domingo, 6 de maio de 2007
QUANDO ALGUÉM PARTE, MAS AINDA FICA...
Isabel CCarvalho
É esta sensação que tenho sobre a ausência física e a presença afetiva de minha filha. Ela mudou-se há quatro meses para outro país e o cenário de despedidas durou um longo período, pelos trâmites da papelada consular e pelo seu próprio processo de ruptura com um cotidiano preestabelecido. Nossos recentes dez meses foram de instabilidade, ansiedade pelas expectativas dela em casar-se, concluir uma especialização, pedir demissão de um emprego, vender um carro, despedir-se de parentes em outros estados brasileiros e o mais difícil: descobrir quais os pertences que deveriam entrar neste futuro imediato. Isso fez parecer eterno a seleção da sua bagagem nos limites exigidos pela companhia aérea de no máximo dois volumes, de trinta e dois quilos cada, como também mostrou sua fragilidade ao ver sua vida inteira em duas malas!
Como amiga pude apenas torcer para que ela somasse sessenta e quatro quilos de artigos pessoais e como mãe esforcei-me para lhe dar coragem, além de entusiasmo e apoio por suas novas escolhas.
E ela "Fui"...
Quando voltei do aeroporto para casa, deparei-me com sentimentos nunca experimentados. Parecia que ela não havia embarcado, tal a maneira inusitada como deixou coisas suas esparramadas pelos ambientes. Ao invés de cair em prantos, eu não conseguia parar de rir ao ver o espírito dela acontecendo ali, alijado, como um rabo de lagartixa cortado e serelepe.
Havia sandálias e brincos na sala, lingeries penduradas nas torneiras do chuveiro; frascos de perfumes abertos nas estantes; bolsas nas cadeiras; secadores e chapinhas de cabelo sobre a cama. O teimoso pedacinho de creme dental, que sempre cai de nossas escovas de dente ainda escorregava pela pia. Roupas dela esvoaçavam no varal enquanto caixas abertas de cereais aguardavam novos desfechos. Barras de chocolate permaneciam sobre livros de leituras inacabadas e caixinhas e mais caixinhas, dentro de outras caixinhas, denunciavam as manias dela. O mais engraçado e surpreendente ainda estaria por acontecer no micro pessoal.
Com a foto dela estampada no vídeo, percebi o computador ligado, sem qualquer remoção de senhas ou configurações para evitar "download" de e-mails, mensagens ou chamadas telefônicas que continuavam a chegar, como se ela tivesse ido ali, na esquina. A Prata, nossa cocker, me olhou meio debochada, como se nada de anormal tivesse acontecido e com trejeitos de altivez e superioridade parecia dizer que eu deveria me acostumar ao novo modelo 2007, virtual, de convivência com minha filha.
Ainda estou me adaptando à rotina do "sem ela" e "com ela", pois fiquei com a missão de cuidar das bagagens que estão no compasso de espera para embarque, a qualquer momento, imediato! E este convívio com as coisas dela me faz muito bem.
Hoje perseguimos nossos encontros, imagens e falas pela internet. Driblamos fusos horários para conseguirmos cumprir uma agenda de trabalhos que nos propusemos a dar continuidade, independente do local onde cada uma estiver. E fico impressionada com a tecnologia que nos permite ficar num clicar de teclas uma frente à outra e com tanto realismo.
Não quero vivenciar a chamada "síndrome do ninho", quando os filhos vão embora e os pais ficam sozinhos. Hoje muitos pais soltam foguetes quando seus rebentos, e alguns já bem grandinhos, alçam vôos, pois acreditam que se os filhos ficam muito tempo no ninho correm o risco de não saberem mais voar.
Sinto falta de minha filha e já me peguei trocando o nome da Prata pelo nome dela, o que faz a nossa cooker supor dissimulada que agora é a legítima sucessora do reino.
Vivenciei através de minha mãe e familiares, o sentimento triste das perdas dolorosas de filhos, por tragédias ou desamores, sem qualquer possibilidade de contato ou retorno. Mas hoje experimento uma partida feliz, pois minha filha foi em busca de realizações e hoje me conta sobre estes novos horizontes.
E apesar da saudade, e do choro que teima em chegar sem permissão, sinto-me encantada com esta descoberta tão especial que me remete a "quando alguém parte, mas ainda fica...".
* Isabel é uma Mecânica-mamãe-coruja, que comemorará este Dia das Mães via internet com sua filhinha. Nós esperamos que essa nova fase, toda de saudades, renda muitas outras crônicas lindas e deliciosas como esta.
FELIZ DIA DAS MAMÃES!!
quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
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