segunda-feira, 22 de junho de 2009

Praga: o caso da porta - II

Almiro Zago


Longe de qualquer obscura intenção, o texto que escrevo com o título aí de cima vem justificado por certa desconfortável particularidade, devo reconhecer.


Tudo porque ao reler neste blog a crônica - Praga: o caso da porta - assaltou-me a impressão de que seu desfecho mais parecia o final de capítulo de novela televisiva. Ou, melhorando o status, de um conto, que não é.


E, acreditem, não era bem o meu propósito.


Pois, tratando-se de trapalhada verdadeira, havia a considerar um segundo elemento no remate, pelo escriba ignorado, parecendo provocação ao leitor imaginativo.


Afinal, faltou revelar o que se passou com a turista Maria Teresa, depois de ter desejado morrer ao ver-se num corredor do Hotel Panorama, em calcinha e sutiã, sem o cartão para reentrar em seu quarto. Sim, o justíssimo motivo de seu considerável atraso para a partida de nosso grupo, de Praga para Berlim.


Ouso ter esperança de que um ou outro leitor mais solidário comigo se tenha ocupado em fazer conjecturas, colocando, por exemplo, no lugar da distinta e recatada senhora, uma dessas tantas mulheres desinibidas que adoram se exibir.


Claro, em vez de morrer de vergonha, iria lépida e faceira à recepção do hotel, em sua mínima indumentária. E talvez esquecesse a pressa de pedir ajuda. Poderiam ser os seus 15 minutos de glória, não é mesmo?


Ah, gostaria de ver se a coisa acontecesse para uma dessas peruas de shopping. Já pensaram? Não se duvide que o sentimento maior fosse de frustração pela pobreza de enfeites para sua figura...


Mas a nossa turista ítalo-mexicana, quem sabe, pudesse sentir-se menos desolada se soubesse de outras singulares e embaraçosas razões de atraso em situações semelhantes, como a vivida por um casal brasileiro no exterior: a indesejável persistência do efeito Viagra. Essa, me contaram.


Quanto ao vexame de Maria Teresa, viria do Oriente a salvação.


Em aflição extrema, ficou, ela, a andar pra lá e pra cá no corredor, batendo às portas dos quartos de suas amigas e de outras pessoas do seu grupo de viagem. Ninguém ouvia, ninguém atendia.


Porém, de repente, num rasgo de sorte, abriu-se uma porta e duas espantadas japonesas apareceram. Especula-se, até hoje, sobre o idioma falado na comunicação, mas o drama terminaria ali.


Mais tarde, ao curso da viagem, da voz da própria Maria Teresa, psicologicamente recuperada, suas amigas ouviriam os mínimos detalhes do tragicômico sucedido.


E ela, esquecida de autocomiseração, ria-se a imaginar alguém, que a tivesse visto naquele estado, perguntando: - mas o que faz "una vieja loca desnuda", no corredor do hotel?


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P.S:

Uma coisa que me deixa muito contente é ler os simpáticos comentários de amáveis leitores no rodapé de uma ou outra de minhas crônicas. Contente, assim como ficava ao ver um "bom" escrito num trabalho escolar pela professora do primário.


E se falam de "Mínimas Confissões", aí a emoção pega um sujeito que, se já não tem o rosto liso como o guri colegial, abriga esse guri no coração.


Bom, para quem deseja saber de minhas "Mínimas Confissões", vou dizendo que a coletânea pode ser encontrada no site da editora - www.letraevida.com.br - Livrarias do Maneco e Rossi, em Caxias do Sul; Livrarias Cameron, do Bourbon Ipiranga, e Nova Roma, na Rua General Câmara, em Porto Alegre.

domingo, 14 de junho de 2009

Júlia e uma coisa

Camila Canali Doval

Júlia trancou a porta depois de se despedir das amigas. Noite do vinho. Das comidinhas. Das risadas. De algumas lágrimas. Uma vez por mês.

Recolheu os copos. Reorganizou as almofadas sobre o sofá. Passou um pano úmido na mesa. Passou um pano seco por cima. Tentou as almofadas de um jeito diferente. Recolocou-as do jeito que estavam. Encontrou um cigarro da Joana caído perto do encosto. Foi jogá-lo no lixo, mas parou. Segurou-o entre os dedos e levou-o até a boca. Fez que fumava, sorrindo. Fumara quando era adolescente. Nas boates, antes de ter idade para tomar batidinhas.

Deitou no sofá, bagunçando as almofadas. Levantou um pouco o volume do som. Madeleine Peyroux.

He smoked his stogies in bed. Levantou-se para buscar um fósforo. Estirou-se de novo sobre as almofadas. Os olhos fixos no cigarro. De uma mão para a outra. Entre o indicador e o anelar. Entre o polegar e o indicador. I've been lonely before. Acendeu. Tragou. Segurou a fumaça um instante. Balançou a cabeça. Júlia, Júlia. I asked the boy for a few kind words. Soltou a fumaça aos poucos. Fazia tanto tempo. Voltar agora. It was wrong either way. Tão adolescente. Tragou mais fundo do que a primeira vez. Faltava um café. He threw a few of my things around. Soprou a fumaça com força. Viu a brasa vermelha queimando. Um únicocigarro. But I'm all right. Sentou-se melhor. As últimas tragadas. Júlia fumando. Mais uma vez. Outra vez. Um único cigarro. Esquecido no canto do sofá. I'd like to believe that it's easy to leave. Os olhos brilharam no escuro. O aparelho de som piscava luzes ora vermelhas ora verdes. That wherever you are, you're still driving my car. Olhou pela janela. Levantou-se e aproximou-se para enxergar a rua. A última tragada. Abriu o vidro. O barulho atrapalhou a música. Expirou. But tears don't leave any scars. A rua estava lá. Mirou nela. O cigarro foi caindo vermelho. Brasa viva. Brasa ainda. I've been lonely before. Não conseguiu ver onde ele caiu. Apagou na queda. No tempo de cair. Em algum lugar. He sang Christmas songs in bed.