segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Matinata praiana


Almiro Zago                   

Em certa quarta-feira, perto de meia hora depois do nascer do sol sobre o mar, dezenas de pessoas faziam caminhada pelo calçadão à beira da praia. Andava entre elas, mas, como nas manhãs anteriores,  nada de diferente haveria para observar ao longo do percurso, nem mesmo as reservas das corujas buraqueiras. Entretanto, fui logo desmentido ao passar  ao lado do único quiosque em funcionamento. Sem maior esforço, notei um homem de cabelos grisalhos, uma senhora e dois jovens  sentados à uma mesa, todos em roupa  comum. Bebiam  cerveja, os homens, ainda tão cedo.

E quase ao lado,  um grupinho, gente da faixa dos trinta, também diante de garrafas e copos de cerveja. Conversavam, e uma suave voz de mulher elevou-se cantando qualquer coisa. Pelos trajes, dava para concluir que lá não estavam para curtir a praia.

Seguindo em frente, pude ver, à minha esquerda, dois homens, daqueles que chamamos de moradores de rua. Sentados no chão sobre o meio-fio de um canteiro, maltrapilhos e desdentados, de uma garrafa branca partilhavam a branca cachaça. E um passou a bebida ao outro, apanhou um jornal velho e assumiu ares de quem lê.

E vi mais. Não longe dali, três ou quatro catadores de lixo descansavam sobre um capim ralo debaixo de uma casuarina, perto de seus carrinhos cheios de sucata. E falavam, e riam, enquanto  um deles  folhava um jornal. Com eles, nada de álcool,   nem nada de comer se via.

Pois fui caminhando e refletindo sobre o que vira e sentira, e dei-me conta de que em dois minutos, se tanto, num curto espaço de chão, avizinhei-me da síntese das alegrias e das dores do mundo.

Algum tempo depois, com o sol mais alto,  levas de banhistas de guarda-sol e cadeira já estavam a cruzar o longo calçadão de Capão da Canoa  em busca do  areal na borda do Atlântico. O cenário trouxe-me a ideia de que talvez seja nas areias da praia, no verão, que se pode conferir e admirar a maior concentração de felicidade por metro quadrado. Ao menos  transparece nas expressões de satisfação e alegria. Inclusive no crescente grupo de mulheres e homens extravasando conteúdo corporal da proa à popa,  de bombordo a estibordo. Dir-se-ia em  despudor estético, não pelo estado corpóreo, que mais não é do que uma contingência humana, mas pela  patética desproporcionalidade  entre o volume da massa e a exiguidade das peças, pretensas vestes.

Assumindo o risco de exagero, atrevo-me a dizer que à beira do mar, quando brilha o sol, as dores do mundo são sopradas para o alto oceano, se antes o vento nordeste não as tiver varrido continente adentro, serra acima.
                                                         ***
 17.12.2012

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