quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cigarro, do ridículo ao trágico


Almiro Zago

Numa bonita manhã de janeiro, pela rua vinha em minha direção, em seus não mais de 16 anos, um adolescente, carregando  promessa de obesidade.
Mas isso nem despertaria minha atenção, não estivesse ele a fumar. E fumava com pose como quem fizesse  grande coisa. Que pena, mais um moço a entregar sua liberdade e sua saúde ao vício, como os alcoolistas e os drogados. E todos os “sabidos” iniciam do mesmo jeito.

Fosse a cena  de 30, 40 passados, dir-se-ia  apenas  de  um guri iniciando-se muito cedo no cigarro, precocemente  buscando  afirmar-se como homem adulto. E assim, muito acontecia à época de minha adolescência.

Entretanto, de uns bons anos para cá — depois de contínuas campanhas de informação sobre os efeitos nocivos do tabaco à saúde humana; das públicas condenações ao ato de fumar; da farta comprovação dos males por ele causados e do impressionante número de pessoas pelo fumo levadas à morte  —  alguém   de qualquer idade começando a fumar faz algo de desmedida estupidez. Ou burrice, mesmo.

Soa inacreditável que, em nosso meio com numerosas e sofisticadas formas de comunicação e circulação de informações, ainda haja tanta gente indiferente a uma das maiores e mais belas transformações acontecidas entre os séculos 20 e 21, que é a posição condenatória da sociedade em relação ao tabagismo.

Esfumou-se a falsidade de todo o glamour sobre o fumar criado pela publicidade da indústria fumageira, tendo principalmente o cinema de Hollywood como seu  grande propagador. Por isso, ultimamente, vendo algum filme antigo — daqueles que assistia na   adolescência ou na juventude — com belas mulheres e galãs, mocinhos e vilões empostados a fazer fumacinha,  tudo me  parece comédia, mesmo em  história dramática.  Que coisa ridícula faziam.

E pensar que, aqui e em todo o mundo ocidental, gerações e  gerações — de gente ignorante a letrados — levaram a sério o  “fica bem” fumar, o “é elegante” o cigarro na boca e aspirar a fumaça  para dentro dos pulmões.

Quase todo mundo achava isso bacana, na minha geração. Professores havia que davam suas aulas com cigarro entre os dedos, embora entre os próprios tabagistas corresse  o dito de  que o cigarro era um cilindro de fumo com uma brasa numa ponta e um idiota na outra...

Ah, ainda havia os charutos e os cachimbos...

Vivi anos na vizinhança do cigarro.  Eventualmente, fumava sem engolir fumaça.

De uma feita, fui presenteado com  um cachimbo e, vez ou outra, o usava. De bom, apenas o odor do fumo na embalagem, pois logo se esvaía no fornilho, inundando  o ar de mau cheiro.  Hoje,  tudo me parece  risível. Vexatório.

Pouco convivo com gente que ainda não conseguiu sua custosa e difícil carta de alforria do tabaco. Fora isso, minha tolerância  com o fumo acabou num voo da Varig de São Paulo a Porto Alegre, em 1978, quando inconsequentes fumadores deixaram irrespirável  o ar no interior de toda a aeronave.

Bem, se o trágico ainda não motiva muitos fumantes a largar o cigarro,  quem sabe se deixem tocar pelo ridículo. 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O insólito numa noite de Natal


Almiro Zago

"Sim, uma festa, mas não seria  a verdade toda,  
como o tempo revelaria."

Fora uma coisa incomum, mas a única não seria daquela noite, a ideia de meu pai levar os dois filhos menores,  meu irmão  e eu  à Missa do Galo.  E à meia noite, na Catedral, o que dava mais fascínio. Aquilo me encheu de alegria, daquela alegria que  só crianças sentem por pequenas coisas. E lá fomos; entusiasmados, os meninos, contido, o pai. Noite linda, e Caxias ainda permitia admirar o céu estrelado. Ah, sendo a noite de Natal, quem sabe aparecesse a Estrela de Belém que guiara os reis Magos. 

Nem sentimos a caminhada e quase sem notar nos vimos subindo as escadarias   da Catedral. Pelo oeste, lado por onde  minha mãe sempre nos conduzia. Tudo era motivo de atração, afinal,  vivíamos a infância, eu aos oito anos e meu irmão aos dez. As luzes da cidade  ainda nos empolgavam, pois nem fazia muito que deixáramos a vida da colônia

Entramos cedo ainda na igreja. E a curiosidade logo nos levou a admirar o presépio, um lugar encantado representando a gruta de Belém,  a manjedoura com o Menino Jesus, as doces figuras  de Maria e José, os reis Magos. Em torno,  as vaquinhas, as ovelhas e os pastores completando a cena bucólica.

No templo repleto, “Noite Feliz” e outros cânticos, como nunca escutara antes, enchiam a atmosfera de emoção.  Ao começar a missa, eu, talvez de boca aberta,    olhava e olhava lá para frente,  curioso, para ver o galo. Ele cantaria?

Mas só se via o padre e o sacristão. O galo não apareceu, nem seu canto foi ouvido. Decepcionante.
 
O sono já emitia seus  sinais, quando tudo terminou. Saindo da Catedral, meu pai nos levou pelo lado contrário ao que deveríamos seguir rumo à nossa casa, para surpresa minha e deu meu irmão. 

Iria ele comprar  alguma coisa para nós?  Passamos na frente  do Varejo Eberle com suas vitrinas  iluminadas, mas fechado àquela hora. Lá nem haveria coisas para crianças. Depois, quem trazia dos presentes de Natal era o Jesus Menino, embora a gente já não acreditasse. Papai Noel nem era nosso conhecido.

E os dois guris  intrigados com o que estava acontecendo, até que o  pai atravessou a rua e passamos a descer a  Borges de Medeiros, que levaria para os lados do estádio do Juventude.

Foi aí que ele explicou. Havia-se enganado, pois tomara o lado errado ao sair da igreja, mas logo iríamos alcançar aquele que deveria ser o nosso caminho.

Fomos andando por vias pacatas, com pouca luz até alcançarmos um trecho de rua com bastante claridade, muita gente parada, — só homens —, em grupinhos, conversando, rindo, na frente de um casarão de grandes portas abertas. Lá dentro, havia mulheres também. Dançavam num ambiente de luzes coloridas, e a música soava muito estranha aos meus ouvidos. 

Perguntei, e meu pai disse  que aquilo era uma festa.

Sim, uma festa, mas não seria  a verdade toda,  como o tempo revelaria.

Pois já estava crescidinho quando descobri que, tendo meu pai errado o caminho,   acabamos por passar no centrinho da zona do meretrício.

Ah, e a música estranha, um tango argentino.

                                                            ***

P.S: A você leitora, leitor o meu afetuoso abraço. E a esperança de que as Festas de Natal ofereçam doce alegria e paz. E esperando que 2012, mesmo passando muito apressado,  lhe  proporcione  felicidade e bem-estar. Ah, claro, sem esquecer uma dose de paciência para seguir acompanhando meus textos. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Quem sabe lá de 2011?


Almiro Zago

Pois 2011 está terminando e eu nem sei por onde terá ele andado.   Sei bem dos invasores resquícios do inverno que estiveram a gelar a primavera. Há pouco admiramos os ipês floridos, depois os jacarandás e as buganvílias, as tipuanas, e, agora, florescem os flamboaiãs; mas os sabiás e todo o passaredo silenciaram as madrugadas.

E foi assim nos outros anos e tudo parece tão recente, de ontem. Nem sou original ao dizê-lo.  Agora, 2012, o ano dois da segunda década deste século, está a bater em nossa porta, e quando nos dermos conta já terá entrado e saído.

Aflige-me a sensação das tantas coisas por fazer e das muitas que nunca farei, enquanto as festas de Natal e de ano-novo com seus doces apelos e os apelos consumistas vão espalhando reboliço, pressa e estresse por toda parte.

Ainda bem que existem as crianças, e com elas convivendo posso deixar do lado de fora as chatices da época, alegrar, renovar e enternecer a vida. Claro, haja preparo físico para a jornada.

Logo, as festanças terão passado, mas com direito a reprise em doze meses, como se tudo tivesse volta. Mas o escoar do tempo biológico, do tempo físico, nos deixa sem escape para a hora da verdade que ele nos inflige sem discrição, sem pena nem consideração. Certamente como tributo pelo simples viver e, talvez, pelas coisas boas que a vida nos deu. Sem desconto pelas dores, sofrimentos, injustiças e tristezas padecidos.

“El tiempo pasa/Nos vamos poniendo viejos/Yo el amor No lo reflejo como ayer” —   cantava Mercedes Sosa.

Eu ouvia, mas nada a ver comigo...

Li o Soneto de Ronsard*, através da paráfrase de Manuel Bandeira, e pensei que era assunto daquela “senhora”, personagem da poesia.

Dia desses, lembrei-me dele. E o reli. Desenxavido, percebi que, sim, era comigo também.

Desconcertante ver como puderam os poetas falar da ação do tempo na vida humana com tanta dureza, em cruéis versos rimados, vindos do século XVI.

Vejam:

“Foi para vós que ontem colhi, senhora,
este ramo de flores que ora envio.
Não no houvesse colhido e o vento e o frio
Tê-las-iam crestado antes da autora.

Meditai nesse exemplo, que se agora
Não sei mais do que o vosso outro macio
Rosto nem boca de melhor feitio.
A tudo a idade afeia sem demora

Senhora, o tempo foge... o tempo foge....
Com pouco morreremos e amanhã
Já não seremos o que somos hoje...

Por que é que vosso coração hesita?
O tempo foge.... A vida é breve e é vã...
Por isso, amai-me... enquanto sois bonita.”

Ocorreu-me, e todos sabem, que o bisturi, o botox e assemelhados ajudam a amenizar a topografia da pele. Porém, para um razoável acordo de convivência com a inexorabilidade do tempo, o melhor remédio, por certo, levaria fortes poções de  amor, amizade e alegria, solidariedade e compreensão, ingredientes em vias de  escassez.  

Quem sabe, neste Natal, peçamos esses bens imateriais ao Aniversariante, que mais dá do que recebe presentes.

5.12.2011

*Tradução livre do Soneto de Ronsard, poeta francês do século XVI, por Manuel Bandeira.