sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Quando surpreende o menu

Almiro Zago
  
Quando entramos num restaurante desconhecido, seja lá onde for, corremos o risco de viver experiências no mínimo interessantes. Imaginem, então, se Madrid é a cidade, e o lugar é daqueles não procurados por turistas.

Pois a sugestão da casa para o almoço oferecia primeiro e segundo pratos e sobremesa, tudo acompanhado por vinho ou água mineral, a escolher. Ainda com as pernas doloridas das caminhadas, mas antes que a fome se fizesse má conselheira, aceitamos a sugestão porque incluía autêntica paella. Ah, claro, fomos de vinho: branco para Irene e tinto para mim.

Algo semelhante havíamos conhecido nas imediações da Porta do Sol, onde um cálice de vinho ou água mineral, inclusos no preço, acompanhavam a comida.

Enquanto aguardávamos o serviço, íamos ganhando a companhia de falantes e bem-vestidos madrileños e madrileñas, gente de trinta e poucos anos, em sua maioria. E o restaurante, mesmo sem couvert artístico, surpreendeu-nos com atração extra: uma ruidosa pechada de bandejas encenada por dois apressados garçons. Terminou a performance com um deles no chão, cercado de copos, pratos e garrafas quebrados.

Nesse clima festivo, um garçom arrumou nossa mesa e trouxe duas garrafas de vinho. Alguma coisa está errada, pensei, pois esperávamos apenas duas taças da bebida. Mas o moço esclareceu: "Uma botellia por pessoa: branco para a senhora e tinto para o senhor."

Susto à parte, quiçá pudéssemos beber tudo isso durante uma festa, ou numa refeição mais demorada, mas nunca num almoço. Que desperdício!

Bem, já que o néctar dos deuses convidava, começamos a degustá-lo à espera da comida. E com ela prosseguimos, especialmente com a saborosa paella.

Mas à vez da sobremesa, perto de hora e meia do início do almoço, do vinho tinto apenas lembranças de seu aroma exalavam da garrafa. Cavalheiro que sou, passei a prestigiar o vinho branco da Irene. Para encurtar o caso, ao final, duas garrafas e duas taças vazias sobre a mesa se defrontavam com um casal contente e sem efeitos colaterais. Está certo, grandes vinhos não eram, mas garanto a excelência deles.

Bem diferente foi o que vivenciamos num pequeno restaurante com mesas na calçada, lembrando cenas de cinema passadas em Roma. Eu sabia que o preço seria salgado, pois era pertinho da Fontana di Trevi. Pensando bem, valeria a pena abrir a mão, coisa de uma vez na vida e outra na morte. Só não contava com a mínima quantidade do prato que escolhera: cinco diminutos raviolis temperados com excelente molho, devo reconhecer. Ainda bem que o pão farto salvou-me da fome.

Entretanto, há casos em que a surpresa surge de um mal-entendido, garantindo um almoço de comédia. Falo de um restaurante de Dresden, numa travessa perto do rio Elba. Estando na Alemanha, e recém-chegados de Praga, tínhamos vontade de comer algum prato à base de salsicha.

No cardápio em inglês nada encontramos; em alemão, menos ainda, e o dicionário de viagem não o encontramos onde deveria estar. De todas as maneiras tentamos levar a garçonete a nos entender. Mas ela, além do alemão, nada sabia e nem versada era na linguagem dos sinais. Como último recurso, ocorreu-me luminosa ideia: desenhar uma salsicha num pedaço de papel. E desenhamos. Mostramos à moça, e ela sorridente parecia ter captado a mensagem, pois apontou o menu para que escolhêssemos o molho. Molho holandês, quisemos.

Nem bem provamos a legítima cerveja alemã, e toda risonha aproximou-se a atendente, colocando dois pratos grandes sobre a mesa. Finalmente as salsichas, festejamos. Com uma expressão que parecia significar "bom apetite", ela se afastou, e nós, com espanto, vimos dois pratos de aspargos verdes ao molho holandês. Decepção à parte, estavam deliciosos. Porém, uma dúvida ainda hoje me traz inquietação: fomos nós que não soubemos desenhar ou a garçonete não conhecia salsicha?

                                                               ***
 Texto publicado a 27 de março de 2008.

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