quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A Metáfora da Mala

Camila Canali Doval

Desci do ônibus com a minha malinha e saí caminhando no meio de todo aquele movimento do dia começando. Andei bem abraçada com ela e a bolsa e o casaco, me protegendo do frio, do movimento e do dia. Todos os carros do mundo passando e eu pensando o que será que eles pensam de mim e da minha malinha. Será que eles conseguem distinguir uma da outra? Será que eles entendem a diferença? Será que eles entendem que é ela quem está sempre pronta para partir e não eu?

A minha mala está cheia de coisas necessárias e confusas. Quando eu a arrumo, parece leve. Quando desço do ônibus, ela está pesada. Difícil de carregar. É o mesmo volume. São as mesmas coisas necessárias e confusas. Ela continua pronta para partir. Mas o peso é bem diferente.



Eu desarrumo tudo. Sempre. Nada se mantém organizado ao meu redor ou dentro da minha mala. Onde eu e a minha mala chegamos, o caos se instala. Somos pesadas, nós duas. E cheias. E confusas. Estamos sempre prontas para partir.

Mas não queremos, e isso é o que nos faz mala. Isso é o que nos torna confundíveis e incarregáveis. Isso é o que faz da nossa vida um inferno! Ter que viver prontas para partir, sem nem saber para onde, nem quando, nem como. Só sabemos que partiremos. Nós e nossas coisas necessárias e confusas, das quais não conseguimos nos desvencilhar. Por mais que pesem. Por mais que incomodem todo mundo. Por mais que atravanquem os caminhos. É um tal de jogar o necessário lá dentro pra caso a hora chegue de repente, e fica tudo assim confuso, tudo o que quero levar comigo, tudo o que não quero perder nem esquecer, tudo o que não quero nunca, jamais, sob hipótese alguma deixar para trás. A mala sabe, mas eu não entendo. Por isso ando agarrada nela. Por isso abraço-a bem forte contra o vento. Por isso nos confundem pela rua. Eu não posso partir sem levá-la comigo.

Não posso.

3 comentários:

Anônimo disse...

Camila
Sabe, estou ficando besta. Sobre minhs filhas, Ana, Alessandra e Gabriela, sobre meus netos, Lucas, Felipe e Isabella,tenho justificativas: afinal, são sangue do meu sangue e se eu não me orgulhar delas, então seria um cretino. Sim, eu as amo (os, tem os dois meninos...) e os acho todos, lindos, inteligentes, inigualáveis.
Mas, você Camila que nem é minha filha e eu acho tão fantástica!? Como se explica isso?
Cada vez que leio um texto acho melhor, cada vez melhor.
"A Metáfora da Mala" está, simplesmente, esplêndido.
Um abraço grande
Walter Galvani

mulher de sardas disse...

Uau.

Anônimo disse...

Camila:
1 - Ah, essas malas e seus pertences, e seus desejos contraditórios... Acaso uma não estaria pedindo a outra para descansar coisa por coisa, em boa ordem em cheiroso armário? E pegar o fio da meada, e recomeçar?
2 - Alhures escrevi que essa crônica faria bonito numa página tipo a de Marta Medeiros em Zero Hora. Só pra começar, claro.

Almiro Zago