quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

junho de 2007

segunda-feira, 25 de junho de 2007

ENTARDECER

Almiro Zago

Vem,
vamos revisitar
antigos outonos,
com a sonata do vento
a soprar os aromas
de frutos maduros,
e sentir o que fomos.

Vem,
a estação ainda demora,
vamos de mãos dadas
andar sobre as folhas caídas
pelos caminhos de outrora.

Ao pôr-do-sol,
das vinhas esquecidas,
uvas tardias colheremos
para suavizar a palavra,
adoçar o olhar
nas horas estremecidas.

Depois,
agasalhados de esperança,
meias de lã verde-mate,
esperemos o inverno
na varanda da memória
com chá de menta
e bolo de chocolate.


terça-feira, 12 de junho de 2007

NÃO POR ACASO

Camila Canali Doval

Não por acaso saí de casa, ontem, na maior chuva, para ir ao cinema. A verdade é que eu já previa uma tarde maravilhosa com a família, só eu e eles, como há muito tempo não fazíamos.

Não por acaso eu e minha família, ontem, éramos apenas quatro. no dia 2 de junho, em uma estonteante noite de inverno em Gramado, meu irmão se casou.

Não por acaso nós quatro, eu, meus pais e minha irmã, sentimos necessidade de estarmos juntos, um dia inteirinho, fazendo coisas deliciosamente banais. Realizando, silenciosamente, um íntimo ritual de despedida.

Não por acaso comemos pipoca, não por acaso olhamos os filhotinhos de cachorros na vitrine da loja, não por acaso conversamos sobre os últimos acontecimentos, planejamos o futuro próximo e fomos sorridentes e carinhosos uns com os outros.

Não por acaso o filme que assistimos não era um romance nem uma comédia, era um filme sobre a vida, sobre os rumos, sobre os caminhos que tomamos, as ruas que cruzamos, sobre as idas e vindas, sobre as ondas de sinais verdes que se propagam, sobre os sinais vermelhos também, sobre como, às vezes, perdemos o controle do jogo e a bola branca inevitavelmente cai na caçapa.

Não por acaso a história do filme falava de separação e fim, de ressentimento e perda, de paralisia e medo, da instabilidade das certezas, da vontade de fazermos sempre e apenas o que dará certo.

Não por acaso no filme tinha amor, muito amor. Amor para tudo ser verdadeiro, amor para segurar as barras, amor para tudo e todos encontrarem o seu lugar.

Não por acaso desde o filme não pára de chover um instante, como em todos os momentos dramáticos das cenas e da vida, e agora não há luz na minha casa, e reencontro , enfim, o papel e a caneta à luz destas velas, reencontro as palavras, reencontro meu pedaço afastado, reencontro o que há em mim que me impele dolorosa e docemente a criar.

Não por acaso a chuva lava as feridas dos últimos meses, a perda do emprego, a perda da confiança, a perda da certeza, o sentimento de rejeição, o medo de estar no lugar errado na hora que nunca foi marcada, a inesgotável fase ruim que só esgota com essa água toda caindo do céu, com esse abraço mudo e apertado na família, com um respirar fundo, com o enfrentamento de uma enxurrada de sentimentos assustadores necessitando de resoluções.

Não por acaso, às vezes, a tacada sai um pouco mais forte do que o planejado e é preciso recomeçar.

Não por acaso, às vezes, a sinaleira entra em pane e precisamos decidir sozinhos se devemos atravessar.

Não por acaso, ontem, assisti ao filme Não por Acaso. Não tem remédio para a alma melhor do que uma obra-prima.

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