Almiro Zago
Crônica publicada no semanário "Tempo Todo", de Caxias do Sul, edição de 3 de outubro.
Sim, houve um tempo em que havia fábricas com apitos em Caxias. Quem se lembra? Era esse o costume das fábricas com muitos empregados e que dispunham de vapor de caldeira para acionar o instrumento sonoro. Claro, servia para assinalar a aproximação e o começo, o intervalo e o final dos turnos de trabalho. De lambuja, ajudava a fortalecer a imagem das indústrias, tanto que muita gente sabia identificá-las pelo seu apito característico.
Dos primeiros anos 1950, soa na minha lembrança o apito da Gethal, empresa estrangeira fabricante de compensados, e que emprestava o seu nome ao bairro onde funcionava, o atual São José. Potente e grave, fazia-se ouvir em quase toda a zona urbana e arredores de acordo com as condições de vento, como se fosse um grande navio a zarpar do porto. Ou mil touros enraivecidos mugindo ao mesmo tempo, como repetia um vizinho meu. Muitos caxienses controlavam o correr do dia por meio da pontualidade britânica dos sete toques do apito da Gethal, entre seis da manhã e dez da noite.
Depois, no rumo do centro da cidade, na Rua Moreira Cezar, era a Tecelagem Marisa, a convocar pelo apito seus empregados, mulheres em sua maioria. Pela manhã, por exemplo, o faziam soar por três vezes entre sete e quinze e sete e meia. O seu som, embora nem fosse muito forte, parecia um coro feminino de vozes roucas a boca "chiusa".
Nas imediações daquela fábrica de tecidos, mas na Rua Visconde de Pelotas, onde ultimamente vem funcionando um serviço do INSS, a firma Bebidas Marumby lançava ao ar o seu sinal. Aos meus ouvidos chegava como prolongado mugido de vaca no pasto.
E logo acima, a três quadras da Praça Dante Alighieri, em lugar atualmente ocupado por dois grandes supermercados, operava com sua alta chaminé a Cooperativa Madeireira Caxiense. Se o apito da Tecelagem Marisa lembrava vozes femininas roucas, esse da Cooperativa estava mais para coral de barítonos roucos a todo o volume.
Sem graça, mesmo, em agudo metálico, rasgava o espaço o silvo da Industrial Madeireira, na Marechal Floriano com Antônio Prado.
Outras indústrias havia que utilizavam o sistema, porém a minha memória ainda não conseguiu capturar seus nomes e nem sua localização.
Naqueles tempos, inexistia consciência ecológica e a poluição sonora, ao que me lembre, a ninguém incomodava. Aliás, nem eram conhecidas essas expressões.
Mas o fascínio maior viria com o marcante apito do trem.
À tarde, pelas quatro e meia, a densa fumaça escura expelida pela chaminé anunciava a sua chegada lá pelos fundos do quartel do Exército. E quando se aproximava da Avenida Rio Branco, que iria cruzar, repetidos apitos de alerta precediam a locomotiva a puxar os vagões rumo à Estação Ferroviária.
Tudo passa, diz antiga máxima.
De há muito Caxias do Sul não sabe o que seja o apitar de um trem. E aquelas fábricas e seus apitos silenciaram para sempre.
Um comentário:
Tocante, de grande beleza...
Para refletir,com a mente e o coração..
Parabéns!
Pedro e Clara Albath
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