terça-feira, 23 de março de 2010

Verão, o que resta para contar:


Senhor, senhor...

 Almiro Zago

Na praia, a gente vai ao supermercado quando precisa,  ainda que seja ao final de uma tarde de fevereiro, quente como a sala de espera do  inferno.   Ar condicionado, talvez até  houvesse, mas  não soprava em direção favorável.

Cestinho na mão direita, com uns poucos itens de compras, entrei na fila menos longa. Claro, fiquei no último lugar. Na  frente,  umas sete ou oito pessoas de ambos os sexos - se é que ainda se pode usar a expressão -  e de diversas idades,   não conferidas, esclareço.

Se esperar era preciso, procurei conformação no pensamento singrando o mar de Canasvieiras, ali vizinho, amenizando a suada realidade ambiente. Pois nesse etéreo  estado, aos meus ouvidos chegou o que parecia ser uma  pregadora fanática: "Senhor, senhor..."

Certo burburinho na fila religou-me à realidade.  De  novo, lá na frente, a voz de mulher: "Senhor, senhor..."

E todos à  volta na ânsia de que aparecesse  a incógnita figura. Ninguém se acusava. 

Notei, então,  as pessoas da fileira,  de diante para trás,  à procura do "senhor";  um a um, os olhares foram fixando-se... na minha cara.

Incansável,  a moça ainda chamava:  "Senhor, senhor..."

Por um vigésimo de instante, acreditei que o autor de "Mínimas Confissões" tivesse sido identificado e ela quisesse um autógrafo.

Ao contrário, cívico era seu propósito: fazer valer a "caixa de atendimento prioritário". Se deficientes físicos não havia, nem grávidas, nem mães com crianças de colo,  bem visíveis apareciam meus  67 anos, um mês e alguns dias.

Embora não vivamos aos beijinhos e afagos, tenho andado de bem com minha realidade corpórea, mas a vaidade atrás da orelha percebeu que ninguém teve a mínima dúvida de que  o idoso   fosse eu. Também não se  ouviu  coisas do tipo "nem parece; não aparenta a idade que tem."

Apenas o amável argentino, que me precedia,  apresentou-me a  todos:

- É o tio aqui.

- Não, não, é "nonno" mesmo, respondi-lhe. (Queria dizer "abuelo") 

E a moça sorridente, agora olhando-me nos olhos:

Senhor,  passe aqui pra frente...

Vi a fila encolher-se em meia-lua, e na mira de curiosos olhares   vivi meus 5 segundos de fama  rumo ao balcãozinho da caixa.

Ao final, senti-me encantado, pois raras vezes na minha vida  alguém tanto empenhou-se para garantir-me um direito como essa funcionária do supermercado.*

Agora, se os meus leitores desejarem deliciar-se com magistral crônica com tema semelhante, recomendo "Um idoso na fila do Detran", de Zuenir Ventura. Eu a li "Nas cem melhores crônicas brasileiras", antologia organizada por Joaquim Ferreira dos Santos, Objetiva, pág. 265.

Fica combinado: nada de comparações.

                                             *  *  *  * *

*Supermercado Imperatriz, de Canasvieiras, Florianópolis