terça-feira, 23 de abril de 2013

As palavras faltantes


Almiro Zago                                                                               

Em seu livro As palavras, disse Jean-Paul Sartre que, no seu tempo de menino, tomava as palavras como a quinta-essência das coisas. A revelação, tendo sido feita pelo adulto, ao que saiba sem renegar o garoto, autoriza entender que, para o pensador do existencialismo, continuaram a ser as palavras as coisas no seu mais alto grau, na plenitude.

Ainda que assim seja, desconfio que a palavra, em si, seja neutra, fria. Guarda-se numa espécie de hibernação, em ponto de espera. E só ganha vida, substância e cor ao ser escrita, ou no instante em que os lábios a libertam. Então, assume a forma, a densidade e a força de quem a escreve, daquele que a pronuncia.

Aí a palavra se entrega qual meretriz. Mas periga escravizar, ora quem lhe empresta a voz, ora aquele que a faz perene pelos contornos desenhados sobre o papel. Porque é seu destino, cai prisioneira da mente que a recebe, do coração que a sente.

Usam a palavra, as pessoas, na tessitura dos laços de afeto, ou quando lançam pontes de amizade, ou na semeadura dos trigais para o pão que alivia a fome.

Mas ai! se vier a cair sobre ela o véu da falsidade, impregnado de inveja e rancor, pois, logo, o ódio e o conflito apressam-se a cultivar as desavenças no campo da miséria moral e material.

Também por isso, a palavra traduz a verdade e a mentira. O ser e o não ser. A palavra expõe corte e cicatriz. É navalha e carne; espinho e pele ferida; é febre e hipotermia.
Antes de tudo, é vida, mundo e morte.

Porém, de magia vestida, vem a palavra oferecer o êxtase da poesia e das canções. E desvendar o imaginário para a emoção de tramas e personagens do conto e do romance.

E a palavra voa, escreveu Walter Galvani. Em suas asas conduz a crônica instigante e encantadora.

Seja no breu da noite ou à luz do sol, há quem faça a guerra e dizime populações com a palavra. Todavia, esperançada e perseverante ainda floresce nesse solo árido a palavra paz, à sombra amiga e protetora de tantos que ainda a amam e cultivam.

Bem a propósito, certa vez, num cinema, vi e escutei uma mensagem de ano-novo, cujo final falava do desejo de que se avizinhasse o dia em que os homens não conhecessem a palavra paz por desconhecerem o significado da palavra guerra.

Distantes da utopia, pisamos o chão movediço da vida real, em coexistência com a palavra e seu inquietante poder, cujo controle repousa nos corações e mentes dos seres humanos.

Pouco custa a esperança de que consigamos marcar mais forte na palavra os tons da paz social, da alegria de viver, suavizando o estressante ambiente cotidiano. Para isso, vale a dica do poeta Olavo Bilac: a “palavra pesada abafa a ideia leve”.

Pois protegendo a ideia leve, execremos a palavra pesada, na busca de convivência mais fraterna. Quem sabe, restauremos a palavra de honra e a palavra dada; e o respeito, a honestidade, a vergonha, sim, a vergonha. Claro, também a sinceridade, o bem-querer e a cortesia, a solidariedade.   

Seguindo-se com tantas perdas, tantos desusos de significados positivos para a sociedade, receio que o dicionário do nosso idioma acabe tomado de assalto pela delinquência desassombrada.
                                                       
                                                   


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