sábado, 8 de outubro de 2011

Seriam os sabiás seres mitológicos?


Almiro Zago
                                                                                                                                                                                         

Quando em tempo de primavera, volto pra casa depois de curtas ou longas ausências, um dos meus primeiros desejos é escutar os sabiás madrugadores, aqui, em plena cidade grande de Porto Alegre. Não, palmeiras por perto nem há, como na Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Mas, entre os arvoredos das ruas e do parque, despontam tipuanas grandiosas e, de seus ramos, os sabiás — em solos, duetos, trios, sextetos e, quando não, em grande coral improvisado — inundam a atmosfera com seu canto belo e enternecedor. Os sabiás não me acordam, mas, nas madrugadas, a cumplicidade do meu subconsciente dispara um despertador para que possa ouvi-los. E se a insônia se instala, fazem os pássaros um fundo musical para os meus pensamentos divagantes.

Dizem que é através de seus cantares, como fossem Eros, deus do amor, que os sabiás encontram suas amadas.  Consumada a conquista e iniciada a vida a dois — deve ser isso — os cantores silenciam nos estertores da estação primaveril.

Pois, então, os sabiás cantam por amor, como de amor foi o beijo de Eros a reanimar Psiquê, uma das três Graças, divindades da beleza, na mitologia grega, que moram no monte Olimpo, na companhia das Musas, com as quais, às vezes, formam coros. E fazem parte do séquito de Apolo, o deus músico. 

Seriam os sabiás seres mitológicos perdidos mundo afora?

Ao que se sabe, esses pássaros amorosos ainda estão a esperar homenagem em bronze ou pedra, mas Eros e Psiquê, há tempo, foram imortalizados pelo cinzel mágico do grande escultor neoclássico, Antônio Canova (1757-1822), italiano do Vêneto.
Quem for ao Museu do Louvre, em Paris, terá a chance de encantar-se diante do conjunto em mármore branco, que pertence às alegorias mitológicas da produção canoviana.

Conta-se que Psiquê, vítima de um embuste com o qual Eros, também chamado de Amor e Cupido, estava implicado, abriu uma caixa e, em vez de encontrar a beleza divina, deparou-se com o infernal e verdadeiro sono estígio que dela se apossou e a fez cair no meio do caminho, como um cadáver, sem sentidos e movimentos. E a escultura representa o arrependido Eros no momento em que, ainda com as asas levantadas, chega para reanimar Psiquê com seu beijo.   

Em mármore branco, de superfície polida, torneada com apurado esmero, forma, segundo os entendidos, uma obra de extraordinária articulação. Esculpindo Amor e Psiquê com tanta delicadeza e elegância, Canova revelou grande paixão, como já o fizera em as Três Graças, integrante do acervo do Museu Hermitage, em São Petersburgo.

Isso explica a razão da verdadeira romaria de admiradores de sua obra no Louvre, mesmo na vizinhança de Michelangelo.


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