quarta-feira, 5 de março de 2008

Pra dizer bem a verdade

Camila Canali Doval

Enfim, a chuva que pedi. Enfim, os vidros das janelas manchados de água escorrida. Porque água mancha. Água mancha como sangue.

Uma noite e um dia inteiros de chuva. Talvez um final de semana. Talvez o sol jamais volte.

Não importa, eu me acostumaria. Eu posso me acostumar com qualquer coisa. Um dia seria normal os dias serem todos de água. A vida passaria e acabaria da mesma forma. E eu não usaria guarda-chuva. Não usaria mesmo. Seria perfeitamente normal andar molhada. Eu nem mesmo me griparia. Eu nem mesmo imaginaria um dia de sol. Porque não haveria beleza nele. Só haveria estranhamento.

O grande problema da vida é este exagero de opções. Sãos dias de chuva, de sol, nublados, quentes, frios ou agradáveis. Tristes ou alegres. Um diferente do outro. E eu conheço todos. E peço e espero por eles. Porque sei que existem e podem, enfim, acontecer.

O grande problema da vida é existir a morte, e eu saber das duas, eu poder escolher entre elas, e eu poder distinguir claramente onde está uma e outra, e eu ter que simplesmente conviver com uma opção maior do que eu.

Se a vida fosse só vida eu me acostumaria com isso. É claro que eu me acostumaria.

E se eu não soubesse da morte eu viveria melhor. Muito melhor. Eu enfim viveria.

Mas se fosse só morte... Se fosse só morte eu não sei o que seria. Se fosse só morte, pra dizer bem a verdade, acho que, enfim, eu não morreria.

Um comentário:

Anônimo disse...

Agora parou a chuva e o calor do sol secou as roupas e a paisagem em volta. Mas haverá água nas fontes. Quer dizer, haverá vida, ainda que a morte esteja à espreita. Camila, agora, espero outra bela crônica. A da escolha, das fontes.
Almiro