Almiro Zago
Na memória, posso ainda me ver no barco que suavemente deslizava para o atracadouro da cidade, da qual nem sabia o nome. Recordo-me do casario antigo de madeira, ao fundo, como se fosse a norueguesa Bergen. E, todavia, os poucos passageiros a bordo falavam espanhol.
No pequeno cais, grupinhos de pessoas aguardavam os viajantes. Justo na minha direção, no caminho de quem chegava, sentadas num banco, duas mulheres animadamente conversavam. E de pé, pertinho delas, quase de perfil, de cabelos negros que mal lhe cobriam o pescoço, sobressaía certa mulher, de meia-idade, diria. Pateticamente, destoava pelo seu modo de vestir, bem fora de época, embora preservasse porte elegante. Acreditaria se tivesse saído de um filme dos anos 30, do século passado.
E, para meu espanto, me observava, acompanhando-me com o olhar, sem sequer um esboço de sorriso nos lábios, enquanto eu cuidava de desembarcar. Reconheço, a esquisita situação deixou-me desconcertado.
Ela estava à minha espera, claro, mas por quê?
Finalmente, pisei em terra firme; e a estranha figura voltou-me as costas, afastando-se devagarzinho. E no calculado lento caminhar, de sua mão direita deixou cair um lencinho azul. Sabe, aquele gesto fingidamente casual de certas personagens de antigos romances, para dar chance a que o homem o apanhe, como pretexto para a abordagem ao entregá-lo a sua dona.
— Olhe... é para o senhor, o lencinho, disse-me, em espanhol, uma daquelas mulheres conversadeiras.
Embora quisesse ignorar aquilo tudo, reuni firmeza e, no mesmo idioma, me saiu:
— Soy un hombre casado, señora, tengo hijos e una linda mujer.
— Ah... que romântico.
E ao erguer o olhar, seguindo em frente, quedei-me atônito diante do cais vazio.
Pois, aí, sobreveio a nebulosa passagem entre o sonho e a realidade, onde me encontrei na vã tentativa de decifrar o enigma.
Pelo menos, ao final, uma certeza ficou: fiz bonito lá em casa.