quarta-feira, 29 de outubro de 2008
O desabrochar
A minha primavera começou esta semana, mais precisamente na terça-feira, 21 de outubro, quando a primeira flor de um dos meus Jasmins desabrochou. Abri a janela e ela estava lá, delicada e perfumada, deu vontade de paralisar o mundo para ter sempre a sensação de paz deste momento doce, quase inverossímil para os dias atuais.
É um desabrochar, um abrir-se para a vida depois de um certo tempo “escondidos”, eu e os Jasmins. Passei por momentos dolorosos que pareciam não ter fim, assim como parecem não ter fim, para os Jasmins, os meses de outono e inverno, uma eternidade. Quando os olhava, neste período, tinha a sensação de que não iriam sobreviver, mas, estamos aqui, nos abrindo.
“...
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
...” (Carlos Drummond de Andrade)
Há tempos eu não tinha tanta certeza de que coisas bonitas aconteciam ao meu redor, e de que pudessem acontecer comigo ou que eu pudesse desfrutar destas belezas, parecia-me estar cercada de flores prestes a murchar ou totalmente despetaladas, tristes, porém, o Jasmin desabrochou e minha vontade de viver bonitezas também. Pode parecer meio romântico, sonhador, mas quero ver colorido, mesmo que minha flor “pareça” branca.
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Quando apitavam as fábricas
Almiro Zago
Crônica publicada no semanário "Tempo Todo", de Caxias do Sul, edição de 3 de outubro.
Sim, houve um tempo em que havia fábricas com apitos em Caxias. Quem se lembra? Era esse o costume das fábricas com muitos empregados e que dispunham de vapor de caldeira para acionar o instrumento sonoro. Claro, servia para assinalar a aproximação e o começo, o intervalo e o final dos turnos de trabalho. De lambuja, ajudava a fortalecer a imagem das indústrias, tanto que muita gente sabia identificá-las pelo seu apito característico.
Dos primeiros anos 1950, soa na minha lembrança o apito da Gethal, empresa estrangeira fabricante de compensados, e que emprestava o seu nome ao bairro onde funcionava, o atual São José. Potente e grave, fazia-se ouvir em quase toda a zona urbana e arredores de acordo com as condições de vento, como se fosse um grande navio a zarpar do porto. Ou mil touros enraivecidos mugindo ao mesmo tempo, como repetia um vizinho meu. Muitos caxienses controlavam o correr do dia por meio da pontualidade britânica dos sete toques do apito da Gethal, entre seis da manhã e dez da noite.
Depois, no rumo do centro da cidade, na Rua Moreira Cezar, era a Tecelagem Marisa, a convocar pelo apito seus empregados, mulheres em sua maioria. Pela manhã, por exemplo, o faziam soar por três vezes entre sete e quinze e sete e meia. O seu som, embora nem fosse muito forte, parecia um coro feminino de vozes roucas a boca "chiusa".
Nas imediações daquela fábrica de tecidos, mas na Rua Visconde de Pelotas, onde ultimamente vem funcionando um serviço do INSS, a firma Bebidas Marumby lançava ao ar o seu sinal. Aos meus ouvidos chegava como prolongado mugido de vaca no pasto.
E logo acima, a três quadras da Praça Dante Alighieri, em lugar atualmente ocupado por dois grandes supermercados, operava com sua alta chaminé a Cooperativa Madeireira Caxiense. Se o apito da Tecelagem Marisa lembrava vozes femininas roucas, esse da Cooperativa estava mais para coral de barítonos roucos a todo o volume.
Sem graça, mesmo, em agudo metálico, rasgava o espaço o silvo da Industrial Madeireira, na Marechal Floriano com Antônio Prado.
Outras indústrias havia que utilizavam o sistema, porém a minha memória ainda não conseguiu capturar seus nomes e nem sua localização.
Naqueles tempos, inexistia consciência ecológica e a poluição sonora, ao que me lembre, a ninguém incomodava. Aliás, nem eram conhecidas essas expressões.
Mas o fascínio maior viria com o marcante apito do trem.
À tarde, pelas quatro e meia, a densa fumaça escura expelida pela chaminé anunciava a sua chegada lá pelos fundos do quartel do Exército. E quando se aproximava da Avenida Rio Branco, que iria cruzar, repetidos apitos de alerta precediam a locomotiva a puxar os vagões rumo à Estação Ferroviária.
Tudo passa, diz antiga máxima.
De há muito Caxias do Sul não sabe o que seja o apitar de um trem. E aquelas fábricas e seus apitos silenciaram para sempre.
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
Saí de casa (?)
Como é que se sai de casa?
É estranho, é difícil, é um tanto incoerente. Mas eu saí.
E foi assim, de repente. Claro, não tããão de repente. Eu e o Caio namoramos há cinco anos. Mas namoramos mesmo, sem meio termo. Desde o começo foi coisa feia. Troca de alianças, troca de tatuagens, troca de almas. É sério, de almas. O Caio tem uma coisa de ser o amor da minha vida que não dá pra explicar com palavras. Clichezão mesmo, de livro. Mesmo que ele diga que não, a nossa vida é coisa de livro. Ele diz que eu tenho que ser menos romântica e, um termo novo, recém lançado no repertório dele, hollywoodiana. Right. Sou mesmo hollywoodiana. Eu nasci para brilhar, com muito drama e muito close nas lágrimas. Uma estrela. E agora em novo cenário: a nossa casinha.
Mas eu estava falando sobre sair de casa. Da minha casa, da casa do meu pai e da minha mãe, que já foi em muitos lugares, em outras cidades, às vezes casa, outras apartamento, mas sempre a mesma: o meu lugar.
Faz duas semanas que nos mudamos. Eu fico toda hora pensando em escrever sobre isso. Mas ainda não deu. Eu ainda não entendi direito. Ainda não parece todo real. Eu vou na casa dos meus pais e entro direto no meu quarto. Abro meus armários. Uso a minha escova de dente. Sento no meu lugar à mesa. É o mesmo cheiro. É o mesmo jeito. Tem as minhas cápsulas de vitamina que eu não consigo engolir na geladeira. Tem roupa minha na pilha de passar. Tem o meu pai e a minha mãe e a minha irmã. Tem a minha vida com eles que continua. Às vezes eu penso que acordo lá. Ou sonho. Não sei.
Não estou triste. Estou com saudade. E esta crônica não é para reclamar de nada, nem para ficarem achando que eu não queria sair de casa. Mas não acho errado dizer que eu nunca quis sair de casa. Por que eu iria querer?
Minha casa é o melhor lugar do mundo. E viver com quem se ama faz de qualquer casa a sua casa.
A verdadeira casa.
Ou casas.
Este post não é para escrever sobre a nova vida com o Caio. Eu preciso separar as coisas para poder senti-las realmente. Este post é para exorcizar o meu sair de casa. Tanto que temi, tanto que ansiei, tanto que chorei por isso desde bem pequena. Eu previa que não seria simples. E eu preciso viver isso. Todos os dias eu quero voltar para a minha casa. E não só para a casa. Eu quero voltar no tempo. Eu quero ser mais um pouco deles. Este post é pra falar sobre isso. Sobre o quanto quero ser para sempre do meu pai e da minha mãe.
No próximo eu conto sobre como é ser do Caio. E finalmente minha.