Almiro Zago
Em
certa quarta-feira, perto de meia hora depois do nascer do sol sobre o mar,
dezenas de pessoas faziam caminhada pelo calçadão à beira da praia. Andava
entre elas, mas, como nas manhãs anteriores,
nada de diferente haveria para observar ao longo do percurso, nem mesmo
as reservas das corujas buraqueiras. Entretanto, fui logo desmentido ao
passar ao lado do único quiosque em
funcionamento. Sem maior esforço, notei um homem de cabelos grisalhos, uma
senhora e dois jovens sentados à uma
mesa, todos em roupa comum. Bebiam cerveja, os homens, ainda tão cedo.
E quase
ao lado, um grupinho, gente da faixa dos
trinta, também diante de garrafas e copos de cerveja. Conversavam, e uma suave
voz de mulher elevou-se cantando qualquer coisa. Pelos trajes, dava para
concluir que lá não estavam para curtir a praia.
Seguindo
em frente, pude ver, à minha esquerda, dois homens, daqueles que chamamos de
moradores de rua. Sentados no chão sobre o meio-fio de um canteiro,
maltrapilhos e desdentados, de uma garrafa branca partilhavam a branca cachaça.
E um passou a bebida ao outro, apanhou um jornal velho e assumiu ares de quem
lê.
E
vi mais. Não longe dali, três ou quatro catadores de lixo descansavam sobre um
capim ralo debaixo de uma casuarina, perto de seus carrinhos cheios de sucata.
E falavam, e riam, enquanto um deles folhava um jornal. Com eles, nada de
álcool, nem nada de comer se via.
Pois
fui caminhando e refletindo sobre o que vira e sentira, e dei-me conta de que
em dois minutos, se tanto, num curto espaço de chão, avizinhei-me da síntese
das alegrias e das dores do mundo.
Algum
tempo depois, com o sol mais alto, levas
de banhistas de guarda-sol e cadeira já estavam a cruzar o longo calçadão de
Capão da Canoa em busca do areal na borda do Atlântico. O cenário
trouxe-me a ideia de que talvez seja nas areias da praia, no verão, que se pode
conferir e admirar a maior concentração de felicidade por metro quadrado. Ao
menos transparece nas expressões de
satisfação e alegria. Inclusive no crescente grupo de mulheres e homens extravasando
conteúdo corporal da proa à popa, de
bombordo a estibordo. Dir-se-ia em
despudor estético, não pelo estado corpóreo, que mais não é do que uma
contingência humana, mas pela patética
desproporcionalidade entre o volume da
massa e a exiguidade das peças, pretensas vestes.
Assumindo
o risco de exagero, atrevo-me a dizer que à beira do mar, quando brilha o sol,
as dores do mundo são sopradas para o alto oceano, se antes o vento nordeste não
as tiver varrido continente adentro, serra acima.
***
17.12.2012
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