quarta-feira, 7 de abril de 2010

Quando a cerração mete medo

Almiro Zago

Para o semanário TempoTodo, de Caxias do Sul           

Ao fechar o sinal na  Rua  Pinheiro Machado, tocou-me parar o carro lá pelo meio da  fila. Olhando para frente, no rumo norte da Visconde de Pelotas, atraiu-me o vermelho do semáforo a contrastar harmoniosamente com o branco cinzento da cerração em baixa.

Pois aí,  minha memória ligada na função "automático", instantaneamente, transportou-me a uma fria madrugada de um distante, quase esquecido sábado.

E eu me vi, rapazola de 20 anos, a caminhar por aquele mesmo lugar dentro de uma cerração que mais espessa me envolvia à medida que  avançava. Todas as nuvens rasantes sobre Caxias do Sul, parecia, haviam programado encontro bem naquele espaço.

Seria perto da uma hora; além de mim, ninguém mais havia por ali, nem mesmo um daqueles gatos vadios às vezes referidos em  textos literários.

Atravessando a Pinheiro Machado, o vizinho que coabita a minha mente,  sempre do contra, veio, insensível e inoportuno,  trazer-me à lembrança algo  perturbador    para a circunstância: uma cena de filme (Ou teria sido de livro policial?), que se passava em meio ao "fog" de Londres - aquela forte mistura de névoa  e fumaça da queima de carvão para aquecimento. Num ambiente de visibilidade restritíssima,  andava um homem  por uma calçada e  ao chegar à esquina,  foi surpreendido e apunhalado por um assassino, de tocaia.

Esse pensamento não se apagava. Funcionou, entretanto, a intuição preventiva porque, ao dar-me conta,  já caminhava pelo meio da rua. E a rua, que era   solidão e silêncio;  a cerração, que me queira engolir, e  aquela infeliz imagem  do "fog" londrino foram me enchendo de suspense.

Amortecido pelo solado de borracha dos sapatos, nem meu andar se fazia ouvir.

Mas nada,   ninguém  seria visto a mais de uma meia dúzia de  metros, pois os bicos de luz pouco clareavam.

Conhecendo o caminho, ia adiante, o receio, também.

Já em descida, chegou-me  um abafado tóc, tóc. Ah... tenho companhia, preocupei-me.

E o tóc, tóc ficando rápido, mais audível, mais forte.

Claro, eram passadas de um apressado. Talvez quisesse me alcançar.

Se o caso ainda não era de medo,  nem poderia dizer que fosse de temor, apenas.

Porém,  certo estou de não me ter detido a analisar meu estado psicológico.  Atento o juízo, fui apressando os meus passos.

O tóc, tóc, constante, chegando mais perto na densa cerração. Se olhasse para trás, nada enxergaria. Ou veria algum fantasma?

Para meu bem-estar emocional, a certo ponto, percebi o ruído das passadas "perseguidoras" em redução, diminuindo até sumir. Suspeitei que o sujeito tivesse dobrado a esquina. Só  poderia ser isso. Ou  havia caminhado de volta?

Bem, dois breves toques de buzina do veículo que me seguia  trouxeram-me de volta ao presente.

Mesmo que  a isto chamem de saudosismo, imaginem se, ainda hoje, a gente só sentisse medo de assaltos ao andar, à noite, por ruas escuras ou encobertas por cerração ou outros fenômenos do gênero.

Todavia,  de minha parte, já nem sei quantas situações me amedrontam nos dias e  noites que vivemos.                         

***

21.03.2010

Um comentário:

Suziley disse...

Que belíssimo texto prezado Almiro Zago! Na prazerosa leitura que nos proporciona, vamos viajando nas suas lembranças, com beleza literária e nos defrontamos com temas de essencial importância, como a segurança, ou melhor (digo, pior), a insegurança que ronda os nossos dias atuais. Parabéns! Um bom dia, um abraço fraterno, :)