Almiro Zago
Bateu vontade de
escrever alguma coisa e saí a pescar assuntos. Na mídia, falavam de corrupção,
assaltos, matanças aqui perto e no Oriente Médio, diziam de terremoto na
Itália, do impeachment de Dilma Rousseff. Nalgum
canto por aí, dormitaria a motivação para ir ao tema clima político, aliás,
campo onde muitos vivem encerrados nos fortins de suas ideias e posições
impermeáveis, mandando ao exílio palavras como ponderação, diálogo, tolerância
e seus significados.
O olhar na
caixinha de remédio à minha frente, qual bip programado, lembrou-me de algo a
fazer: cuidar de certos sinais emitidos pelas minhas pernas, afinal por elas
sou carregado, narrando pequenas vicissitudes pessoais. Ao menos, salvo ao autor, este texto nada além de chateação levaria
aos leitores.
E, num átimo, emergiu
da memória algo que se passara comigo há algum tempo, um exame visual e crítico
do estado de finura dos membros inferiores, pelas calças disfarçados. Sem aviso, tocou-me a autocomiseração,
mas cessou ao faiscar na mente fugidio consolo: guardavam semelhança, pelos à
parte, com as pernas das modelos. É, sim, em comum, elas e eu exibíamos par de
caniços andantes, a revelar, no meu caso, indesejável magrez, palavra
apropriada, acreditem.
Vai bem dizer
que a esse estado físico, nem mesmo em momentos
depressivos buscado, cheguei em alguns meses, ao largo de regimes
programados ou dietas indicadas. Mas sinta, você que chegou até aqui, andei me
alimentando de tudo o que de saudável apetecia. Entretanto, deixei de prestar
atenção ao essencial: daquele tudo, comia muito pouco.
Deu
nisso a convivência com certo mal sem diagnóstico, daqueles que a ninguém leva direto
à tumba ou à urna de cinzas. Não bastassem desagradáveis manifestações, como
greve intestina, passou a afetar o paladar, reduzindo vontade e prazer de
comer.
Exigiu
minha rendição a realidade, pois alguém que, segundo vozes familiares, já era magro,
perdera quatro quilos e meio. Por sua
vez, o médico, depois de exames disso e daquilo, deixando de lado receituário,
ordenou: trata de comer! Está bem, mas o apetite não ouve ordens, nem se comove
com sorrisos
Ainda bem que a
“repórter” não me viu nessa fase. Refiro-me a certa senhora que se considera
amiga da gente, porém pessoa chata, insistentemente perguntinha. Numa das
últimas vezes que a vi, não tendo a sorte me ajudado a desviar caminho, fui por
ela submetido a um extenso questionário. Começou perguntando pela Irene, depois
pelo filho, interessou-se por minha filha e os filhos dela, os meus netos. A
cada resposta, brotavam pretextos para outras indagações. Tudo deveria ficar
bem esclarecido.
Entretanto,
“memorável” foi o fecho da entrevista:
— E tu, como vais?
— Comigo, tudo bem.
— É,
agora sim, mas uns tempos atrás tu andavas decaído.
Por certo,
ter-me-ia* achado “mais decaído” e chamaria o Samu.
Pois nesse
indigesto processo, senti belo consolo ao notar a economia do dinheiro aplicado
em vinhos. Porque as papilas gustativas só me passavam acidez, o degustar do
néctar dos deuses conheceu o esquecimento. Vi evaporar-se uma das alegrias da
vida.
Em clima de
falsa anorexia, aborrecido era o sentar à mesa, sentindo o apetite descer ao
nível dos sonhos daquelas mulheres que tanto sofrem para perder peso.
Resguardando
minha imagem, asseguro não ter incorporado o hipocondríaco, já o complexo de
vítima nem cafezinho tomou comigo.
Mas aí veio o
sábado de Páscoa. Paramos para almoçar num restaurante de beira de estrada e
para chegar à portaria, caminhei, tendo à minha frente um sujeito idoso, alto e
magérrimo. Às suas costas, imaginário cartaz reproduzia conhecida frase “Eu sou
você, amanhã.”.
Soube, em
momentos, o significado de impressionado, dolorido e triste por dentro. Súbito,
então, em pensamento repetia: não, não quero ficar desse jeito.
Passada uma
hora, talvez, surpreendi-me durante o almoço por quase desconhecida sensação e
sem notar escapuliu-me a frase: como é bom comer quando se tem fome!
Fora o primeiro
passo para recuperação que só viria após deixar de tomar, com a devida cautela,
determinado medicamento.
Aconteceu-me ter
ingressado no pequeno percentual de pessoas que sofrem determinado efeito colateral
de remédio descrito em extensa e tenebrosa bula.
E assim a
melhora foi chegando de mãos dadas com o alívio pelo perecimento do temor de
encontrar certa “repórter” por aí.
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*
Qualquer semelhança com usos de certa figura não
terá sido mera coincidência.
28.08.2016
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