segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Arrivederci, meu cálice de vinho

Almiro Zago



Estive em dúvida se deveria invocar a proteção de Dionísio, o deus grego, ou Baco, dos romanos, para confortar-me nesses tempos de injusta limitação à liberdade e ao conforto de degustar meu vinho. Acabei pedindo os favores de ambas as divindades mitológicas diante da carência de elementos definitivos de que se trate de um só deus com diferentes nomes.

É que esses tem sido dias de provação com alternância de momentos que transitam da ligeira angústia e nostalgia à uma certa indignação.

Vejam, precisei viver muitos anos, a maior parte deles com a amável companhia de tintos, brancos e até rosados vinhos, para sentir a humilhação de ser considerado um perigo para a sociedade ao dirigir automóvel depois de um almoço com uma solitária taça de vinho. Pior, veio uma lei dizer-me isso. E golpeou-me com sentença irrecorrível, ao largo do meu direito de defesa.

Agora, e está escrito, para proteger a sociedade do perigo que eu represento carregando no sangue alguma mínima porção de álcool vínico, devo escolher entre o vinho e o carro. As contingências, ao menos até aqui, levaram-me a uma escolha que, dos meus almoços, vem furtando graça e poesia pela sentida ausência do cálice de vinho. Porém, ninguém pense em dependência ou coisa parecida.

Está certo, dura lex, sede lex - e respeitá-la é preciso, mas impedido não estou de registrar meu lamentoso desagrado ao que a mídia tem chamado de "tolerância zero" ao álcool daquele que esteja ao volante de veículo automotor.

Claro, é essa uma lei nascida de bons propósitos e de generosidade, como escrevi alhures, mas carente de razoabilidade, pois nivela por baixo ao colocar na vala comum gente responsável e moderada, infratores e beberrões. E ao prever severas punições a condutores, mesmo que nenhuma infração tenham cometido, pelo só motivo de levarem no sangue, como seria o meu caso, a quantidade de álcool proporcionada por uma taça da minha bebida favorita, ou que fosse um pouco mais.

E dizer que há alguns anos surgiram respeitadas vozes na medicina anunciando que até dois cálices de vinho ao dia trariam efeitos benéficos ao coração. Vozes outras, da mesma ciência, entretanto, falaram mais forte, como se vê.

Contudo, ofereço meu aplauso à maior severidade da lei, afinal ninguém desconhece os males e as tragédias causadas por motoristas embriagados. Todavia, para alcançar os bons resultados pretendidos, e que já se fazem notar, seria mesmo necessário ir tão longe? E, outra vez, pagam os inocentes pelos pecadores.

Dói escutar, após tanto tempo cultivando o prazeroso hábito do vinho às refeições, sem restrição ao automóvel, que a quantidade de álcool contida numa taça venha a diminuir as minhas condições de dirigir. O desmentido, é a experiência que o traz.

A despeito de tudo, na lei descobri uma vírgula tolerante! Disponho de duas horas de liberdade, por dia, para que eu harmonize vinho e direção: das seis às oito da noite, mas nada de sair depois. Sim, observei a possibilidade de persistência de algum vestígio de álcool no sangue por até doze horas.

Reconheço, cheguei a pensar, por um átimo, na maldição de Dionísio para os motoristas embriagados, causa maior da severidade atual, mas faltou-me espírito de vindita.

E daqui para frente, pelo jeito que as coisas andam, cuidemos do cafezinho, do chimarrão e do chocolate...

15 de julho de 2008

2 comentários:

mulher de sardas disse...

Enquanto não tirarem o chocolate desta chocólatra desesperada, a vida segue!

Muito bom protesto, Almiro! Meu pai também é um adepto da taça de vinho no almoço, e não consigo enxergá-lo como um possível perigo à sociedade...

Mas concordo com a lei, por mais dura que seja, pois assim como uma lei não serve para todos, uma taça de vinho tem, em cada um de nós, efeitos que nossa vã filosofia não é capaz de julgar...

Eu, por exemplo, não me arriscaria a dirigir depois de uma...

Um abraço grande e aguardo as próximas crônicas de viagem!

Anônimo disse...

Sr Almiro
Depois de me encantar com sua belíssima crônica "Os sinos de Notre-Dame' do seu livro Mínimas Confissões,tenho acompanhado aqui
as Tapeteiras da Turquia , Cafézinho com o Embaixador...
Aguardo as próximas
Pedro Albath