sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Lá não tem céu

Camila Canali Doval


Tudo enterrado. Tudo enfurnado. Tudo se encolhendo e se retorcendo até voltar ao útero. Parece até que não vai caber botar tudo de volta. Parece até que cresceu demais. E põe pra dentro. Empurra. Aperta. Desnascer dói. Dói porque não se está indo em direção ao desconhecido, nem se está deixando o que não serve mais. Desnascer é desistir.

O pior de tudo é não ver mais o céu. É voltar pro escuro. Do escuro se nasce, mas quem garante? Nascer uma vez é o milagre. E um milagre, um verdadeiro milagre, jamais se repete.

Vou caminhando com passos muito lentos. Não tenho pressa, sou toda medo. O medo do que se conhece é muito pior. O medo do que já se viveu é muito pior que qualquer medo, porque já não se tem a mesma força para enfrentar. A força inexplicável que vem da surpresa. Eu não me lembro de querer nascer. Mas desnascer não é o que eu queria agora.

- Então não vai.
- Mas não se escolhe.
- Morrer não se escolhe. Nascer não se escolhe. Desnascer eu acho que se escolhe, sim.
- Será?
- Não sei. Eu acho. A gente tem que poder escolher alguma coisa nesta vida.
- E como eu vou saber? Tá me chamando. E se eu não for? Será que dá pra não ir?
- Não sei. Tenta. Vamos ver se dá. Vamos ver o que acontece.
- Eu não sei de ninguém que tentou.
- Nem eu.
- Então.
- Mas alguém sempre tem que tentar. Ser humano é assim, né. Tenta tudo.
- Eu sei. Mas aí a não desnascer... o que eu vou virar se eu não desnascer? O que vai ser da minha alma? Vai andar retalhada por aí? Vai mendigar? Vai se arrastar até chegar a hora? É capaz da hora nem chegar. É capaz da hora esquecer. E então eu nunca mais vou ser alguma coisa. Vou ser pra sempre o que já foi. O que não voltou a ser. O que não tem forma ou cheiro ou cor. O que ninguém entende. Já imaginou ser pra sempre o que ninguém entende? O que é demais pro discernimento? O que vai além do que existe? Eu não vou conseguir caminhar por aí sendo uma coisa que não é. Não vou. Eu não tenho força. Eu só sei ser, só isso. Não sei não ser. Quem é que sabe? Não sei de ninguém que sobreviveu a não ser.
- Tenta.
- Não dá.
- E vai ficar lá sem sol? Sem estrela? Sem céu? Sem mim? Isso não é tipo não ser? Não dá pra ficar aqui de algum jeito e dar um jeito no jeito que ficar?
- Olhando pra ti parece até que dá.
- Tenta. Não desnasce agora. Não se embrulha toda. Não volta pra lá. Vem. Segura em mim. Fica aqui. Lá não tem céu. Lá não tem eu.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Balanço de Noel

Isabel Cristina CCarvalho
“A vida é eterna”. “Eu sou efêmera”.

Foto: detalhe da nossa árvore de Natal, na chegada do Verão.

Nada como um tempo estático para me sentir uma passageira meteórica de caminhos delineados e não percorridos.


Adoro este tempo de balanços, reflexões, pausas, meditações e euforias entre tantas sensações.

E estou aqui, abraçada aos restolhos felizes, os meio felizes e os e mal resolvidos de 2008, como tábuas de salvação para meu novo ano já iniciar fazendo sentido.

Ando atrasada há uma estação, em quase tudo, quase... Atrasada em planejar metas e objetivos, em dar satisfações, atrasada em pagamentos, em escrever sobre coisas que adoro; atrasada em dar abraços, agradecer, retribuir, em cumprir promessas e muito mais. Curioso é que não me sinto em descompasso com os meus próprios passos e sim com a doce sensação de que me permiti a uma espichada na recente Primavera, mesmo fora dos trilhos ou das flores. Com temperatura de dezessete graus hoje, três de janeiro, meu bairro em Porto Alegre se confunde com o inverno e se nevasse na cidade eu não me surpreenderia.

Mas quero me surpreender, e muito, com coisas novas, inesperadas e nada previsíveis.

Em julho citei num texto que segundo o calendário Maia só temos a chance de fazer renascer as energias do período de nosso nascimento aos cinquenta e dois anos, portanto devo estar exatamente experimentando este período, renovando rumos. Ainda tenho um semestre pela frente até os cinquenta e três para promover mudanças significativas em meus horizontes e não será fácil fazer escolhas. Mas estou emocionada pela idéia de viver intensamente 2009.

O ano de 2008 pareceu-me difícil. Em várias situações ora ele era escada, ora era o muro em pessoa, mas confesso que foi uma das mais bonitas travessias de minha vida.

Tive reencontros com instantes que já estavam se tornando nostálgicos e também com momentos sublimes e desafiadores.

No saldo do balanço apareceu o que merecia acontecer e agora desejo conviver amistosamente com os resultados, reproduzi-los, transformá-los e continuar no novo ano com mais sonhos, rebeldias e esperanças.

Agora é tempo de Reis Magos. Se eu pudesse presentear as pessoas que me rodeiam ao invés de ouro, incenso ou mirra, eu presentearia sim, de uma maneira bem-humorada com muito tesouro, muito senso e muita briga. Desejaria também, de uma forma poética, “Delicadeza” para anoitecerem em paz; “Paz” para atravessarem noites serenas e “Energia” para fazerem de cada dia uma conquista. E, como passageira meteórica, desejo a todos Feliz 2009 e muitas surpresas ao longo dos caminhos delineados e não percorridos.