Almiro Zago
Ao certo, ninguém sabe há quanto tempo vivem
eles na vizinhança, mas certeza tenho de que por aqui chegaram bem antes de
mim, embora poucas de suas habitações fossem vistas, até recentemente.
Alguma coisa mudou, pois ao final do
verão, suaves e razoavelmente discretos e pacíficos, já haviam consolidado a
posse de espaços, onde ergueram três moradias.
O outono, passaram em atividade, tanto que
na chegada do inverno já eram cinco as edificações. E sem notícias de
resistência de proprietários, ou pedidos judiciais de reintegração de posse.
Desconfio que os nossos invasores alados contam
com um programa, tipo Minha casa, minha
vida, da Dilma.
Coisa linda é ver da rua os “forninhos” de
barro, em homogêneo estilo arquitetônico, numa espécie de condomínio anexo ao
edifício onde moro. Cada unidade
habitacional, uma por andar, ocupa o ângulo da moldura decorativa, entre parede
e sacada.
Sábios, os furnarius rufus escolheram a
orientação solar norte.
Certificados pelo próprio DNA, os
talentosos arquitetos trabalham em regime de cooperação conjugal, usando
materiais ecologicamente corretos, recolhidos e carregados na ponta do bico. Já
imaginaram as centenas ou milhares de idas e vindas até o final da construção?
Dispensados, claro, de autorização para
construir, autoconcedem-se o “habite-se” ao seu ninho, quando acabada a parede
que separa o corredor da câmara incubadora. Ao contrário deste habitante da
parte de dentro do prédio, são isentos de IPTU, desconhecendo os aborrecimentos
com as contas de água, luz, telefone e, ainda por cima, ignoram taxas ou
despesas de condomínio.
O adorável casal do lado
De acaso em acaso, acompanhei enternecido alguns
momentos do trabalho de um dos casais forneiros, o João-de-barro e sua Joana,
cuja união é para sempre. Quer dizer, sem separação ou divórcio. Ter-se-ia o
Cristianismo inspirado nesses pássaros para afirmar a indissolubilidade do
matrimônio? Ou o contrário?
Empenhado, o jovem par finalizava sua casa
logo abaixo da minha janela. Mas o aparecimento de torrões de barro no peitoril
da abertura denunciava atividade mais acima. Dito e feito: outra obra na base
do andar superior, tocada pelo mesmo casal do andar de baixo. Pelo jeito, a família vai crescer.
Garantindo proximidade, ao escutar um
gorjeio, postava-me, qual estátua, junto ao vidro da janela, ou sacada. Assim,
várias vezes, em diferentes dias, conferi a chegada de um dos pássaros com sua
carga de material de construção na ponta do bico. Pousava perto do “forninho”,
emitia um chilreio de aviso, ficando à espera de que o parceiro liberasse o
ponto para completar sua tarefa.
Se faltava, a cena mais encantadora deu-se
certa manhã, recém-clareado o dia. Pouco afastado, o João, entre um gorjeio e
outro, olha para sua morada, como se estivesse a esperar por alguém. Correm
alguns segundos e sua Joana aparece e a passos calmos vai ao seu encontro.
Amorosamente, ficam juntinhos como se
combinassem um roteiro. Em pouco, alçam voo sobre o arvoredo e as ruas, livres
de estresse e de toda sorte de preocupações que acometem a vida humana.
***
P.S: Em respeito à privacidade dos meus vizinhos, deixo de
apresentar fotos do local, mas clique aqui para ver outros
exemplares do pássaro joão-de-barro em ação.
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