Especial para o Semanário “Tempo Todo”, de Caxias do Sul
Almiro Zago
Ainda não se escreveu, nem se disse tudo o que de bom representa o café em nossas vidas. Ou, pelo menos, na vida de quem o ama.
De minha parte, venho apreciando cafezinho desde quando se escrevia com acento grave no “è”. Terá sido psicológico, mas depois que a palavra perdeu aquele sinalzinho, de início, sentiu-se menos sabor na xícara...
Nunca esqueci o primeiro cafezinho. Foi numa tarde de sábado, com vários colegas, todos adolescentes, no Café Comercial, no centro de Caxias do Sul.
Afinal, ser homem também era tomar cafezinho num reduto masculino de adultos.
E, lá, num colorido painel na parede, conheci as primeiras teorizações sobre a bebida que os árabes ofereceram ao mundo ocidental: “O bom café deve ser puro, como um anjo; doce, como o amor; e quente, como o inferno.”
Fui levando a sério esses mandamentos, mas só o primeiro, por essencial e verdadeiro, tem resistido. Todavia, depois de incontáveis queimaduras na língua convenci-me de que não precisava radicalizar tanto na temperatura. Mais tempo iria passar até perceber que era apenas metáfora o “doce como o amor”.
Bem apreciar um café, sentir-lhe o aroma, a intensidade do sabor envolve um processo de paciente educação do paladar, ultimamente facilitado pela poética adesão de livrarias. Aliás, em 1970, coisa rara, então, podia-se degustar café na Livraria Ramos.
Como acontece com o vinho, a doçura corresponde ao primeiro estágio a ser superado, pois, desculpem-me por dizê-lo, mais não faz do que mascarar o café ruim. E do bom, oculta os melhores predicados.
Por isso, chega-se ao ápice do aprendizado, degustando o cafezinho em seu estado de pureza e autenticidade. Embora não seja o pico do Everest, poucos têm conseguido chegar lá, como eu cheguei, não sem algumas recaídas, reconheço.
Porém, o importante é que à volta do café fumegante estejam pessoas curtindo momentos de amizade, de satisfação, desses que ajudam a fazer a felicidade, que às vezes aparecem por vias tortas, como me aconteceu, de uma feita, longe daqui.
Os cafezinhos sendo servidos, e, à minha vez, notei que não viera o que pedira:
- Mas eu pedi café expresso...
- Está bem - disse a mulher, recolhendo a xícara.
Observando que se tratava de um cappuccino original, mudei de ideia.
- Senhora, pode deixar, eu tomo esse mesmo.
- Não, não. O sr. pediu café expresso, e vai tomar café expresso - escutei de sua voz em tom autoritário.
E vencidos uns dois minutos, sentindo-me um tanto masoquista, encontrei-me a cumprir a severa ordem, quero dizer, sorvendo um incomparável cafezinho italiano.
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3 comentários:
Parabéns pelo belo texto!! O café faz parte da vida de todos nós. Um ótimo domingo ao amigo e toda a sua família :)
Café e leituras como as que vc nos proporciona. Essa sim é a grande combinação!
Lauro Silva Barbieri
Parabéns por seu livro Mínimas Confissões!Imperdível
Paulo L I Linhares
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