Almiro Zago
Para o semanário TempoTodo, de Caxias do Sul
Ao fechar o sinal na Rua Pinheiro Machado, tocou-me parar o carro lá pelo meio da fila. Olhando para frente, no rumo norte da Visconde de Pelotas, atraiu-me o vermelho do semáforo a contrastar harmoniosamente com o branco cinzento da cerração em baixa.
Pois aí, minha memória ligada na função "automático", instantaneamente, transportou-me a uma fria madrugada de um distante, quase esquecido sábado.
E eu me vi, rapazola de 20 anos, a caminhar por aquele mesmo lugar dentro de uma cerração que mais espessa me envolvia à medida que avançava. Todas as nuvens rasantes sobre Caxias do Sul, parecia, haviam programado encontro bem naquele espaço.
Seria perto da uma hora; além de mim, ninguém mais havia por ali, nem mesmo um daqueles gatos vadios às vezes referidos em textos literários.
Atravessando a Pinheiro Machado, o vizinho que coabita a minha mente, sempre do contra, veio, insensível e inoportuno, trazer-me à lembrança algo perturbador para a circunstância: uma cena de filme (Ou teria sido de livro policial?), que se passava em meio ao "fog" de Londres - aquela forte mistura de névoa e fumaça da queima de carvão para aquecimento. Num ambiente de visibilidade restritíssima, andava um homem por uma calçada e ao chegar à esquina, foi surpreendido e apunhalado por um assassino, de tocaia.
Esse pensamento não se apagava. Funcionou, entretanto, a intuição preventiva porque, ao dar-me conta, já caminhava pelo meio da rua. E a rua, que era solidão e silêncio; a cerração, que me queira engolir, e aquela infeliz imagem do "fog" londrino foram me enchendo de suspense.
Amortecido pelo solado de borracha dos sapatos, nem meu andar se fazia ouvir.
Mas nada, ninguém seria visto a mais de uma meia dúzia de metros, pois os bicos de luz pouco clareavam.
Conhecendo o caminho, ia adiante, o receio, também.
Já em descida, chegou-me um abafado tóc, tóc. Ah... tenho companhia, preocupei-me.
E o tóc, tóc ficando rápido, mais audível, mais forte.
Claro, eram passadas de um apressado. Talvez quisesse me alcançar.
Se o caso ainda não era de medo, nem poderia dizer que fosse de temor, apenas.
Porém, certo estou de não me ter detido a analisar meu estado psicológico. Atento o juízo, fui apressando os meus passos.
O tóc, tóc, constante, chegando mais perto na densa cerração. Se olhasse para trás, nada enxergaria. Ou veria algum fantasma?
Para meu bem-estar emocional, a certo ponto, percebi o ruído das passadas "perseguidoras" em redução, diminuindo até sumir. Suspeitei que o sujeito tivesse dobrado a esquina. Só poderia ser isso. Ou havia caminhado de volta?
Bem, dois breves toques de buzina do veículo que me seguia trouxeram-me de volta ao presente.
Mesmo que a isto chamem de saudosismo, imaginem se, ainda hoje, a gente só sentisse medo de assaltos ao andar, à noite, por ruas escuras ou encobertas por cerração ou outros fenômenos do gênero.
Todavia, de minha parte, já nem sei quantas situações me amedrontam nos dias e noites que vivemos.
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21.03.2010
Um comentário:
Que belíssimo texto prezado Almiro Zago! Na prazerosa leitura que nos proporciona, vamos viajando nas suas lembranças, com beleza literária e nos defrontamos com temas de essencial importância, como a segurança, ou melhor (digo, pior), a insegurança que ronda os nossos dias atuais. Parabéns! Um bom dia, um abraço fraterno, :)
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