Almiro Zago
I - Paixão à primeira vista:
Na bonita tarde de domingo, faceiros íamos, o Leo e eu, à quermesse, uma festa de igreja no bairro. Mas esclareço: outro era o verdadeiro nome dele. Nas conversas, entrava de tudo, inclusive e especialmente a ideia de arranjar namorada; afinal, aos 16 anos, como não conversar sobre isso?
Nem bem chegamos, e o Leo, sem esconder o entusiasmo, foi apontando certa guria de um grupinho, revelando-se caído por ela.
- Qual, mesmo? A comprida e magra, mais alta do que tu?
- É...
Claro, havia falado meio brincando, sem referências à beleza ou feiura da moça que, aliás, tinha um porte bem do estilo das modelos de hoje em dia.
Aconteceu que ele ficou magoado, e eu custei a perceber a extensão do significado da sua lacônica confirmação.
Da festa, nada de interessante ficou para recordar. Porém, passadas umas duas semanas, encontrei o meu amigo de mãos dadas com a "comprida e magra", agora, sua namorada.
Pois não é que ele nem olhou pra mim?! Bem, depois daquela minha insensível franqueza, logo nos instantes em que ele provava a paixão à primeira vista, chateado é que eu não poderia ficar.
A despeito disso, ficaria tudo igual entre nós, sem que me tivesse retratado do infeliz comentário por nunca ter aparecido um momento favorável. É verdade, porém, que pouco nos víamos.
Mas nossa amizade vinha lá dos nove ou dez anos, quando o Leo, dono de uma bola de número 3, organizava um timezinho de futebol. Embora não pertencesse ao seu grupo, era sempre convidado para reforçar sua equipe nas partidas mais importantes. Foi esse o período em que vivi dias de glória como goleiro, lá pelo final da infância a caminho da minha adolescência.
Já o Leo, desde cedo, perseguia um sonho: tornar-se mecânico de aviões. Tanto se preparou para isso que, chegando à maioridade, foi admitido a trabalhar nas oficinas da Varig, em Porto Alegre.
Sim, casou-se com a moça magra e alta, e com ela foi viver na Capital.
Dali para frente, nem me lembro se foram dois ou três anos, mas o certo é que não mais os veria com vida, pois a morte os arrebatou num acidente de carro em viagem a Caxias do Sul.
Nunca antes vira um casal sendo velado, coisa, para mim, inimaginável.
A patética cena, a meus olhos, significava o final de uma história de amor, da qual fora eu testemunha de seu nascimento.
Pena que tenha faltado com a cumplicidade de amigo.
Era o Jairo* um apaixonado por música e filmes mexicanos. Isso, numa época em que os cinemas brasileiros fartavam-se na exibição de películas com a marca Pelmex. O moço, por exemplo, além de conhecer o repertório do, então, famoso Miguel Aceves Mejía, cantava e assobiava as canções que o rádio tocava.
Seguidamente, mas não apenas nessas ocasiões, nos encontrávamos na volta para casa; eu, da escola noturna; ele, do cinema. E no caminho, contava em detalhes a história do filme mexicano que havia assistido; falava dos atores e, invariavelmente, confessava-se atraído pela atriz principal.
Haveria de conhecer o México, - repetia com viva esperança. E sonhos nunca faltam a quem, como ele, beirava os 17 anos, dois a mais do que eu.
Vencendo nosso percurso, em dado ponto nos separávamos: o Jairo pegava um atalho, ladeando uma casa nova, de arquitetura tirolesa, ou com essa intenção construída.
Fosse durante o dia, quem por ali passasse teria a seu alcance a isolada moradia de janelas abertas e, às vezes, com sua dona debruçada numa delas. Nunca a vira de perto, porém seria uma viúva, o que, para a minha pouca idade, significava mulher velha.
Mas aconteceu que o Jairo deixou de aparecer por uma semana, duas, três...
Teria ido ao México, sem nada me dizer?
Por ele, a outro amigo, perguntei.
- O Jairo? Tu não vais acreditar; ele foi embora com a viúva da casa tirolesa...
- Com uma velha?
- Não, não, é uma viuvinha nova.
Se os fugitivos foram felizes para sempre?
Como saber?
Do meu amigo, nada mais soube.
Mas pode dar-se que, debaixo de um "sombrero", esteja ele com sua viuvinha curtindo as praias de brancas areias em Acapulco.
*Nome fictício.
3 comentários:
Dois episódios, duas histórias de amor, registradas pela beleza da sua escrita, prezado amigo Almiro Zago. Parabéns!! O primeiro caso, um triste fim, pois a morte chegou cedo para o casal; do segundo, uma esperança para seu final, talvez, estejam juntos nas praias de Acapulco..hehe!! Parabéns, mais uma vez, pois tem a sensibilidade de um cativante escritor. Um ótimo final de semana a você e a toda sua família, abraço fraterno :)
Que histórias muito,mas muito bem contadas.Realmente,o Sr é um escritor de grande talento.
Lúcio Carvalho Cesti
Suas crônicas deste blog ,bem como seu livro Mínimas Confissões, nos proporcionam leituras muito prazerosas
Rosana Cursino.
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