terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A flor que amamos

Almiro Zago

Foi no verão passado, e Dilma Rousseff nem candidata oficial era, quando ouvi um desconsolado amigo lamentar-se: seria inaceitável uma guerrilheira na presidência da República.

Sim, deixei o monólogo fluir, pois a ocasião não favorecia o diálogo, especialmente ao perceber que o sujeito fora simpatizante dos governos militares, coisa que eu desconhecia, ou não lembrava.

Fosse hoje, quando o “inaceitável” faz parte do cotidiano brasileiro, poderia dizer, se isso o consolasse, que, ao tempo em que Dilma fora guerrilheira, inaceitável, para ela e para muitos brasileiros, fora a ditadura. 

Viu-se, como sabemos, a força do poder a sufocar Dilma e a todos que de forma semelhante agiram. Ou apenas pensaram. E para a moça guerrilheira sobrou a repressão, a tortura e a dureza da lei vigente que a levou ao cárcere.

Nem precisaria dizer, mas a ela, como a todos os que se opunham ao sistema, tocou ajeitar-se à indigesta realidade, quem sabe compreendendo que a luta armada não seria solução, embora, num certo momento, pudesse ter parecido única saída.  

Depois, com a “lenta e gradual distensão” veio a ação política, o embate de ideias em busca das liberdades democráticas. O mesmo rumo foi sendo trilhado também por muitos dos acompanhantes do regime militar. E pelas novas gerações.

Virtuosa ou pecadora, à nossa semelhança, floresceu a democracia.

Pois, em 2010, a jovem derrotada em 1970 chegou a conhecer a vitória. Consagradora, aliás. Alcançou o posto mais alto da República sem que, e isso eu imagino, tivesse sonhado tão alto.

E agora, ao meu amigo, se me desse a satisfação de ler estas reflexões, pondero que lhe será leve conformar-se com a ex-guerrilheira no cargo de Presidente do Brasil. Acima de tudo, porque isso aconteceu pelo caminho pacífico da eleição livre, a reta via para transformações; a mesma que poderá colocar um adversário em seu lugar ao final do mandato.

E isso assim é porque a sociedade brasileira associou-se à democracia. 

Cuidemos, pois, dessa frágil e rara flor.

Se tivermos juízo, claro.  

12.01.2011

2 comentários:

Anônimo disse...

Seu texto é uma verdadeira lição,em especial diante de todos os absurdos
que surgiram durante a campanha passada,mas de modo especial diante dos absurdos
que grande jornais,revistas e televisões tentaram disseminar de modo a enganar o povo.
Parabéns pelo texto
Carlos Zaif Willer

Anônimo disse...

Brilhante reflexão!
Brilhante seu livro “Mínimas Confissões”!
Marlene Viana dos Santos