Almiro Zago
O que de excepcionalmente belo
poderia oferecer uma fria manhã de junho?
Por certo, a proposição não
espera resposta única, considerando-se a diversidade de interesses, de
sensibilidade e de gostos, o imaginário de cada um, as expectativas etc. etc.
Mas esse tema nem me passava pela
cabeça, quando o inesperado, o quase inimaginável me aconteceu no meu percurso
de ida e volta de caminhada, no acesso leste ao Parque Moinhos.
Pois o sol das dez ia quebrando a
friagem da manhã daquele quatro de junho. E a figura ajoelhada, logo na entrada
do jardim do seu prédio, foi prendendo minha indiscreta atenção e atiçando a inescondível
curiosidade.
O que lhe teria acontecido? Fora
vítima de mal súbito? Quedara-se em oração?
Ou a feminina figura derramava-se
em carinhos sobre seu cãozinho?
Fui encurtando o passo, e logo me
vi estancado junto ao gradil com suspeita de hipnose. É que aos meus olhos
abriu-se inesquecível imagem.
Era bípede o objeto de atenção da
mulher.
Era ave.
Livre, como passarinho que era, pousada
numa laje no gramado, vi uma linda sabiá-laranjeira!
O inusitado: sobre o dorso da sabiá, suave e afetuosamente, deslizava a mão direita da mulher. E a sabiá, podendo
escapulir-se, permanecia quieta, recebendo os agrados.
Estava gostando, sim, dava pra
ver, pois de cabecinha erguida, bico aberto, talvez até quisesse agradecer...
Guardei-me em silêncio, enquanto pude
claro, para não quebrar o encanto, emocionando-me com o fato, tão belo quanto estranho.
Surpresa não haveria fosse
pássaro de gaiola, ou preso pelas mãos. Mas a sabiá, sobre suas perninhas finas,
de modelo, ali, quietinha, livre, pois nada a prendia.
Quebrada minha resistência, deixei
escapar algumas palavras. E a mulher, sempre acariciando as costinhas da ave:
“Estou passando muita energia pra
ela. É uma fêmea, bateu numa vidraça, há pouco.”
E o macho, esvoaçando por perto.
Nem sei bem quanto tempo teria
durado a cena, quem sabe, dois, três minutos.
Entretanto, chegado o momento da
partida, a sabiá, como quem sai de casa, sem aparentar fuga, num leve salto foi
da laje à grama; em seguida, alçou vou ao encontro de seu companheiro, na
palmeira próxima.
E chegando a este ponto, dou-me
conta de que — pássaros — é o tema desta crônica e da anterior, e lá escrevi: por
ter perdido a vizinhança do João-de-barro e sua Joana, só me restava esperar
pelos ares de primavera e, com eles, os sabiás madrugadores. Os sabiás
cantores.
Pois agora, um tanto intrigado,
pergunto se esse tocante caso da sabiá — gratíssima surpresa em meu caminho —
seria mera coincidência ou intervenção mágica da espécie Turdus rufiventris
para me confortar?
***
Nota:
“Turdus rufiventris”: nome científico do sabiá-laranjeira.
7.06.2013