Almiro Zago
Pois
2011 está terminando e eu nem sei por onde terá ele andado. Sei bem dos invasores resquícios do inverno
que estiveram a gelar a primavera. Há pouco admiramos os ipês floridos, depois os
jacarandás e as buganvílias, as tipuanas, e, agora, florescem os flamboaiãs;
mas os sabiás e todo o passaredo silenciaram as madrugadas.
E
foi assim nos outros anos e tudo parece tão recente, de ontem. Nem sou original
ao dizê-lo. Agora, 2012, o ano dois da
segunda década deste século, está a bater em nossa porta, e quando nos dermos
conta já terá entrado e saído.
Aflige-me
a sensação das tantas coisas por fazer e das muitas que nunca farei, enquanto
as festas de Natal e de ano-novo com seus doces apelos e os apelos consumistas
vão espalhando reboliço, pressa e estresse por toda parte.
Ainda
bem que existem as crianças, e com elas convivendo posso deixar do lado de fora
as chatices da época, alegrar, renovar e enternecer a vida. Claro, haja preparo
físico para a jornada.
Logo,
as festanças terão passado, mas com direito a reprise em doze meses, como se
tudo tivesse volta. Mas o escoar do tempo biológico, do tempo físico, nos deixa
sem escape para a hora da verdade que ele nos inflige sem discrição, sem pena
nem consideração. Certamente como tributo pelo simples viver e, talvez, pelas
coisas boas que a vida nos deu. Sem desconto pelas dores, sofrimentos, injustiças
e tristezas padecidos.
“El
tiempo pasa/Nos vamos poniendo viejos/Yo el amor No lo reflejo como ayer” — cantava Mercedes Sosa.
Eu
ouvia, mas nada a ver comigo...
Li
o Soneto de Ronsard*, através da
paráfrase de Manuel Bandeira, e pensei que era assunto daquela “senhora”,
personagem da poesia.
Dia
desses, lembrei-me dele. E o reli. Desenxavido, percebi que, sim, era comigo também.
Desconcertante
ver como puderam os poetas falar da ação do tempo na vida humana com tanta
dureza, em cruéis versos rimados, vindos do século XVI.
Vejam:
“Foi
para vós que ontem colhi, senhora,
este
ramo de flores que ora envio.
Não
no houvesse colhido e o vento e o frio
Tê-las-iam
crestado antes da autora.
Meditai
nesse exemplo, que se agora
Não
sei mais do que o vosso outro macio
Rosto
nem boca de melhor feitio.
A
tudo a idade afeia sem demora
Senhora,
o tempo foge... o tempo foge....
Com
pouco morreremos e amanhã
Já
não seremos o que somos hoje...
Por
que é que vosso coração hesita?
O
tempo foge.... A vida é breve e é vã...
Por
isso, amai-me... enquanto sois bonita.”
Ocorreu-me,
e todos sabem, que o bisturi, o botox e assemelhados ajudam a amenizar a
topografia da pele. Porém, para um razoável acordo de convivência com a
inexorabilidade do tempo, o melhor remédio, por certo, levaria fortes poções
de amor, amizade e alegria,
solidariedade e compreensão, ingredientes em vias de escassez.
Quem
sabe, neste Natal, peçamos esses bens imateriais ao Aniversariante, que mais dá
do que recebe presentes.
5.12.2011
*Tradução
livre do Soneto de Ronsard, poeta francês do século XVI, por Manuel Bandeira.
Um comentário:
Belíssima crônica, parabéns!! :)
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