Procura-se um cachorro perdido, uma criança desaparecida, um carro roubado, um emprego. Procura-se um tapete lilás, um apartamento novo, uma doença, um marido.
Alfredo procurava uma doméstica, a moça dos anúncios classificados pediu que ele repetisse mais de uma vez o que desejava: “Procura-se uma empregada que não fale com o patrão”. Sim, era isso o que ele queria que saísse no jornal de domingo, a pessoa não precisava ser muda, apenas calada. Sua última empregada, D. Valdete, havia transformado seus dias em um inferno de palavras ditas, nunca imaginou que alguém pudesse pronunciar tantas frases e emendar assuntos desconexos como se fizessem parte da mesma trama. Por vezes, pegou-se duvidando de sua própria capacidade de interpretar o que ela lhe dizia, afinal, perdia-se no meio da história e, claro, era melhor não tentar esclarecer com ela suas dúvidas, pois isto seria motivo para mais assunto. No início, a observava espantado esperando que a mulher fizesse uma pausa de alguns segundos para respirar. Em seus pensamentos chegava a vê-la arroxeando as bochechas e caindo desmaiada por falta de ar, mas não, ela tinha uma técnica incrível, falava sem parar e respirava ao mesmo tempo.
Nos anúncios, Alfredo buscava as mais diversas coisas, sempre gostou de ler os classificados, mas até nisto aquela infeliz lhe atrapalhava. Um dia, achando que o jornal tivesse vindo pela metade, ele resmungou reclamando:
- Era só o que me faltava, meu jornal foi entregue faltando uma parte.
D. Valdete, muito prestativa, retrucou, como se ele tivesse lhe dirigido a palavra:
- Não, seu Alfredo, seu jornal veio completo, eu é que peguei os classificados, que não servem para nada mesmo, e usei para limpar os vidros, tiram a gordura e não deixam um risco sequer. Ah! O senhor prefere frango ou guisado para o almoço? A empregada do apartamento vizinho me contou que a patroa dela está de namorado novo, o que é que o senhor acha? Está meio passada, é uns anos mais velha que eu, acho até que regula em idade com o senhor...
Ela continuou falando, ele se deixou cair mudo e vencido sobre o sofá.
Alfredo procurava sobreviver às overdoses verbais impostas pela empregada. Numa manhã chuvosa de sábado, pensava sobre o que lhe seria mais conveniente, comprar protetores de ouvidos, mandá-la calar a boca ou despedi-la. Também imaginava, ansioso, o quão prazerosos seriam a tarde daquele dia e o domingo. D. Valdete, aos sábados, ia embora após o almoço e ele, finalmente, ficaria sozinho, poderia ler os classificados e ver televisão sem ser interrompido por nenhum comentário descabido.
- Seu Alfredo, o senhor prefere os ovos bem cozidos ou com a gema mole?
Ela sabia a resposta, toda a vez fazia a mesma pergunta.
- São bem cozidos, D. Valdete.
O senhor deveria variar o cardápio do sábado, seu Alfredo, sempre risoto e ovos cozidos, não enjoa não? Posso fazer uma feijoada para o próximo, quem sabe uma lasanha, isto sim é que é almoço de sábado, aprendi a fazer umas almôndegas que o senhor ia adorar. Lembra do namorado novo da vizinha, parece que trocou ela por outra mais nova, eu bem que falei que não ia dar certo, agora a velha quer fazer uma plástica, se esticar mais não vai adiantar nada, o porteiro me disse que ele mandou umas flores terminando tudo e ela fez um escândalo na portaria.
Na sala, sentado em sua poltrona reclinável, Alfredo sacudia os pés e mal conseguia segurar o jornal, tremia de irritação. A voz daquela mulher reverberava em sua cabeça, causando-lhe náuseas e embaralhando seus pensamentos. Levantou-se com dificuldade e caminhou de um lado para o outro como que perdido, preferia bater com a própria cabeça contra a parede do que continuar a ouvir aquela voz. Estaria ela falando sozinha, delirando, ou pior, tentando enlouquecê-lo? Aproximou-se da janela, poderia atirar-se dali ou, então, atirá-la, não, isso não poderia estar acontecendo, na tentativa de acalmar-se foi para o quarto. Alguns minutos depois, D. Valdete, com o intuito de avisá-lo que a comida estava pronta, foi atrás dele.
- Ué, seu Alfredo, não está bem, resolveu se deitar? Venha almoçar primeiro, mais tarde o senhor descansa, mas também, descansar do que, não fez nada hoje, passou a manhã sentado lendo o jornal.
O homem olhou-a de soslaio, abriu uma gaveta do criado mudo e tirou de lá uma tesoura, a mesma que usava para recortar do jornal os anúncios que achava mais interessantes, levantou-se devagar e caminhou lentamente em direção a ela.
- Não D. Valdete, vou fazer algo que eu já deveria ter feito! – gritou. A mulher, espantada, recuou enquanto ele seguia vagarosamente em sua direção.
- Vou cortar a tua língua, assim não vais conseguir infernizar mais ninguém, não sei como não pensei nisto antes!
Ela esboçou um sorriso de estranheza, afinal o patrão nunca fora dado a este tipo de brincadeira, porém, em poucos segundos, percebeu seu olhar nebuloso, deu mais alguns passos para trás, virou-se e saiu tão rápida quanto a idade lhe permitia. Passaram, então, a correr pelo apartamento tal gato e rato, dois velhos enlouquecidos, desviando de mesas e cadeiras, tropeçando no sofá e nos próprios pés, ela gritando por socorro e ele xingando-lhe.
- Seus dias de faladeira acabarão agora, pare aí que vais ver!
D. Valdete conseguiu abrir a porta e fugir para o corredor, foi amparada pelo porteiro, que subira correndo os dois lances de escada para verificar o que estava acontecendo. O rapaz, ainda sem entender nada, olhou surpreso para Alfredo, que ainda empunhando a tesoura gritou:
- Isto! Segura que vou cortar-lhe a língua.
Um comentário:
Gostei muito do seu texo
Ana Paula W Cavedon
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