Almiro Zago
Quando
em tempo de primavera, volto pra casa depois de curtas ou longas ausências, um
dos meus primeiros desejos é escutar os sabiás madrugadores, aqui, em plena
cidade grande de Porto Alegre. Não, palmeiras por perto nem há, como na Canção
do Exílio de Gonçalves Dias. Mas, entre os arvoredos das ruas e do parque,
despontam tipuanas grandiosas e, de seus ramos, os sabiás — em solos, duetos,
trios, sextetos e, quando não, em grande coral improvisado — inundam a
atmosfera com seu canto belo e enternecedor. Os sabiás não me acordam, mas, nas
madrugadas, a cumplicidade do meu subconsciente dispara um despertador para que
possa ouvi-los. E se a insônia se instala, fazem os pássaros um fundo musical
para os meus pensamentos divagantes.
Dizem
que é através de seus cantares, como fossem Eros, deus do amor, que os sabiás
encontram suas amadas. Consumada a conquista
e iniciada a vida a dois — deve ser isso — os cantores silenciam nos estertores
da estação primaveril.
Pois,
então, os sabiás cantam por amor, como de amor foi o beijo de Eros a reanimar Psiquê,
uma das três Graças, divindades da beleza, na mitologia grega, que moram no
monte Olimpo, na companhia das Musas, com as quais, às vezes, formam coros. E
fazem parte do séquito de Apolo, o deus músico.
Seriam
os sabiás seres mitológicos perdidos mundo afora?
Ao
que se sabe, esses pássaros amorosos ainda estão a esperar homenagem em bronze
ou pedra, mas Eros e Psiquê, há tempo, foram imortalizados pelo cinzel mágico
do grande escultor neoclássico, Antônio Canova (1757-1822), italiano do Vêneto.
Quem
for ao Museu do Louvre, em Paris, terá a chance de encantar-se diante do
conjunto em mármore branco, que pertence às alegorias mitológicas da produção
canoviana.
Conta-se
que Psiquê, vítima de um embuste com o qual Eros, também chamado de Amor e
Cupido, estava implicado, abriu uma caixa e, em vez de encontrar a beleza
divina, deparou-se com o infernal e verdadeiro sono estígio que dela se apossou
e a fez cair no meio do caminho, como um cadáver, sem sentidos e movimentos. E
a escultura representa o arrependido Eros no momento em que, ainda com as asas
levantadas, chega para reanimar Psiquê com seu beijo.
Em
mármore branco, de superfície polida, torneada com apurado esmero, forma,
segundo os entendidos, uma obra de extraordinária articulação. Esculpindo Amor
e Psiquê com tanta delicadeza e elegância, Canova revelou grande paixão, como
já o fizera em as Três Graças, integrante do acervo do Museu Hermitage, em São
Petersburgo.
Isso
explica a razão da verdadeira romaria de admiradores de sua obra no Louvre,
mesmo na vizinhança de Michelangelo.
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