Quando
entramos num restaurante desconhecido, seja lá onde for, corremos o risco de
viver experiências no mínimo interessantes. Imaginem, então, se Madrid é a
cidade, e o lugar é daqueles não procurados por turistas.
Pois
a sugestão da casa para o almoço oferecia primeiro e segundo pratos e
sobremesa, tudo acompanhado por vinho ou água mineral, a escolher. Ainda com as
pernas doloridas das caminhadas, mas antes que a fome se fizesse má
conselheira, aceitamos a sugestão porque incluía autêntica paella. Ah, claro, fomos de vinho: branco para Irene e tinto para
mim.
Algo
semelhante havíamos conhecido nas imediações da Porta do Sol, onde um cálice de
vinho ou água mineral, inclusos no preço, acompanhavam a comida.
Enquanto
aguardávamos o serviço, íamos ganhando a companhia de falantes e bem-vestidos madrileños e madrileñas, gente de trinta e poucos anos, em sua maioria. E o
restaurante, mesmo sem couvert artístico, surpreendeu-nos com atração extra:
uma ruidosa pechada de bandejas
encenada por dois apressados garçons. Terminou a performance com um deles no
chão, cercado de copos, pratos e garrafas quebrados.
Nesse
clima festivo, um garçom arrumou nossa mesa e trouxe duas garrafas de vinho.
Alguma coisa está errada, pensei, pois esperávamos apenas duas taças da bebida.
Mas o moço esclareceu: "Uma botellia
por pessoa: branco para a senhora e tinto para o senhor."
Susto
à parte, quiçá pudéssemos beber tudo isso durante uma festa, ou numa refeição
mais demorada, mas nunca num almoço. Que desperdício!
Bem,
já que o néctar dos deuses convidava, começamos a degustá-lo à espera da
comida. E com ela prosseguimos, especialmente com a saborosa paella.
Mas
à vez da sobremesa, perto de hora e meia do início do almoço, do vinho tinto
apenas lembranças de seu aroma exalavam da garrafa. Cavalheiro que sou, passei
a prestigiar o vinho branco da Irene. Para encurtar o caso, ao final, duas
garrafas e duas taças vazias sobre a mesa se defrontavam com um casal contente
e sem efeitos colaterais. Está certo, grandes vinhos não eram, mas garanto a
excelência deles.
Bem
diferente foi o que vivenciamos num pequeno restaurante com mesas na calçada,
lembrando cenas de cinema passadas em Roma. Eu sabia que o preço seria salgado,
pois era pertinho da Fontana di Trevi. Pensando bem, valeria a pena abrir a
mão, coisa de uma vez na vida e outra na morte. Só não contava com a mínima
quantidade do prato que escolhera: cinco diminutos raviolis temperados com excelente molho, devo reconhecer. Ainda bem
que o pão farto salvou-me da fome.
Entretanto,
há casos em que a surpresa surge de um mal-entendido, garantindo um almoço de
comédia. Falo de um restaurante de Dresden, numa travessa perto do rio Elba.
Estando na Alemanha, e recém-chegados de Praga, tínhamos vontade de comer algum
prato à base de salsicha.
No
cardápio em inglês nada encontramos; em alemão, menos ainda, e o dicionário de
viagem não o encontramos onde deveria estar. De todas as maneiras tentamos
levar a garçonete a nos entender. Mas ela, além do alemão, nada sabia e nem
versada era na linguagem dos sinais. Como último recurso, ocorreu-me luminosa
ideia: desenhar uma salsicha num pedaço de papel. E desenhamos. Mostramos à
moça, e ela sorridente parecia ter captado a mensagem, pois apontou o menu para
que escolhêssemos o molho. Molho holandês, quisemos.
Nem
bem provamos a legítima cerveja alemã, e toda risonha aproximou-se a atendente,
colocando dois pratos grandes sobre a mesa. Finalmente as salsichas,
festejamos. Com uma expressão que parecia significar "bom apetite",
ela se afastou, e nós, com espanto, vimos dois pratos de aspargos verdes ao
molho holandês. Decepção à parte, estavam deliciosos. Porém, uma dúvida ainda
hoje me traz inquietação: fomos nós que não soubemos desenhar ou a garçonete
não conhecia salsicha?
***
Texto publicado a 27 de março de 2008.
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