quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

agosto de 2007

terça-feira, 14 de agosto de 2007

FAMÍLIA ADOTADA (ou SÓ SENDO MESMO O FILHO DO CORAÇÃO)

Camila Canali Doval

Tem gente que chama melhor amigo de irmão adotivo. Mas não é não. Irmão adotivo é muito melhor.

Eu sempre achei muito bonita esta história de adotar uma criança e amá-la como se fosse filho nascido da própria barriga. Tem gente por aí que não ama nem os filhos da própria barriga. Do próprio sangue. Pois é. É bonito à beça amar uma criança que não foi fabricada por você. Mas, pensando bem, amar uma criança não é um sacrifício. Não é difícil. Não é uma luta. Amar uma criança é amar e pronto. A gente não vive se apaixonando por adultos, que são muito mais complicados? Amar uma criança é, como dizemos aqui no Sul, uma barbadinha.

Complicado mesmo é o lado da criança. Muita loucura ir parar no meio de uma família que você nunca viu. E tem pai e tem mãe e tem avós e tem primos e tem uma porção de gente nova para aprender a gostar. Todos dão palpite, todos julgam, todos acham que podem opinar. Uns gostam, outros não. Uns torcem o nariz. E poucos, muito poucos, fazem igual. A pobre criança tem que ter um coração do tamanho do mundo para entender, aceitar e perdoar tudo isso (graças a essas minhas conclusões, hoje, finalmente entendo porque o irmão adotivo é apresentado como o filho do coração. Na época, cheguei a desconfiar que meus pais não me amassem muito. Coloquem-se no meu lugar: soava muito mais caloroso ser o filho do coração do que o da barriga...).

E o pior de tudo que a criança enfrenta quando cai de pára-quedas em um novo e distinto seio familiar é que, às vezes, na tal da família existem irmãos. Todo mundo sabe como é ruim enfrentar concorrência. Na amizade tem concorrência, no amor tem concorrência, na escola tem concorrência, no vestibular tem concorrência, no mercado de trabalho tem concorrência, na entrevista de emprego tem concorrência, no emprego propriamente dito tem concorrência. Um porre. E lá vai a criança entrar em uma família já formada, com irmão nascido da barriga e tudo. Ô concorrência desleal!

Bem, eu sou uma irmã da barriga. E repito que irmão adotivo é muito melhor que melhor amigo. Amigo a gente escolhe do jeito que a gente quer. Meio parecido, que pensa meio igual, que gosta mais ou menos das mesmas coisas, dos mesmos lugares, dos mesmos outros amigos, dos mesmos tipos de filmes e, principalmente, de namorados bem diferentes. Já irmão adotivo vem totalmente na expectativa. Ele não sabe nada da gente. Ele não sabe se vai gostar da nossa comida. Dos programas de TV que assistimos. Da decoração da nossa casa. Da escola que estudamos. Das roupas que costumamos comprar. Da nossa organização. Da nossa educação. Dos nossos hábitos. Do nosso modo de ver o mundo. Do nosso modo de nos colocar no mundo. Da nossa maneira de amar. Das nossas tradições familiares. Do jeito que a gente é. Irmão adotivo chega tendo que administrar tudo isso e, cá entre nós, não tem nenhuma obrigação, já que nem filho da barriga ele é.

Irmão adotivo é muito melhor que melhor amigo porque - além de amar a gente apesar de todos os pesares - adota até a nossa cara.


domingo, 5 de agosto de 2007

UMA VIAGEM DE AVIÃO

Américo Conte

Você escolhe a empresa, o dia, o horário e o destino. Entretanto a sua capacidade de determinação e decisão ficam por aí. Pois, a locomoção propriamente dita, está ao encargo da aeronave e da tripulação, que fogem a qualquer resolução de sua parte, lhe ocasionando certo sentimento de fragilidade e impotência ao se acomodar em uma das poltronas destes dinossauros voadores, em que eles próprios não podem assumir toda a responsabilidade no comando da operação, porque ainda estão envolvidos a equipe técnica que avaliza a aptidão do aparelho para a viagem, e os controladores de vôo, que da torre de comando contribuem para o pleno sucesso do tráfego aéreo.

Assim também ocorre no cotidiano da existência de qualquer um, por mais que se imagine auto-suficiente e arrote prepotência por simplesmente ocupar algum cargo de chefia ou se encontrar na direção de um departamento, considerando que pelo fato de optar por algum restaurante, esteja decidindo pela sua alimentação, sem levar em conta o cozinheiro e mesmo as pessoas encarregadas de abastecer o local. Valendo-se da mesma premissa para a preferência e aquisição do seu vestuário.

O dinheiro que racionalmente você julga ser o fator determinante na manutenção das suas necessidades, contribuindo para a eficiência e a consolidação no padrão da qualidade pela seleção de suas opções, apenas viabiliza aquilo a que você está incapacitado de produzir. E este padrão estaria seriamente comprometido se você mesmo tivesse que com as próprias mãos confeccionar a sua comida e a sua roupa. Como no caso da grana usada para comprar a passagem não garantir o êxito da viagem, estando fora de sua alçada a segurança do empreendimento, por mais importante que você possa ser.

O fato de se dizer que cada um deve cuidar e atuar na sua área e especialidade, só vem a reforçar e a evidenciar a dependência e a sujeição a que estamos expostos nos outros setores.

Essas pinceladas foram apenas enunciadas para ilustrar com mais ênfase a vulnerabilidade e a pouca significância de um ser no aspecto mais amplo do convívio social.

Embora a física e a aerodinâmica claramente possam nos elucidar a respeito da navegação aérea, mesmo assim, nos resta um certo sentimento de incredulidade a respeito de que esses monstros de muitas toneladas possam flutuar a onze e doze mil metros de altura, cuja velocidade de até 800 km por hora não seja percebido pelos passageiros, muitas vezes ficando a impressão de que estamos parados e o movimento só é denotado pelo intercurso de algumas turbulências.

Pela minúscula janela podemos vislumbrar a magnitude do Planeta que surge superlativamente absoluto, mesmo apreciado em pequena parcela, reduzindo a dissolutas dimensões as estradas e os prédios das cidades, tornando parvos os ensejos de chauvinismos e bairrismos que perdem a noção do todo.

Se o vôo de uma nave gigante decodificado pela ciência nos deixa com uma "pulga atrás da orelha". O que dizer ou pensar desse planeta que aparentemente imóvel, também está solto no espaço e sabe-se lá a que velocidade, rodopia e movimenta-se pelas imensidões incomensuráveis.

Será que os maremotos, terremotos e vendavais são sintomas das turbulências do seu transcurso?

Toda essa magistralidade do planeta, certamente ficará irrisória se pensarmos em termos de galáxia, onde se torna latente a mesquinhez de nossa realidade.

Em uma pequena viagem de avião, não posso evitar que essas reflexões se apoderem do meu cérebro, e fico a imaginar o que estariam a pensar os outros companheiros da mesma jornada aérea.

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