sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Quando bacana é o chefe

Da série Casos de Viagens:

Almiro Zago


Primeiro, conheça o seu país, depois os outros. Cansei de ouvir isso. Mas, com bons ouvidos, também escutei a pragmática dica de uma amiga muito viajada:  "enquanto a idade e a saúde ajudarem, viajem pra longe; o perto, fique pra depois..."


Ultimamente, sentindo aquele "depois..." na espreita, calculei que a Irene e eu temos ficado na média dos dois conselhos, porém com parcimoniosa frequência.


Cedo, levamos a sério  o primeiro deles. Ainda em clima de lua de mel, saciamos a curiosidade de conhecer boa parte do Brasil. Não fomos no meu Dkw  bordô,  nem de avião, nem de ônibus de turismo. Viajamos de ônibus de linha com partidas e chegadas em estações rodoviárias, comprando passagens com alguma antecedência ou na hora. E reserva de hotel, pra quê?


As coisas iam bem, tudo cheirando a  descoberta: as paisagens ao longo das estradas, gente diferente, outros costumes. Assim, andamos por Curitiba e o norte do Paraná, pelo  oeste paulista e  São Paulo, Belo Horizonte, a barroca Ouro Preto e  adjacências.


Mas em Brasília... Como era  linda a noite de julho! Ao taxista, pedi para começar pelos hotéis mais em conta. E fomos aos mais caros, também. Nuns e noutros, apenas a antipática frase:  "não tem vaga". Culpa de  um congresso de médicos.


Nem mesmo o famoso e luxuoso  Hotel Nacional nos deu chance.


Salvou-nos Taguatinga, nas imediações. Num hotel com atraente luminoso em néon,  ficamos num quarto razoável. Mas o banheiro... Entrar? Só com  esforço de contorcionista:  a porta trancava em alguma coisa. Box ou banheira? Não usavam. E o chuveiro, muito original: bem em cima e  na direção do vaso sanitário...


Já de manhã, tomamos a grande decisão, pois o Rio nos esperava: encontrar  um bom lugar em Brasília ou ir embora.


Fica chato admitir, mas  coisa pior já me havia acontecido no Rio de Janeiro.


Hospedados num confortável e econômico hotel,  estivemos numa excursão para torcer pela  representante gaúcha, uma caxiense, no Concurso Miss Brasil 1969. Nem adiantou, a  Vera Fischer venceu.  


Bom, a serviço, voltei ao Rio no mês seguinte. Faceiro, sem  reserva de hospedagem,  fui ao mesmo lugar por nada. Já cansado das negativas dos hotéis da ainda charmosa Cinelândia, conformei-me em parar numa espelunca, pagando adiantado. No que seria o único quarto disponível, notei que era de vidro transparente a parte superior de uma  parede, deixando-me na vitrina   para quem descesse  a escada do corredor.


Larguei a bagagem e saí. Sem encontrar táxis, às onze da noite, ruas desertas,   andei umas dez quadras  até a Cinelândia. Exausto,  revisitei os mesmos hotéis. E, no Senador, passados três segundos da negativa, da voz do gerente saiu: "fulano, dá pra ele a reserva técnica..."


Todavia, naquela manhã em Brasília,  um atencioso taxista  foi  repetindo o infrutífero  roteiro da noite anterior. Eu, colecionando frustrantes respostas.


E o Hotel Nacional? Sim,  o mais chique  e muito mais salgado, ou  pior,   longe das minhas possibilidades.


Cheguei no ambiente requintado, os homens, "comme il faut", de terno e gravata, e este provinciano em manga de camisa,  calças  jeans   e  cara de constrangido.


Nem é de acreditar: o "Sinto muito, não temos lugar", do recepcionista mereceu imediato desmentido do seu chefe:


- Vê  o número tal...pra ele.


Contente e esquecido do preço,   fui avisando que iria buscar minha mulher. Mas o dito chefe, coçando a cabeça,  examinando  minha indumentária, bem do jeito de  "não vá dizer que  não te avisei" -  advertiu:


- A diária é  cento e dez Cruzeiros por pessoa, viu?!...


Vi. E no bolso, como senti!


Está certo, Brasília e sua arquitetura modernista valiam.


Já o Governo de então...             


                                             ***


P.S: Mínimas Confissões" na Feira do Livro de Porto Alegre:


Banca da Livraria do Maneco - bem na parte central da Praça da Alfândega;


Banca da Livraria Nova Roma, na Rua 7 de Setembro.                                            

4 comentários:

Anônimo disse...

Seus relatos de viagens são sempre leituras muito prazerosas
Pedro e Clara Albath

Anônimo disse...

Viagens e literatura constituem uma combinação adorável,ainda mais quando encontramos literatura de verdadeira qualidade como a sua
Liane Marques Souza

Anônimo disse...

Achei excelente seu livro "Mínimas Confissões"Começei a leitura e não queria parar de ler
Túlio Diniz R Silva

Anônimo disse...

Ficamos sabendo
que seu texto foi premiado no Concurso Rovílio Costa,de histórias de famílias italianas. PArabéns!
Pedro e Clara Albath