sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Laço de Luto

Domingo à tardinha recebi a notícia que estamparia as capas dos jornais na manhã de segunda-feira, a morte trágica do menino de Antônio Prado, que havia perdido o irmão gêmeo em uma outra tragédia há alguns anos. Todos somos da mesma cidade, estudamos na mesma escola (eu, muito antes deles), a que teve o teto levado a baixo por um tornado em dezembro de 2003 e vitimou um dos meninos, Augusto. Agora, um acidente de carro, provocado por um motorista bêbado, tira a vida do outro, Guilherme. Eu não os conhecia, mas lembro muito bem da mãe deles, seu rosto e seus cabelos compridos, nem sei se ainda estão assim, os cabelos, já o rosto, tenho certeza, a dor e a tristeza devem estar registradas nele.

É difícil entender por que nossos dias estão se transformando em verdadeiras batalhas, quem sabe passemos a receber treinamento de sobrevivência em guerras, pois estamos cercados de homens bomba e de atentados suicidas, às segundas-feiras somos acordados com as manchetes contendo os números de mortos pela violência no trânsito, pelo número de assassinatos e de assaltos ocorridos no final-de-semana, muitas destas mortes são causadas por bandidos, mas outras são causadas por pessoas “de bem”, que foram imprudentes. As pessoas estão se deseducando, deixando que o excesso de autoconfiança somado com a necessidade de sentir-se poderosos se sobreponham à dura realidade, a de que podem matar ou ser mortos.

Não há o que explique ou justifique tudo isso, não há como consolar, como aceitar ou como imaginar que o mundo continue assim, porém, o quê fazer?

Na noite de domingo, fiz uma coisa que há muito tempo não fazia, rezei por aquela mãe.

De como escrever três crônicas sobre o mesmo assunto

Walter Galvani


Como dizia o imenso Carlos Drummond de Andrade, “lutar com as palavras é luta vã, no entanto lutamos, mal rompe a manhã...”

E quando a luta extrapola o campo das palavras, sob o ponto de vista digamos “mecânico” da comunicação, sem que possamos interferir no funcionamento da máquina que a nós se sobrepõe?

Pois é...

Isso é para contar aos eventuais leitores e aos membros da confraria que nos une, “Mecânicos da Palavra”, como enfrentei uma luta árdua neste último fim-de-semana.

Começo por dizer que fiquei muito satisfeito ao ver que os jornais alemães haviam comentado sobre “a câmera frenética” e a “montagem epiléptica” do filme “Tropa de Elite”, características que me desagradam. Aproveitei para registrar também o que a revista “Variety” disse classificando o filme brasileiro como violento, pró-fascista. Sou do tempo do velho cinema de valores pessoais, quando o mergulho nos personagens é que valia a pena, e de uma boa história, com significado e importância. Sim, sou do tempo do Neo-Realismo Italiano, dos “Cahiers du Cinema”, e do próprio cinema americano de John Ford, Michael Curtiz e outros. Aproveitei então para dizer isso, em minha crônica, e citar filmes como “Casablanca”, “No tempo das diligências” ou o moderníssimo “Desejo e Reparação” (“Atonement” no original inglês, que quer dizer “Expiação”, o que é muito mais pesado e profundo do que o simples “Reparação”) e por aí andei.

Com a crônica pronta, enviei-a ao jornal ABC DOMINGO, na quinta-feira à noite, para publicação no domingo, seguindo os prazos determinados pela chefia de redação.

Estes são os males de que sofre quem tem que antecipar um trabalho...

Pois não é que o “Tropa de Elite” ganhou, no fim da tarde de sábado, o “Urso de Ouro” do Festival de Berlim, como “melhor filme”? Todas as indicações apontavam-no como “o azarão”. Pois, “o azarão” ganhou...

Isso não mudou o meu pensamento. Continuo a considerar o filme violento, instrumento de propaganda da ação fascista da polícia e dos mais baixos instintos, adormecidos no subconsciente da platéia que despertam para o aplauso e gritos de “bravo” ou exclamações de baixo calão, quando aparecem na tela os justiçamentos e execuções. Embora tecnicamente bem feito.

Eu não reproduziria a ocupação de tempo da minha vida assistindo outra vez tal película. Mas, claro que não represento a maioria da população brasileira. É justamente o contrário...

Com a premiação, redigi nova abertura para a crônica e enviei ao anoitecer de sábado, uma segunda versão para o jornal ABC DOMINGO. Falando tudo o que falava na primeira crônica, e acentuando minha crítica e dizendo que o filme ganhara o “Urso de Ouro”, prêmio que o Brasil havia alcançado antes, há 10 anos, com “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr.

Quase no limite do “fechamento” da redação, enviei uma terceira versão em que atenuava a minha raiva para com os membros do júri do Festival de Berlim, em atenção ao presidente Costa Gravas e para ser justo, mas naturalmente não mudei um milímetro da minha posição ideológica com relação ao filme “Tropa de Elite”.

Aliás, confirmo aqui: continuo com as mesmas posições. Reconheço que o cinema brasileiro, como um todo, receberá um influxo de propaganda positivo, pois não é por um filme ser ruim que se descrê de toda uma atividade. Se fosse assim, o que se pensaria do cinema americano que se caracteriza cada vez mais por espetaculares porcarias?

Ultrapassado o episódio quis contar as vicissitudes de um cronista. Estamos no mesmo barco, “mecânicos da palavra” e, muitas vezes, já enfrentamos dificuldades como esta e na certa enfrentaremos no futuro.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A Metáfora da Mala

Camila Canali Doval

Desci do ônibus com a minha malinha e saí caminhando no meio de todo aquele movimento do dia começando. Andei bem abraçada com ela e a bolsa e o casaco, me protegendo do frio, do movimento e do dia. Todos os carros do mundo passando e eu pensando o que será que eles pensam de mim e da minha malinha. Será que eles conseguem distinguir uma da outra? Será que eles entendem a diferença? Será que eles entendem que é ela quem está sempre pronta para partir e não eu?

A minha mala está cheia de coisas necessárias e confusas. Quando eu a arrumo, parece leve. Quando desço do ônibus, ela está pesada. Difícil de carregar. É o mesmo volume. São as mesmas coisas necessárias e confusas. Ela continua pronta para partir. Mas o peso é bem diferente.



Eu desarrumo tudo. Sempre. Nada se mantém organizado ao meu redor ou dentro da minha mala. Onde eu e a minha mala chegamos, o caos se instala. Somos pesadas, nós duas. E cheias. E confusas. Estamos sempre prontas para partir.

Mas não queremos, e isso é o que nos faz mala. Isso é o que nos torna confundíveis e incarregáveis. Isso é o que faz da nossa vida um inferno! Ter que viver prontas para partir, sem nem saber para onde, nem quando, nem como. Só sabemos que partiremos. Nós e nossas coisas necessárias e confusas, das quais não conseguimos nos desvencilhar. Por mais que pesem. Por mais que incomodem todo mundo. Por mais que atravanquem os caminhos. É um tal de jogar o necessário lá dentro pra caso a hora chegue de repente, e fica tudo assim confuso, tudo o que quero levar comigo, tudo o que não quero perder nem esquecer, tudo o que não quero nunca, jamais, sob hipótese alguma deixar para trás. A mala sabe, mas eu não entendo. Por isso ando agarrada nela. Por isso abraço-a bem forte contra o vento. Por isso nos confundem pela rua. Eu não posso partir sem levá-la comigo.

Não posso.