Almiro Zago
Vezes
sem conta passeei à sombra de tipuanas frondosas indiferente à identidade dessas
belas árvores que me guardavam do calor do sol. Se não me viesse algum
interesse, jamais saberia que essa espécie de vegetal e minha história de vida
andam enrodilhadas pelas raízes.
Tocado
por gratuita curiosidade, passei a olhar folhagens e galhadas das alterosas
plantas pelas ruas e parques, sem imaginar a surpresa que viria.
Pois
a observação me levou a perceber que o tom verde-claro das folhas penadas e o
tronco cinza-escuro de casca grossa e rachada há muito estavam inscritos em
minha memória.
Por
volta de 2006, bem me lembro, dispensada apresentação formal, soube-lhes o nome
e pude concluir que fora à sombra de uma jovem tipuana a gravação na mente da
imagem número um de minha vida. Significa dizer que é ela a mais remota de
minhas lembranças, na faixa dos meus três anos.
Dirão
que a criança fantasia, mas, acreditem, este não foi o caso, pois a árvore
existiu e fez parte do ambiente ao redor de minha casa de colônia em Caxias,
naquela época.
Mas o fascinante, vejam só, é que passados tantos anos encontrei-me a viver em Porto Alegre na amistosa vizinhança de dezenas de tipuanas, simbólica ligação entre a tenra idade e esta apressada terceira...
Ao se cruzarem setembro e outubro, as tipuanas, acolhedor abrigo da passarada,
aparecem revividas, e os altos ramos entrelaçados sugerem que ali, como na
Penúmbria, poderia ser o espaço de Chuvasco de Rondò, personagem de O barão nas árvores, de Italo Calvino.
Dizem
os botânicos que as tipuanas vieram do norte da Argentina e Bolívia, e entre
nós são amadas pelo sombreamento e encanto paisagístico. Mas ao contrário do
que se vê com jacarandás, ipês e paineiras, sua floração é notada apenas pelos
tapetes amarelos que os milhões de pequenas pétalas caídas nas madrugadas tecem
pelos passeios.
Por
aqui, na Feira do Livro, só falam dos jacarandás floridos da Praça da
Alfândega, mas ninguém se lembra da florada das tipuanas espalhadas pela
cidade.
Ah,
mas quem puder apreciar de cima, qual jardim suspenso, as copas onduladas de verdadeiro
bosque, com o amarelo das flores e a verdura das folhas a partilhar a luz do
sol, sentirá alegria e prazer estético comparáveis a quem aprecia os Jardins de
Monet, em Giverny.
Se
o vento enciumado desgrenha as melenas do arvoredo, a profusão de pequenas
flores despetaladas derramam-se como flocos de neve dourada a enfeitar o chão.
Não
sei quem as trouxe, nem quando chegaram ao Brasil, mas vocês não acham que está
aí mais um caso de imigração que deu certo?
***
*Título inspirado
no romance de Luiz Antônio de Assis Brasil, A
pedra da memória.
15/11/2013
Um comentário:
Caro leitor, registre, ainda que em poucas palavras, sua passagem por esta página. É meu convite.
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