora

Senhora, o tempo foge... o tempo foge....
Com pouco morreremos e amanhã
Já não seremos o que somos hoje...

Por que é que vosso coração hesita?
O tempo foge.... A vida é breve e é vã...
Por isso, amai-me... enquanto sois bonita.”

Ocorreu-me, e todos sabem, que o bisturi, o botox e assemelhados ajudam a amenizar a topografia da pele. Porém, para um razoável acordo de convivência com a inexorabilidade do tempo, o melhor remédio, por certo, levaria fortes poções de  amor, amizade e alegria, solidariedade e compreensão, ingredientes em vias de  escassez.  

Quem sabe, neste Natal, peçamos esses bens imateriais ao Aniversariante, que mais dá do que recebe presentes.

5.12.2011

*Tradução livre do Soneto de Ronsard, poeta francês do século XVI, por Manuel Bandeira.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

De escolas e catedrais


Almiro Zago
                                                                                              
O mundo em que vivemos, e a ideia nem é minha, nos prende à ideologia do desenvolvimento, do progresso.  E uma das faces positivas disso mostra-se  nos avanços nos diversos campos da ciência e da tecnologia, do que resulta o crescimento material que termina por levar, de uma ou de outra forma,  melhores condições de sobrevivência para as populações. Nem precisa  dizer do efeito impactante das inovações e transformações tecnológicas, por exemplo,  sobre quem vem de pouco antes da metade do século passado, ao confrontar-se  com  tantas mudanças que fazem a vida melhor do que há  60 anos. Pelo menos, é o meu sentir.

Todavia, tomando aquela referência de época, mesmo diante de  maravilhas tecnológicas ao dispor das pessoas dos diversos extratos sociais, das instituições, paradoxalmente, a qualidade do ser humano, em boa parte,  parece ter marcado passo, se não retrocedeu.

Afora a delinquência,  o lugar onde mais se faz ver o afirmado é a escola, pois é nela que vêm sendo colocadas  as gerações que chegam, certamente refletindo o conhecimento legado pelas precedentes.

Mas a escola atual decepciona ao exibir mais a sua imagem como objeto da crônica policial do que figurar na crônica cultural, como fonte de boas notícias sobre o conhecimento, o saber e a interação entre  professores, estudantes e as famílias.

Diferentemente do desejável, a mídia nos fala de conflitos, desrespeito e agressões aos professores por alunos e pais, da prática de bullying ao extremo. E nos diz de alunos com armas em sala de aula, de disparo contra professora seguido de suicídio do inocente autor, de brigas de estudantes, de gangues,  indisciplina e desinteresse pelo estudo.

Sabe-se que não se trata da maioria das escolas, nem dos alunos, mas revela-se  preocupante o elevado percentual suficiente para comprometer o sistema.
Demais não seria indagar  — que visão de mundo, que orientação, que valores oferecem os pais aos seus filhos mandados à escola? E também — que escola estamos oferecendo às novas gerações?

Seguidamente, quando me defronto com esses temas, bate-me na memória um poema com o título “A Escola”, por conta de exercícios de análise lógica em aula de Português, ainda em minha adolescência. Embora não me lembre do nome de seu autor, guardo  os versos iniciais e os finais, que trazem a essência da mensagem:

 “Vós que trilhais a senda da esperança/ vinde, entrai, aqui há mundos luminosos / que a mão,  por mais pequena, alcança.”
(….)
“... escola, a catedral igreja/ hóstia a ciência, mestre, o sacerdote.”

Pois, mesmo abstraindo os arroubos poéticos, permanece validamente bela a  comparação entre a  casa do saber e o templo de Deus.                                        

Pode ser que hoje nem escolas nem catedrais sejam as mesmas. Receio, porém,  que se nada de significativo vier a ser feito, as primeiras se conformem com as sombras das segundas.                     

                                                          *****
 16.11.2011

domingo, 30 de outubro de 2011

De livros e sabiás cantores


Almiro Zago

57ª Feira do Livro de Porto Alegre: patrona Jane Tutikian
28 de outubro a 15 de novembro

Por que nossos jovens não leem?

As razões do desapego dos jovens pela leitura poderiam ser listadas facilmente se ficássemos  na superficialidade, no aparente. E isso pouco ajuda.

Mas pensando bem, se o estímulo à leitura é o objetivo, o que de bom e proveitoso posso fazer agora,  além de participar da Feira do Livro,  seria repercutir  o que disse a escritora Jane Tutikian sobre o tema. Está registrado  no Caderno de Cultura, de Zero Hora, na edição de sábado, 22 de outubro:

Perguntou o jornal: “Que atividade a senhora gostaria de fazer como patrona que poderia marcar seu período à frente da Feira?”

Bem, em resposta, a escritora Jane Tutikian  lançou desconcertante diagnóstico e um desafio inquietante:

“A primeira coisa que eu gostaria de fazer seria uma grande campanha de formação do leitor. Nos queixamos muito de que nossos jovens não leem e nos escondemos atrás de mil desculpas. As principais são a TV e a internet, e enquanto nos omitimos, as coisas continuam como estão. A escola diz que quem forma o leitor é a família. Como forma, se a família não lê? Mesmo os mais abastados, já dizia o Pedro Bandeira, preferem investir nos pés das crianças e não na cabeça. Compram tênis caríssimos, mas não compram livros. A família diz que quem forma é a escola. Como, se os professores não leem? Se literatura é paixão e se é impossível transmitir paixão pelo que não se conhece? A segunda é levar escritores para conversar com escritores, no fim de tarde, de volta à praça.”
                     
Ao que parece, diante do conhecimento do mal e de suas causas originárias, passaria a solução  pelo trabalho harmonioso, combinado entre família e escola. Porém, em nossa realidade, ambas  carecem de maior presença do elemento fundamental: o livro.

Quem sabe, a campanha de formação do leitor da escritora Jane Tutikian  possa incluir a dotação de todas as escolas, públicas e privadas, com bibliotecas dignas deste nome. Só assim – com livros para todos - será possível enfrentar o desafio de levar os professores a lerem, ou lerem mais.

E o passar aos estudantes a paixão  pelo encanto de ler aconteceria como  natural consequência, não acham?


Outra Feira do Livro, a de Sobradinho

A diretora de cultura da Casa da Cultura de  Sobradinho, Clélia Redin, mandou  convite para participar da 17ª Feira do Livro, que tem como patrono o escritor João Marcos Adede Y Castro.

Sua  programação envolverá os dias 4, 5 e 6, de novembro,  na  Praça 3 de dezembro,  daquela cidade. Entre os destaques da Feira aparece o lançamento do livro “2ª Coletânea do Concurso Literário jornalista Valacir Cremonese”.


O leitor e o fascínio pelos sabiás 

Para minha satisfação, agora escrevo para agradecer mensagens recebidas, via e-mail, de  leitores que revelaram suas ligações de alegria e afeto com os sabiás cantores das madrugadas.

O Lívio Paulo Susin conta da sinfonia diária dos sabiás na Praça La Hire Guerra, em frente, em Porto Alegre. Em Jaraguá do Sul, o Irineu Bianchi curte a cantoria do passaredo ao entardecer. E o Elmo Fiegenbaum, temporariamente em Ribeirão Preto-SP,  manda parabéns pela crônica.

Mas a   Suely Britto, de Porto Alegre, escreve: “Juntando o texto da “Era da desobediência" e dos sábias... eles,  com um cérebro tão pequenino, nem precisam se preparar para considerar suas ações sobre seus iguais. É, precisamos aprender — ainda muito — com a natureza e tudo o mais que nos rodeia.”

Por sua vez a  Jacira Lhullier, também de Porto Alegre,  esteve preocupada com a demora dos pássaros cantarem em seu bairro enquanto faziam festa em outros pontos da capital. Entretanto, conta: “Na primeira madrugada, a do dia 10 de setembro, os amados sabiás me despertaram com sua esperada, desejada e invejada serenata. Que alegria! Acordei meu marido para que também escutasse.”

Já o Osvaldo Ferreira tem vínculos mais próximos e fortes com as aves. No seu  quintal, em Caxias, entre o arvoredo,  instalou  quatro comedores, onde serve, diariamente,  aos mais variados pássaros, canjiquinha, bananas, mamões e pãezinhos amolecidos em água. Completando a mordomia, construiu uma fonte de pedra, onde jorra água  para eles beberem e se banharem em fartos refestelos.

Segundo o Osvaldo, deve ser em retribuição e agradecimento pelo trato recebido que  os sabiás ensaiam a serenata diária, a partir   das três da madrugada. Ah, e um deles tomou o hábito de exibir seus dotes canoros, àquelas horas, na  sacada da casa. 

Bom, a esta altura, embora não seja ornitólogo, nem mesmo um ornitófilo — aquele que se dedica por prazer à ornitologia, li no dicionário —, devo esclarecer que temos falado acerca dos sabiás-laranjeira, pois existem dezenas de espécies dessa ave pertencente à família dos turdídeos.

Com tantos admiradores  desses pássaros, quem sabe saia uma ONG “Amigos dos Sabiás”. Todavia, fique claro,  nada de convênios com órgãos públicos...
                                   

  
P.S:
“Mínimas Confissões” na Feira do Livro:
Banca da Livraria do Maneco

Ou pelos sites:
www.letraevida.com.br 
www.maneco.com.br
www.livrariacultura.com.br

sábado, 8 de outubro de 2011

Seriam os sabiás seres mitológicos?


Almiro Zago
                                                                                                                                                                                         

Quando em tempo de primavera, volto pra casa depois de curtas ou longas ausências, um dos meus primeiros desejos é escutar os sabiás madrugadores, aqui, em plena cidade grande de Porto Alegre. Não, palmeiras por perto nem há, como na Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Mas, entre os arvoredos das ruas e do parque, despontam tipuanas grandiosas e, de seus ramos, os sabiás — em solos, duetos, trios, sextetos e, quando não, em grande coral improvisado — inundam a atmosfera com seu canto belo e enternecedor. Os sabiás não me acordam, mas, nas madrugadas, a cumplicidade do meu subconsciente dispara um despertador para que possa ouvi-los. E se a insônia se instala, fazem os pássaros um fundo musical para os meus pensamentos divagantes.

Dizem que é através de seus cantares, como fossem Eros, deus do amor, que os sabiás encontram suas amadas.  Consumada a conquista e iniciada a vida a dois — deve ser isso — os cantores silenciam nos estertores da estação primaveril.

Pois, então, os sabiás cantam por amor, como de amor foi o beijo de Eros a reanimar Psiquê, uma das três Graças, divindades da beleza, na mitologia grega, que moram no monte Olimpo, na companhia das Musas, com as quais, às vezes, formam coros. E fazem parte do séquito de Apolo, o deus músico. 

Seriam os sabiás seres mitológicos perdidos mundo afora?

Ao que se sabe, esses pássaros amorosos ainda estão a esperar homenagem em bronze ou pedra, mas Eros e Psiquê, há tempo, foram imortalizados pelo cinzel mágico do grande escultor neoclássico, Antônio Canova (1757-1822), italiano do Vêneto.
Quem for ao Museu do Louvre, em Paris, terá a chance de encantar-se diante do conjunto em mármore branco, que pertence às alegorias mitológicas da produção canoviana.

Conta-se que Psiquê, vítima de um embuste com o qual Eros, também chamado de Amor e Cupido, estava implicado, abriu uma caixa e, em vez de encontrar a beleza divina, deparou-se com o infernal e verdadeiro sono estígio que dela se apossou e a fez cair no meio do caminho, como um cadáver, sem sentidos e movimentos. E a escultura representa o arrependido Eros no momento em que, ainda com as asas levantadas, chega para reanimar Psiquê com seu beijo.   

Em mármore branco, de superfície polida, torneada com apurado esmero, forma, segundo os entendidos, uma obra de extraordinária articulação. Esculpindo Amor e Psiquê com tanta delicadeza e elegância, Canova revelou grande paixão, como já o fizera em as Três Graças, integrante do acervo do Museu Hermitage, em São Petersburgo.

Isso explica a razão da verdadeira romaria de admiradores de sua obra no Louvre, mesmo na vizinhança de Michelangelo.


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A era da desobediência


Almiro Zago

Vivemos tempos de desobediência. A começar pelo clima, pelo tempo que vem frustrando nossas expectativas, que andou mandando frio intenso, continuado. E muita chuva para uns, pouca ou nada para outros. E ventos raivantes para todos.

Com a natureza, outra coisa não a há fazer senão o contínuo aprendizado de convivência com ela, devotando-lhe amor e respeito, como devem fazer os bons hóspedes.  Mas não é bem assim que agimos.

Já na sociedade em que vivemos, suscetível de mudanças pela vontade do grupo, dos indivíduos, o proceder de muitos vai tornando difícil o conviver pacífico e respeitoso, democrático e republicano, para usar um termo em voga.

Bem observando, veremos que a desobediência, em graus e formas diversas, é quase generalizada. Nas condutas previstas no Código Penal mostra-se assustadora a quantidade de delinquentes, a audácia e a constância na prática de atos antissociais de gravidade contra as pessoas, contra o patrimônio, contra a administração pública e o erário. Quanto a este, e em preocupante frequência, por quem deveria protegê-lo.

Como se essa criminalidade fosse pouco, vicejam desobediências a preceitos elementares entre a população, no que tange ao respeito ao outro nas simples relações do dia a dia, em atitudes que partem da descortesia e avolumam-se até a grossura. É gente das várias faixas etárias e, se aparência tanto não engana, das diversas camadas sociais, de alto a baixo. O outro... nada conta.

No trânsito, por exemplo, muitos motoristas e outros tantos pedestres revezam-se na inobservância voluntária das simples regras de proceder nas vias públicas.

O sinal vermelho, cada vez mais, vem sendo relativizado em perigoso proceder que poderá levar o trânsito ao caos. E a vida, o que vale?

Para que as coisas funcionem a contento e todos possam exercer seus direitos, a parte de cada um deve ser espontaneamente feita. Isto é fator fundamental da qualidade de vida de qualquer lugar e ajuda a fazer mais felizes as pessoas. 

Há poucos dias, li no blog www.cerebronosso.bio.br/guia-basico-de-neurociencia, a cargo da equipe da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, uma interessante lição sobre a vida social, e por isso a compartilho com os meus caros leitores:

“O que é bom para você não é necessariamente bom para os seus vizinhos. Portanto, para conviver em grupo de maneira harmoniosa (o que traz uma série de vantagens a qualquer espécie) é preciso que cada indivíduo seja capaz de levar os demais em consideração — ou seja, de organizar seu comportamento contando com uma avaliação prévia de como os outros serão afetados por ele, ou antecipando por exemplo o que os outros esperam que aconteça. Levar os outros em consideração ao organizar o próprio comportamento é possível graças a algumas capacidades do cérebro.”

Pois, se a criminalidade que nos atormenta escapa ao nosso controle, será que nós — da parte sadia (?) da sociedade — não poderíamos, ao menos, olhar melhor uns aos outros?

Bem, cérebro já temos, o que é um belo começo.

                                                          ****

P.S: Agradeço os amáveis comentários dos leitores Sílvio Teixeira e Carlos P. Anschau relativos ao texto anterior.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Pois é, fui artilheiro na Campanha da Legalidade

Almiro Zago

Ninguém me perguntou onde eu estava quando aconteceu a Campanha da  Legalidade. Nem vou ficar esperando o que não virá. Por isso, desde logo, vou dando minha resposta  através do texto extraído da pág. 53, do  livro Mínimas Confissões*. É o meu jeito de homenagear o cinquentenário daquele marcante episódio da história política do Rio Grande do Sul.

Os canhões do cais do porto

Foi rápido o descarregamento, e o caminhão afastou-se, deixando para trás dezenas de caixas de madeira com alças de sisal, cheias de munição. Não mais que alguns minutos depois, porque a circunstância pedia urgência, estava tudo pronto.
— Granada explosiva, carregar!

O comando gritado pelo sargento afetou nossos nervos. Éramos sete recrutas, a guarnição completa, operando o canhão antiaéreo. Aí começamos a executar a ordem em raro silêncio. Dessa vez, a granada era de verdade, ao contrário daquela que havíamos manuseado durante o treinamento intensivo. Assim que foi retirada de uma das caixas empilhadas a poucos metros e passada de mão em mão, a pesada bala foi municiar o canhão 40 milímetros. A arma, assim como outras da mesma unidade militar, fazia parte do esquema de defesa contra eventuais ataques aéreos ao palácio do governo estadual.

Éramos não mais do que aprendizes de artilheiros. Pudemos, finalmente, executar a sequência de operações que seriam necessárias para disparar o projétil, em defesa, na hipótese de uma agressão real. Embora fosse obsoleta a peça de artilharia frente os aviões a jato, os presumíveis atacantes, todos sabíamos que, mesmo assim, ela poderia causar danos. Ferir e matar, no caso, outros brasileiros. Ou, por causa dela, nós é que poderíamos ser feridos ou mortos.

Fazíamos parte da força militar que havia chegado a Porto Alegre ao amanhecer, procedente do Quartel do 3º Grupo de Canhões Automáticos Antiaéreos. A cidade de Caxias do Sul apagara as luzes na noite anterior para a passagem em segurança do comboio. Isso não impediu, entretanto, que uma multidão, em despedida, acompanhasse o começo do deslocamento pela Avenida Rio Branco.

Porém, naquela hora, no outro lado dos muros do porto, a capital fervilhava com os desdobramentos da Campanha da Legalidade, que tinha o propósito de garantir a posse do Vice-Presidente da República por causa da renúncia do Presidente. Despontando do topo dos edifícios mais altos, os canos de metralhadoras bem confirmavam o clima de guerra.

Francamente perceptível, acirrava-se o antagonismo entre as forças dos ministros militares, que se opunham ao cumprimento da Constituição no tocante à sucessão presidencial, e a resistência do Sul. Isso justificava o temor de incursões aéreas contra o Palácio Piratini e os demais pontos de defesa. Significativamente, a vizinha Base Aérea de Canoas não havia aderido ao movimento liderado pelo governador Leonel Brizola, que, a partir de certo momento, passou a ter o apoio do III Exército.

Embora jovens soldados, tínhamos consciência de toda aquela realidade e do seu significado. Tanto assim que guardávamos na lembrança as palavras do comandante da bateria, dias antes, ainda no quartel, ao ordenar a entrega de armas individuais com munição: “Lembrem-se de que essas armas poderão ser usadas contra irmãos nossos. Não permita Deus que isso venha a acontecer.”

E como não esquecer o tom dramático do capelão, o Padre Giordani, de São Pelegrino, ao abençoar a tropa antes do embarque para lugar ainda não revelado. Disse-nos que, naquele mesmo lugar, em 1944, havia ele dado a bênção de despedida aos pracinhas da cidade que foram lutar com a Força Expedicionária Brasileira na Itália. Para incutir con­fiança, deu ênfase a que todos haviam voltado com vida, e certamente Deus permitiria que o mesmo acontecesse com todos nós que estávamos em vias de partir.

Isso tudo se resumia a uma recordação, pois ao sol do final da manhã do primeiro sábado de setembro de 1961, o cais do porto impressionava pelo cenário de guerra. No lugar de navios, cargas e estivadores, soldados e diversos canhões apontando para o norte, refletidos nas águas calmas do Guaíba. Outros tantos quebravam a paisagem do Parque da Redenção e, dias depois, também da Praia de Belas. Logo adiante, num dos extremos, como que a fazer um contraponto, alçava-se imponente a chaminé da Usina do Gasômetro.

Nós, os soldados recrutas, representávamos, como em forças do gênero, o contingente humano mais numeroso. Apenas concluído o período de adaptação ao Exército, tínhamos não mais de quarenta dias de caserna ao estourar o movimento. A esse tempo, a instrução normal para a formação de artilheiros sequer havia começado. Por isso tudo, carregar o canhão com munição real e num lugar onde poderia vir a ser empregado era a culminância de uma intensa e curta preparação para um quadro de tensão nunca antes vivido. No íntimo, cada um de nós acalentava a esperança de não precisar fazer nenhum disparo com a arma, cujo ruído somente os nossos superiores conheciam.

Pesados, sucederam-se os dias. E os aviões a jato não apareceram. Só uma intrusa e solitária aeronave de transporte surgiu uma vez, à grande altitude, voando em círculo em pleno meio-dia. Fazia guerra psicológica por meio de lançamento de impressos, contendo ordem de baixa aos recrutas incorporados ao Exército naquele ano. Ou seja, o Ministro da Guerra nos estava mandando para casa. A rigor, tendo na mão um daqueles papéis com a assinatura do ministro, poderíamos ir embora. Mas ninguém levou aquilo a sério.

Foi nesse contexto que a emenda constitucional, produto de um arranjo político conciliador e que introduzia o sistema parlamentarista de governo, terminou por apagar os rastilhos do conflito, prenunciando novo clima. De resto, o minuano encarregou-se de dissipar as nuvens de hostilidade, devolvendo o límpido azul aos céus rio-grandenses.

E, assim, nenhum canhão disparou no cais do porto ou em qualquer outro lugar do País, naquele curto e dramático período.

Por isso, o rugir dos tiros de granadas explosivas, nós, os novos artilheiros, iríamos conhecer só dali a alguns meses, num rotineiro exercício, tendo como alvo uma rochosa e inofensiva coxilha de Vila Seca, na borda dos Campos de Cima da Serra.

*Editora Suliani Letra&Vida

terça-feira, 26 de julho de 2011

Do Colisor de Hádrons à armadilha de chulé

Almiro Zago

Se existe o bilionário projeto do CERN, o Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear, aquele do Colisor de Hádrons dos cientistas com fixação nas origens do universo e na identificação do Bóson de Higgs, aqui na planície vemos pesquisas sustentadas por módicos recursos fazendo ciência com resultados, por que não?, mais proveitosos para a humanidade do presente. 

Li na internet, dias passados, uma das manchetes mais interessantes deste século: Armadilha de chulé combate mosquito da malária. Vejam só, quem de nós teria imaginado semelhante coisa?

Soube que um jovem pesquisador da Tanzânia, baseado na demonstração do holandês Bart Knols de que o odor dos pés é atrativo para as moscas, desenvolveu uma armadilha de chulé'artificial com substâncias venenosas. Sua força de atração do mosquito propagador da malária, num raio de 110 m, é quatro vezes maior do que outros meios. 

Nem se pense que seja pouca coisa, pois o trabalho mereceu reconhecimento da Fundação Bill e Melinda Gates e da Grand Challenge Canada. E o prêmio concedido, 775 mil dólares, vai permitir a continuidade dos estudos pelo Instituto de Saúde de Ifakara, na Tanzânia, liderados pelo pesquisador Fredros Okumu, nome que promete.

Dizem que a inovação africana significará grande avanço na erradicação da malária, que anualmente acomete, no mundo, 220 milhões de pessoas, das quais morrem 800 mil, principalmente pobres e crianças.

Mas há outro genial projeto de pesquisa, embora nem tão pobre. É aquele da Fundação Gates investindo 42 milhões de dólares para que desenvolvedores reinventem o vaso sanitário, acabando com o desperdício de água. Até onde sei, a busca seria por inovações na captura e armazenamento de dejetos humanos e na criação de maneiras de processá-los em energia e fertilizantes.

Por outro lado, confesso minhas implicâncias com a turma do CERN, porque, entre outros pontos, enquanto a Terra vai perdendo condições de vida e milhões de seus habitantes padecem de fome e doenças, pesquisadores com rico patrocínio só pensam em desvendar como o universo começou.

Dito isso, torço para que muito antes dos cientistas do Colisor de Hádrons encontrarem o Bóson de Higgs — se bem entendi, a matéria que deveria estar dentro do núcleo do átomo —, seus colegas mais modestos encontrem solução ecológica para o que vai dentro do vaso sanitário. E também estaremos mais protegidos da malária graças ao chulé, o artificial, claro.  

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Chateações sem fim

Almiro Zago

Ao assunto minorias e seus direitos, de uns tempos para cá, não tem faltado cobertura, exposição na mídia. Mas é pelas silenciosas e sem voz que vou falar. Pensando bem, seriam subminorias das minorias, e aquelas minorias inseridas no corpo das maiorias. Coisa complicada? Acho bom deixar para os sociólogos e outros estudiosos a tarefa de clarear o tema.

Resigno-me aqui, a expor pequenos dramas, que passariam por bobagens, não fosse sua permanência que leva chateação a não pouca gente. Por exemplo, pessoas com alguma deficiência visual, ainda que usem correção, e integrantes da faixa etária, por muitos chamada de “melhor idade”, embora seja desconhecida a opinião dos velhinhos a respeito.

Chateação I:

Para começo, meu caso. Desconheço medo de andar de elevador, o que não me poupa de um princípio de pânico ao procurar pelo painel de controle. Certo, ele termina por aparecer com seu belo design, mas... a cor dos botões e números confundem-se com a cor da placa metálica onde estão inseridos. E na pressa, pois há gente em volta, arrisco torcer o pescoço movimentando a cabeça para cima, para baixo, para os lados até ajustar a lente dos óculos ao ponto procurado. 

Ah, e se precisar manter a porta aberta, qual botão premer?

Já notaram como são as indicações nas teclas? Por mais que suba e desça de ascensor, não consigo me livrar do esforço para focar o objeto, até concluir que aquela tecla — com as curtíssimas, quase invisíveis, setas que se encontram — serve para evitar que a porta se feche. Bem, a essa altura ela já se fechou, e foi-se a gentileza para alguém que se aproximava.

Sim, conheço elevadores em que o dito painel exibe com clareza os botões dos andares, mas se necessito saber qual deles permite aquela operação de abrir ou cerrar a porta, haja acuidade visual para chegar às microscópicas setas indicativas!
 
Sabem a causa de tudo? A insensibilidade de designers e fabricantes que nos privam da praticidade em favor da estética, a deusa deles. Ainda virá o dia em que, pela Internet, será convocado colossal protesto, tipo paralisação geral de elevadores, contra tamanho descaso.

Chateação II:

E há outras coisas, em semelhante linha, que vêm exaurindo a paciência, na cidade onde vivo, embora o mesmo aconteça em outros lugares, também. Sair pelas ruas de carro à procura de um determinado endereço vira trabalho para Sherlock Holmes, acreditem. As plaquetas com os números dos prédios, além de pequenas, estão sempre escondidas nos pontos mais “criativos” das edificações, exatamente para não serem descobertas. Nem vou falar das placas com os nomes das ruas, pois quando existem já é um sucesso.

 Chateação III:

Por fim, meu nome pode ser encontrado na lista gris da sofredora minoria vítima da ditadura do gelo. Entre nós, todas as bebidas, tudo tem de ser gelado. E quando se tem vias respiratórias superiores e o chamado aparelho fonador de relações estremecidas com o frio dos líquidos, dos sorvetes, é preciso ficar na defensiva, pois, nessa área, a solidariedade é pouco conhecida.

Para dar pequena ideia, o primeiro aborrecimento, num restaurante e similares, começa com a necessidade de pedir enfática e claramente, por exemplo, “uma água mineral, sem gás, fora do gelo”. É um ganho quando o garçom, ou mesmo o dono do estabelecimento entende o pedido. E frequentemente não tem o que se pede. Depois, nas temporadas de calor, olham para a gente como se vissem um extraterrestre. “Imaginem só, o sujeito não toma água gelada...”

Em viagens, tudo se complica por causa dos hábitos locais. Certa feita, aconselharam-me a pedir, no idioma do país, que a bebida seja servida na temperatura ambiente. Tem dado certo, mas uma exceção houve. Num almoço, pedi vinho tinto, insistindo naquela ressalva.

E, rigorosamente, assim foi servido.

Porém, a temperatura ambiente era a do Passo Pordoi, nos Alpes italianos, a menos de três graus Celsius...

                                                                    * * *

sábado, 18 de junho de 2011

Gentileza no trânsito existe?

Almiro Zago
 
Parece que tem coisas que só acontecem comigo. A mais recente sucedeu-me num entardecer de maio, na autoestrada Osório a Porto Alegre. Pela faixa central, dirigia o automóvel na velocidade máxima permitida. 

De repente, deu-se algo incrível: qual bólido, aproximou-se um carro exatamente pela minha pista, com insistentes sinais de luz para que eu saísse do caminho... E, contudo, livres estavam as vias de ultrapassagem e de tráfego lento.

Por ironia, pouco antes, no rádio, saíra uma chamada motivacional, patrocinada por uma seguradora, com o mote Seja gentil no trânsito.  

Campanhas semelhantes sucedem-se na mídia, como ações de pretensão educativa para um trânsito mais civilizado nas cidades e estradas.

E os destinatários somos todos os motoristas, especialmente os desapegados das regras de trânsito, os imprudentes e impacientes, os “espertinhos”, grosseiros, os indiferentes para com o pedestre, os apressados e de outros, pouco edificantes, modos de proceder.

Mas acontece que a clientela que as campanhas pretendem conscientizar permanece a maior parte do tempo desembarcada; anda por aí, ocupada, como todos, nas atividades humanas da vida diária.

Por certo, quem senta à direção de um carro leva sua bagagem invisível contendo sua (de)formação pessoal, vivências, defeitos, virtudes et cetera.

Pois, então, a má conduta do motorista não estaria a denunciar a ausência de conteúdos importantes naquela bagagem invisível? Se assim for, urge completá-la por meio de um processo educacional para a vida como um todo, e não para uma parte, apenas.

Deveria ser este o objetivo a perseguir, pois, ao menos em tese, quem possuir espírito de comunidade, for correto, gentil e educado na sua vida a pé, igualmente o será quando embarcado dirigir.

Suspeito, entretanto, que para as gerações adultas o remédio mais rápido e eficaz seja sábia e sistemática fiscalização com incursões ao bolso. 

E, dourando a pílula, ficaria bem instituir a atenuante do estresse em favor do motorista bem-intencionado, pelo reconhecimento do direito de irritar-se e, por que não?, perder a paciência...  de vez em quando.

Ah, quanto ao episódio contado lá em cima, segui meu rumo. Dava para ser gentil?                         
                

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Colonizados contentes

Almiro Zago

Saber falar e escrever uma ou várias línguas, além da nacional,  é algo  muito bom, proveitoso, fascinante. E apenas conseguir comunicar-se,  seja em  inglês ou  alemão, tupi-guarani, italiano ou espanhol, francês, já rende  bela façanha para uma pessoa.

Numa ou noutra hipótese, o sujeito que reúne capacidade para tanto revela inteligência, talento e cultura. Agora, será que revelamos cultura, sabedoria, quando abusivamente inserimos em nossos textos palavras e/ou expressões de outro código de comunicação?

Franz Kafka teria dito que “A única coisa que temos de respeitar, porque ela nos une, é a língua”.

Vivesse no Brasil atual, como reagiria o respeitado ficcionista tcheco ao deparar-se com o Festival de Estrangeirismos que assola o país, se permitido é parafrasear Stanislaw Ponte Preta?

Se é inevitável a invasão de termos e expressões do Inglês, soa insolente o exagero a que chegamos no emprego de anglicismos na comunicação escrita e oral, muito adiante do simples resultado da larga influência da economia e da indústria cultural dos norte-americanos.

Mais recentemente, via Internet, os estrangeirismos anglo-saxões vieram de forma arrasante pousar no nosso falar, no nosso escrever. 

“Deixem em paz a nossa língua” escreveu Cláudio Moreno numa série de artigos no suplemento Cultura, de Zero Hora, a partir da aprovação de certo projeto de lei estadual que visava tornar obrigatória a tradução de estrangeirismos na comunicação escrita.

E o gramático e escritor nos tranquiliza, afiançando, por várias razões, que nossa língua não está em decadência. 

Está bem, a assertiva nos pode poupar preocupação, todavia não amaina o desconforto diante dos excessos gerados pela busca de tola importância, de pretenso status, modismo ou senso de imitação.

E, assim, vamos convivendo com a crescente presença de escritos em Português “enxertados” de vocábulos de língua inglesa, essa nova e estranha linguagem do risível culto à estrangeirice.


Se os termos importados conferem mais importância, dão força à mensagem, segundo sugere a comunicação publicitária, por que não se escreve  diretamente em Inglês o texto todo?

Falar Inglês é bacana, útil, necessário. 

Mas, “encher o Português de anglicismos por puro modismo ou por preguiça de traduzir ou de inventar, além de nada honroso, é uma forma de colonialismo, e do pior tipo, daquele em que o colonizado toma a iniciativa da subalternização.”

Essa dura crítica partiu do professor universitário paranaense Arthur Virmond e Suplicy de Lacerda, em seu blog. Isso, porém, foi há vários anos.

Periga ter razão.

Pelo andar da diligência, do tipo faroeste, em pouco chegaremos ao país dos colonizados contentes.

domingo, 24 de abril de 2011

E o psicopata assassino pautou a mídia

Almiro Zago 

Deveria, a esta altura, mais não ser do que assunto esgotado. Todavia, não o é. Embora tivesse preferido passar ao largo, veio certo aspecto importante alertar-me para algo dizer sobre o bárbaro episódio.

Pois como fartos estão todos de saber, o psicopata que promoveu a tragédia em escola do Bairro Realengo, no Rio de Janeiro, tudo premeditou, tudo em detalhes planejou.

Um grande ato de vingança arquitetara, vingança indiscriminada, mediante ação espetacular, segundo sua ótica doentia.

Mas acima de tudo — resultou claro das investigações, do que se viu, do que se leu — buscava chocar a sociedade e forçá-la a ver o nome dele marcado na história. Para tanto, cuidou de deixar cartas, fotos, vídeos, calculadamente disponíveis dentro de mórbido interesse de ganhar fama pelo mundo afora, depois de sua morte, esta também objeto de seus estudados preparativos.

É duro reconhecer, mas a sinistra figura, no que seria sua visão das coisas, conseguiu integralmente o que havia programado alcançar. Os jornais, as revistas, as televisões, o rádio, a Internet, em patética associação, têm sido infatigáveis na propagação do nome dele, do seu rosto, de sua voz, de suas  ideias.

Vejam só, a mídia seguiu, passo a passo, o roteiro marcado pelo assassino.

E por força da conduta midiática, infelizmente, outras pessoas perturbadas poderão encorajar-se a seguir o terrível exemplo na busca da notoriedade póstuma, à custa do sangue e das vidas de inocentes.

A respeito dessa temível possibilidade, a jornalista Luisa Bustamante, em sua coluna no jb.com.br, de 16 de abril,  transcreve opinião insuspeitada: “O próprio atirador buscou inspiração na internet, em casos antigos” — confirma Célio Campos, professor de mídia impressa e eletrônica da PUC-Rio. “— A imprensa deve divulgar, sim, mas, desse jeito, um indivíduo doente, carente, pode achar que a repercussão é estimulante.”

Ainda que inútil possa parecer,  diante da vasta divulgação, recuso-me a mencionar o nome do terrível matador, aliás, como escreveu Walter Galvani em seu blog:  “De propósito omiti a lembrança do nome dele, que, acho, não interessa a ninguém recordar alguma coisa sobre “o monstro do Realengo”. 

Mas afinal, os meios de comunicação tiveram em mira apenas a liberdade de informar?

Ou teria acontecido um espontâneo conluio com o lado obscuro da sociedade?
           
17.04.2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Seria o fim do mundo?

Almiro Zago

          “Embora pareça ficção, pode-se antever o Planeta num colossal embrulho de plástico, símbolo da poluição pós-moderna...”

             O gênero humano parece não se cansar de surpreender, inclusive e particularmente no fanatismo.
            Há pouco, fiquei sabendo das trinta e oito famílias italianas que aderiram a uma associação esotérica chamada “Quinta-Essência” e passaram a viver em habitações fortificadas em Xul, península de Yucatan, no México, em certo lugar conhecido como Refúgio das Águias. As moradias, de portas e janelas à prova de explosivos, interligam-se por via subterrânea através de uma rede de túneis.
            E sabem para quê? Só para resistir ao fim do mundo que, acreditam, será em 21 de dezembro de 2012, conforme pretensa previsão dos maias, feita há dois mil anos. Pesquisando um pouco, soube que existem vários outros grupos, mundo afora, identificados com semelhante crença. Ou eu não bem captei a coisa, ou creem eles que aquele ponto será poupado, isto é, o mundo acabará dali para fora...
            De minha parte, sem desprezo aos seguidores dos maias e outros anunciadores modernos da catástrofe derradeira, e pedindo a benevolência dos profetas bíblicos, acho que o fim do mundo, ou o apocalipse, está em curso. Quando terminará o processo, com o juízo final, como sugere o célebre afresco de Michelangelo Buonarroti, na Capela Sistina, só Deus sabe.
            Mas ninguém duvide, estará mais próximo pela formidável ajuda da espécie humana, pior inimigo do meio ambiente, pela sua predatória e voraz exploração econômica do planeta e pelo esgotamento da natureza e do espaço disponível para a vida como conhecemos.
            Acho assustador que a humanidade, a crer na estatística difundida pela mídia, esteja alcançando a cifra de 7 bilhões de indivíduos, nascendo 432.000 pessoas a cada 24 horas. Só para uma ideia do estrago daqui para frente, pensem não mais do que na quantidade de lixo e excrementos produzidos por cada um dos habitantes.
            Embora pareça ficção, pode-se antever o Planeta num colossal embrulho de plástico, símbolo da poluição pós-moderna, chegando à deterioração das condições de habitabilidade. E muito antes do que se possa ter imaginado. Claro, deve-se levar em conta, ainda, a sucessão de catástrofes naturais, inclusive as provocadas pelas mudanças climáticas. Nos cinco continentes, foram responsáveis pela eliminação de cerca de 300 mil pessoas, só em 2010, segundo divulgado.
            Isso tudo menos assustará se cada um, se cada país começar mesmo a fazer sua parte em favor da Terra, a morada de todos nós e de nossos descendentes.
            Ah, quanto aos fanáticos italianos reclusos na Península de Yucatan, teriam feito melhor se, com eles, tivessem levado o Sílvio Berlusconi.