sexta-feira, 22 de maio de 2009

Praga: o caso da porta


Almiro Zago

Um elogio inesquecível... não é isso que certas seções de jornal  perguntam a seus entrevistados? Fosse comigo, revelaria  aquele  recebido de dona Noêmia, ainda quando o número da minha idade começava pelo algarismo dois. Professora aposentada e fluente  em língua alemã,  ao encontrar-me numa certa segunda-feira, disse-me que não sabia que eu falava alemão... Neguei, claro.

- Mas, então, como é que pronunciaste tão bem todos aqueles nomes de músicas, de compositores e orquestras no teu programa de ontem?

Referia-se a obras  clássicas de   grandes mestres germânicos e seus intérpretes, por mim anunciados  no rádio.

Por esses dias, sons e vozes da Deutsche Welle    avivaram a lembrança daquelas palavras de admiração  por causa, digamos, de uma espécie de neologismo do vocabulário  alemão, de minha "autoria", em plena Berlim.

Foi no final de uma tarde de primavera. Já instalado no hotel, esperando alguma coisa, sentei-me no imenso hall  bem na frente dos elevadores panorâmicos, de última geração, desses  que    se movimentam somente com a inserção do cartão do hóspede num leitor interno. Quem o sistema não conhecesse  teria alguma dificuldade. 

Sempre havia alguém entrando nas cabinas. Um  ou outro se atrapalhava, mas   logo se via o ascensor subir.  Um casal de idosos, entretanto, ficou a ver o abrir e fechar da porta do inerte elevador. Fui auxiliá-los, demonstrando o modo de usar o cartão,  tudo sem palavras. Mal pensei em dizer algo e, nem sei de onde, saiu-me: "das confuzionen"!...

Acreditei ter dito grande bobagem ou  coisa muito espirituosa, pois ouvi  boas risadas dos velhinhos, certamente compatriotas de Goethe.

Mas se nos hotéis do Século XXI, em terras alemãs, turistas tropeçam em avanços tecnológicos, posso imaginar que, lá no Século XVIII, nada de semelhante possa ter acontecido ao  famoso viajante alemão, o escritor    Johann Wolfgang von Goethe,  em sua peregrinação pela  Itália, entre 1786 e 1788. Mesmo porque  o primeiro elevador de passageiros só apareceria   em 1853, bem depois e longe, tanto das estalagens ao longo dos caminhos peninsulares, quanto das cidades entre o Passo Brenner e a Sicília.

Em sua longa viagem, o grande autor de Werther   anotou em cuidadoso e metódico diário tudo que lhe aconteceu, o que viu e  lhe impressionou  no "solo clássico", como referiu-se ao território italiano. E o ilustrou com  reflexões e  comentários, além de desenhos de paisagens urbanas e rurais, por ele feitos, como se fossem  fotos tiradas pelo turista de hoje.

Anos mais tarde, todo aquele precioso material rendeu   belo livro (J. W Goethe/Viagem à Itália/Companhia das Letras) de agradável e imperdível leitura, mesmo nos dias atuais,   para quem ama o patrimônio cultural, artístico e paisagístico  da  Itália  e admira a obra dessa importante  figura  da literatura alemã e do Romantismo europeu.

E, por certo, o viajante   Goethe   não terá sofrido na  pousada  do "Signor" Moriconi, em Nápoles,  em maio de 1787,    constrangimento semelhante ao que passou certa turista ítalo-mexicana em hotel de Praga, e logo na manhã da partida para Berlin, em outro maio,  o  de 2005.

O micro-ônibus pronto para sair, mas não estava  Maria Teresa,  senhora distinta e cordial,  alta  e elegante, - uma mulher "in gamba"- , diriam os italianos, não obstante transitar  pelos seus anos setenta.

Um problema com a porta de seu quarto fora o motivo do  atraso, alguém comentou.

Soube-se, depois, que  Maria Teresa, tendo separado pertences de mão e as roupas do dia, fechou sua mala e tratou de deixá-la no corredor para os maleteiros,  sem querer sair do aposento. Uma dificuldade qualquer exigiu um passo a mais, maior esforço  para  empurrar o objeto. E, ao dar-se conta,  viu cerrar-se a pesada porta,   deixando-a do lado de fora... sem o cartão para abri-la.

Algo banal, dirá o leitor; nada  comparável ao trágico fim de Werther, personagem-título de livro de Goethe. Porém,  Maria Teresa teria desejado morrer ao ver-se, num corredor do Hotel Panorama, em calcinha e sutiã.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bravo!Adoramos
Pedro e Clara Albath

Anônimo disse...

Excelente leitura seu livro "Mínimas Confissões".
Estou recomendando para todos
Lúis Pedro Ledir