quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

MINHA TARDE ORIENTAL

Almiro Zago

Quando vamos a algum lugar, quase sempre somos tentados, mesmo inconscientemente, a levar, passar adiante ou a criar estereótipos sobre o modo de ser e as características de sua gente. Pode acontecer que, vez ou outra, carreguem uma pontinha de verdade, mas todo o mais vai por conta da fácil generalização. Só para ficar com um exemplo, quem já não ouviu dizer que os franceses, os parisienses em particular, são mal-humorados ou coisa assim? Pois é, mas de minha parte, em diversos contatos com eles mantidos, aquele lugar-comum não vingou. E disso dou meu fiel testemunho revelando um interessante fato acontecido comigo só para dar bem uma idéia de como podem ser superficiais ou falsos os rótulos que afixamos nos outros.

Adentramos, minha mulher e eu, a uma pequena agência de turismo, às margens do Sena, no Quartier Latin. Ali, a única atendente, mulher de pouco mais de 40 anos, diante do computador ocupava-se com um cliente ao telefone. E demorava porque a pessoa do outro lado da linha era um daqueles tipos perguntinha, querendo tudo nos mínimos detalhes.

Pouco antes, dirigindo-nos ao balcão de atendimento, éramos os únicos clientes, mas, logo depois, ao voltar-me vi que já se havia formado uma fila às nossas costas. E a atarefada funcionária sem conseguir liberar-se do seu chato tele cliente. Mas em dado momento, mostrando-se preocupada com as diversas pessoas à espera, mirou-nos com um expressivo olhar teatral que tanto poderia ser um pedido de socorro quanto - desculpem, vejam só esse sujeito ao telefone não pára mais de perguntar coisas, e vocês aí esperando...

Bem, finalmente, terminou a negociação telefônica e fomos atendidos. Queríamos pouca coisa. Só dois bilhetes para o passeio, daquela tarde mesmo, à casa e jardins de Monet, em Giverny, a uns 70 quilômetros de Paris. Damos os nossos nomes e a mulher ao computador, confiante em sua percepção auditiva, rapidamente tudo registrou, concluindo o serviço com a impressão dos bilhetes. Colocados à nossa frente, enquanto eu providenciava o pagamento, minha mulher observou que o meu nome estava errado. E a atendente, preocupada em não tomar mais tempo com a correção e impressão de outro bilhete, minimizou ponderando que não haveria problema, pois serviria, apenas, de crachá de controle interno.

Mas aí ao apanhar o papel pude conhecer minha novíssima identidade. Passara a ser Nirosago por uma criativa e exótica redução, mais parecendo um nome artístico.
Impregnado pelos bons fluídos da expectativa de admirar as lindas paisagens que inspiraram o mestre do impressionismo, olhei para ela decidido a disfarçar o aborrecimento. Ensaiando um tom compreensivo, acabei concordando:

- Está bem, está bem...

E a atendente, agradecida, exibindo aquele sorriso que vai da boca às orelhas, confortou-me de uma maneira muito original, dizendo:

- Assim o senhor pode dizer que é japonês, não é?

Não pude deixar de achar graça, pois, além do mais, foi bacana ver outra vez desmentido um clichê sobre os parisienses.

Mas, em compensação, passei aquela tarde buscando achar alguma coisa em comum entre a minha cara e a dos muitos japoneses que encontrei no passeio a Giverny.

Sem sucesso, claro.

2 comentários:

mulher de sardas disse...

Delicioso! Li o texto em voz zlta para o meu namorado e rimos juntos.

O Almiro está cada vez mais afiado no humor e a linguagem cada vez mais fluida e gostosa. Amei.

É isso aí, Mecânicos, um detalhezinho divertido do dia tem potencial para virar nada mais nada menos que uma crônica de primeira.

Beijos!

Camila.

Anônimo disse...

Almiro
Você está mais afiado do que nunca.
Continue viajando e mandando crônicas.
Parabéns.
Walter Galvani