Almiro Zago
Em
seu livro As palavras, disse
Jean-Paul Sartre que, no seu tempo de menino, tomava as palavras como a
quinta-essência das coisas. A revelação, tendo sido feita pelo adulto, ao que
saiba sem renegar o garoto, autoriza entender que, para o pensador do
existencialismo, continuaram a ser as palavras as coisas no seu mais alto grau,
na plenitude.
Ainda
que assim seja, desconfio que a palavra, em si, seja neutra, fria. Guarda-se
numa espécie de hibernação, em ponto de espera. E só ganha vida, substância e
cor ao ser escrita, ou no instante em que os lábios a libertam. Então, assume a
forma, a densidade e a força de quem a escreve, daquele que a pronuncia.
Aí
a palavra se entrega qual meretriz. Mas periga escravizar, ora quem lhe
empresta a voz, ora aquele que a faz perene pelos contornos desenhados sobre o
papel. Porque é seu destino, cai prisioneira da mente que a recebe, do coração
que a sente.
Usam
a palavra, as pessoas, na tessitura dos laços de afeto, ou quando lançam pontes
de amizade, ou na semeadura dos trigais para o pão que alivia a fome.
Mas
ai! se vier a cair sobre ela o véu da falsidade, impregnado de inveja e rancor,
pois, logo, o ódio e o conflito apressam-se a cultivar as desavenças no campo
da miséria moral e material.
Também
por isso, a palavra traduz a verdade e a mentira. O ser e o não ser. A palavra
expõe corte e cicatriz. É navalha e carne; espinho e pele ferida; é febre e
hipotermia.
Antes
de tudo, é vida, mundo e morte.
Porém,
de magia vestida, vem a palavra oferecer o êxtase da poesia e das canções. E
desvendar o imaginário para a emoção de tramas e personagens do conto e do
romance.
E
a palavra voa, escreveu Walter Galvani. Em suas asas conduz a crônica
instigante e encantadora.
Seja
no breu da noite ou à luz do sol, há quem faça a guerra e dizime populações com
a palavra. Todavia, esperançada e perseverante ainda floresce nesse solo árido
a palavra paz, à sombra amiga e protetora de tantos que ainda a amam e
cultivam.
Bem
a propósito, certa vez, num cinema, vi e escutei uma mensagem de ano-novo, cujo
final falava do desejo de que se avizinhasse o dia em que os homens não conhecessem
a palavra paz por desconhecerem o significado da palavra guerra.
Distantes
da utopia, pisamos o chão movediço da vida real, em coexistência com a palavra
e seu inquietante poder, cujo controle repousa nos corações e mentes dos seres
humanos.
Pouco
custa a esperança de que consigamos marcar mais forte na palavra os tons da paz
social, da alegria de viver, suavizando o estressante ambiente cotidiano. Para
isso, vale a dica do poeta Olavo Bilac: a “palavra pesada abafa a ideia leve”.
Pois
protegendo a ideia leve, execremos a palavra pesada, na busca de convivência
mais fraterna. Quem sabe, restauremos a palavra de honra e a palavra dada; e o
respeito, a honestidade, a vergonha, sim, a vergonha. Claro, também a sinceridade,
o bem-querer e a cortesia, a solidariedade.
Seguindo-se
com tantas perdas, tantos desusos de significados positivos para a sociedade, receio
que o dicionário do nosso idioma acabe tomado de assalto pela delinquência
desassombrada.