segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Crônica para vidas breves



 Almiro Zago

Nunca antes na História estiveram os seres humanos diante de maior expectativa de vida do que neste século, inclusive e especialmente nós brasileiros.
                
Mas (ah, esse mas...), paradoxalmente, também nunca antes em nosso País, e talvez pelo mundo afora, guerras à parte, a vida tenha valido tão pouco, como pouco valendo está no contexto duma cada vez mais vasta faixa populacional de índole criminosa com assustadora gama de matizes. Matam por nada, matam por pouco, matam por muito, matam com frieza, crueldade e revoltante indiferença pela vida alheia.

E os órgãos estatais e suas insuficientes estruturas vão ao difícil enfrentamento munidos com o Direito Penal moderno. Já no meu íntimo, nos momentos de incontida indignação com a barbárie, bate a ideia de que o Código de Hamurábi, rei da Suméria, aquele do “olho por olho, dente por dente”, também não bastaria para dissuasão desses criminosos com um pé na fronteira da civilização e, outro, na Idade da Pedra Lascada.

Pois ainda que vivamos nesse clima apreensivo, mostram as estatísticas oficiais a auspiciosa     expansão da expectativa de vida do brasileiro, tendo ganho um acréscimo de 25,4 anos, entre 1960 e 2010. E com tendência crescente.

Agora, mesmo diante desses dados positivos, sinto assomar à mente esta dura e triste reflexão sobre o que a realidade, diariamente, nos joga na cara: a perspectiva de longevidade sendo roubada de muitos brasileiros por obra de mãos assassinas. 

E, dizem os registros, grande parte dessas vítimas nem bem chegaram a viver o começo da primeira juventude.

Depois, de frustrada esperança de vida e de longa vida, chegamos aos tantos e tantos de nossos irmãos que têm encontrado a morte entre destroços retorcidos de veículos de todos os tipos, ao longo de estradas ou em ruas e avenidas das cidades.

Ao amanhecer das segundas-feiras ou ao final dos feriadões, o noticiário de rádio, que ouço, mais parece produzido por correspondentes de guerra, tamanha a mortandade por conta de acidentes de circulação.

A causa? Negligência ou imprudência ou imperícia ao volante, frequentemente em associação com a ausência de juízo de muitos motoristas, aqueles que tolhem a vida de pessoas que nada têm a ver com suas loucuras, particularmente crianças.

E, ironicamente, logo no tempo de um livro chamado “Carta a um menino que viverá 100 anos”. Seu autor, o geneticista italiano Edoardo Boncinelli, escreve com muito conhecimento sobre a ciência moderna e as implicações dos novos experimentos sobre a vida artificial e às mais recentes descobertas da genética, onde se inclui o rejuvenescimento de partes do corpo, a cura de doenças tidas como letais, tudo levando à longevidade humana. 

Receio nem conseguir imaginar a dor dos afetos — pais, avós, irmãos das crianças e jovens levados à morte pela violência de criminosos ou do trânsito — se acaso chegar a “Carta a um menino que viverá 100 anos”, sem jamais encontrar o destinatário.  

Contudo, contrariando o poeta*, viver é preciso.                            
                                                    
  ***

*Fernando Pessoa