Da série Casos de Viagens:
Almiro Zago
Primeiro, conheça o seu país, depois os outros. Cansei de ouvir isso. Mas, com bons ouvidos, também escutei a pragmática dica de uma amiga muito viajada: "enquanto a idade e a saúde ajudarem, viajem pra longe; o perto, fique pra depois..."
Ultimamente, sentindo aquele "depois..." na espreita, calculei que a Irene e eu temos ficado na média dos dois conselhos, porém com parcimoniosa frequência.
Cedo, levamos a sério o primeiro deles. Ainda em clima de lua de mel, saciamos a curiosidade de conhecer boa parte do Brasil. Não fomos no meu Dkw bordô, nem de avião, nem de ônibus de turismo. Viajamos de ônibus de linha com partidas e chegadas em estações rodoviárias, comprando passagens com alguma antecedência ou na hora. E reserva de hotel, pra quê?
As coisas iam bem, tudo cheirando a descoberta: as paisagens ao longo das estradas, gente diferente, outros costumes. Assim, andamos por Curitiba e o norte do Paraná, pelo oeste paulista e São Paulo, Belo Horizonte, a barroca Ouro Preto e adjacências.
Mas em Brasília... Como era linda a noite de julho! Ao taxista, pedi para começar pelos hotéis mais em conta. E fomos aos mais caros, também. Nuns e noutros, apenas a antipática frase: "não tem vaga". Culpa de um congresso de médicos.
Nem mesmo o famoso e luxuoso Hotel Nacional nos deu chance.
Salvou-nos Taguatinga, nas imediações. Num hotel com atraente luminoso em néon, ficamos num quarto razoável. Mas o banheiro... Entrar? Só com esforço de contorcionista: a porta trancava em alguma coisa. Box ou banheira? Não usavam. E o chuveiro, muito original: bem em cima e na direção do vaso sanitário...
Já de manhã, tomamos a grande decisão, pois o Rio nos esperava: encontrar um bom lugar em Brasília ou ir embora.
Fica chato admitir, mas coisa pior já me havia acontecido no Rio de Janeiro.
Hospedados num confortável e econômico hotel, estivemos numa excursão para torcer pela representante gaúcha, uma caxiense, no Concurso Miss Brasil 1969. Nem adiantou, a Vera Fischer venceu.
Bom, a serviço, voltei ao Rio no mês seguinte. Faceiro, sem reserva de hospedagem, fui ao mesmo lugar por nada. Já cansado das negativas dos hotéis da ainda charmosa Cinelândia, conformei-me em parar numa espelunca, pagando adiantado. No que seria o único quarto disponível, notei que era de vidro transparente a parte superior de uma parede, deixando-me na vitrina para quem descesse a escada do corredor.
Larguei a bagagem e saí. Sem encontrar táxis, às onze da noite, ruas desertas, andei umas dez quadras até a Cinelândia. Exausto, revisitei os mesmos hotéis. E, no Senador, passados três segundos da negativa, da voz do gerente saiu: "fulano, dá pra ele a reserva técnica..."
Todavia, naquela manhã em Brasília, um atencioso taxista foi repetindo o infrutífero roteiro da noite anterior. Eu, colecionando frustrantes respostas.
E o Hotel Nacional? Sim, o mais chique e muito mais salgado, ou pior, longe das minhas possibilidades.
Cheguei no ambiente requintado, os homens, "comme il faut", de terno e gravata, e este provinciano em manga de camisa, calças jeans e cara de constrangido.
Nem é de acreditar: o "Sinto muito, não temos lugar", do recepcionista mereceu imediato desmentido do seu chefe:
- Vê o número tal...pra ele.
Contente e esquecido do preço, fui avisando que iria buscar minha mulher. Mas o dito chefe, coçando a cabeça, examinando minha indumentária, bem do jeito de "não vá dizer que não te avisei" - advertiu:
- A diária é cento e dez Cruzeiros por pessoa, viu?!...
Vi. E no bolso, como senti!
Está certo, Brasília e sua arquitetura modernista valiam.
Já o Governo de então...
***
P.S: Mínimas Confissões" na Feira do Livro de Porto Alegre:
Banca da Livraria do Maneco - bem na parte central da Praça da Alfândega;
Banca da Livraria Nova Roma, na Rua 7 de Setembro.
Ultimamente, sentindo aquele "depois..." na espreita, calculei que a Irene e eu temos ficado na média dos dois conselhos, porém com parcimoniosa frequência.
Cedo, levamos a sério o primeiro deles. Ainda em clima de lua de mel, saciamos a curiosidade de conhecer boa parte do Brasil. Não fomos no meu Dkw bordô, nem de avião, nem de ônibus de turismo. Viajamos de ônibus de linha com partidas e chegadas em estações rodoviárias, comprando passagens com alguma antecedência ou na hora. E reserva de hotel, pra quê?
As coisas iam bem, tudo cheirando a descoberta: as paisagens ao longo das estradas, gente diferente, outros costumes. Assim, andamos por Curitiba e o norte do Paraná, pelo oeste paulista e São Paulo, Belo Horizonte, a barroca Ouro Preto e adjacências.
Mas em Brasília... Como era linda a noite de julho! Ao taxista, pedi para começar pelos hotéis mais em conta. E fomos aos mais caros, também. Nuns e noutros, apenas a antipática frase: "não tem vaga". Culpa de um congresso de médicos.
Nem mesmo o famoso e luxuoso Hotel Nacional nos deu chance.
Salvou-nos Taguatinga, nas imediações. Num hotel com atraente luminoso em néon, ficamos num quarto razoável. Mas o banheiro... Entrar? Só com esforço de contorcionista: a porta trancava em alguma coisa. Box ou banheira? Não usavam. E o chuveiro, muito original: bem em cima e na direção do vaso sanitário...
Já de manhã, tomamos a grande decisão, pois o Rio nos esperava: encontrar um bom lugar em Brasília ou ir embora.
Fica chato admitir, mas coisa pior já me havia acontecido no Rio de Janeiro.
Hospedados num confortável e econômico hotel, estivemos numa excursão para torcer pela representante gaúcha, uma caxiense, no Concurso Miss Brasil 1969. Nem adiantou, a Vera Fischer venceu.
Bom, a serviço, voltei ao Rio no mês seguinte. Faceiro, sem reserva de hospedagem, fui ao mesmo lugar por nada. Já cansado das negativas dos hotéis da ainda charmosa Cinelândia, conformei-me em parar numa espelunca, pagando adiantado. No que seria o único quarto disponível, notei que era de vidro transparente a parte superior de uma parede, deixando-me na vitrina para quem descesse a escada do corredor.
Larguei a bagagem e saí. Sem encontrar táxis, às onze da noite, ruas desertas, andei umas dez quadras até a Cinelândia. Exausto, revisitei os mesmos hotéis. E, no Senador, passados três segundos da negativa, da voz do gerente saiu: "fulano, dá pra ele a reserva técnica..."
Todavia, naquela manhã em Brasília, um atencioso taxista foi repetindo o infrutífero roteiro da noite anterior. Eu, colecionando frustrantes respostas.
E o Hotel Nacional? Sim, o mais chique e muito mais salgado, ou pior, longe das minhas possibilidades.
Cheguei no ambiente requintado, os homens, "comme il faut", de terno e gravata, e este provinciano em manga de camisa, calças jeans e cara de constrangido.
Nem é de acreditar: o "Sinto muito, não temos lugar", do recepcionista mereceu imediato desmentido do seu chefe:
- Vê o número tal...pra ele.
Contente e esquecido do preço, fui avisando que iria buscar minha mulher. Mas o dito chefe, coçando a cabeça, examinando minha indumentária, bem do jeito de "não vá dizer que não te avisei" - advertiu:
- A diária é cento e dez Cruzeiros por pessoa, viu?!...
Vi. E no bolso, como senti!
Está certo, Brasília e sua arquitetura modernista valiam.
Já o Governo de então...
***
P.S: Mínimas Confissões" na Feira do Livro de Porto Alegre:
Banca da Livraria do Maneco - bem na parte central da Praça da Alfândega;
Banca da Livraria Nova Roma, na Rua 7 de Setembro.