quarta-feira, 12 de junho de 2013

A encantadora de sabiás

Almiro Zago

O que de excepcionalmente belo poderia oferecer uma fria manhã de junho?

Por certo, a proposição não espera resposta única, considerando-se a diversidade de interesses, de sensibilidade e de gostos, o imaginário de cada um, as expectativas etc. etc.

Mas esse tema nem me passava pela cabeça, quando o inesperado, o quase inimaginável me aconteceu no meu percurso de ida e volta de caminhada, no acesso leste ao Parque Moinhos.

Pois o sol das dez ia quebrando a friagem da manhã daquele quatro de junho. E a figura ajoelhada, logo na entrada do jardim do seu prédio, foi prendendo minha indiscreta atenção e atiçando a inescondível curiosidade.

O que lhe teria acontecido? Fora vítima de mal súbito? Quedara-se em oração?

Ou a feminina figura derramava-se em carinhos sobre seu cãozinho?

Fui encurtando o passo, e logo me vi estancado junto ao gradil com suspeita de hipnose. É que aos meus olhos abriu-se inesquecível imagem.

Era bípede o objeto de atenção da mulher.
Era ave.
Livre, como passarinho que era, pousada numa laje no gramado, vi uma linda sabiá-laranjeira!

O inusitado: sobre o dorso da sabiá, suave e afetuosamente, deslizava a mão direita da mulher. E a sabiá, podendo escapulir-se, permanecia quieta, recebendo os agrados.

Estava gostando, sim, dava pra ver, pois de cabecinha erguida, bico aberto, talvez até quisesse agradecer...

Guardei-me em silêncio, enquanto pude claro, para não quebrar o encanto, emocionando-me com o fato, tão belo quanto estranho.

Surpresa não haveria fosse pássaro de gaiola, ou preso pelas mãos. Mas a sabiá, sobre suas perninhas finas, de modelo, ali, quietinha, livre, pois nada a prendia.

Quebrada minha resistência, deixei escapar algumas palavras. E a mulher, sempre acariciando as costinhas da ave:
“Estou passando muita energia pra ela. É uma fêmea, bateu numa vidraça, há pouco.”

E o macho, esvoaçando por perto.

Nem sei bem quanto tempo teria durado a cena, quem sabe, dois, três minutos.

Entretanto, chegado o momento da partida, a sabiá, como quem sai de casa, sem aparentar fuga, num leve salto foi da laje à grama; em seguida, alçou vou ao encontro de seu companheiro, na palmeira próxima.

E chegando a este ponto, dou-me conta de que — pássaros — é o tema desta crônica e da anterior, e lá escrevi: por ter perdido a vizinhança do João-de-barro e sua Joana, só me restava esperar pelos ares de primavera e, com eles, os sabiás madrugadores. Os sabiás cantores.

Pois agora, um tanto intrigado, pergunto se esse tocante caso da sabiá — gratíssima surpresa em meu caminho — seria mera coincidência ou intervenção mágica da espécie Turdus rufiventris para me confortar?
                                                           
***

Nota: “Turdus rufiventris”: nome científico do sabiá-laranjeira.

7.06.2013