quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

julho de 2007

segunda-feira, 30 de julho de 2007

E quando a gente não parte e tem que ficar...

Isabel Cristina CCarvalho

E conviver com aquele tipo de situação que nos deixa com lembranças amargas e ainda nos faz perguntar: - e agora, como é que eu fico?

Foi o que senti no momento que eles decidiam se me davam ou não um tiro enquanto fugiam cinematograficamente com o meu carro; atropelando um jovem motoqueiro na esquina e me deixavam na calçada com um grito de pavor que ecoou pela avenida inteira.

Eu não me lembro do grito, mas jamais esquecerei o olhar de ódio de quatro assaltantes, com armas em punho, que cercaram meu carro em câmera lenta e numa cena tão absurda que eu só encontro justificativa na célebre expressão "por obra do destino".
Não me agrediram... Ou me agrediram? Nem sei como classificar um relato assim, mas um deles envolveu-me pelo pescoço, enquanto encostava a arma no meu rosto e apertava minha mão direita para que eu soltasse as chaves do carro, que inconsciente as mantinha comigo.

Faziam agitados, afobados, tantas perguntas que eu só conseguia olhá-los naquele estado de calma que surge no horror, sem responder ao que queriam.

Lembro-me apenas de repetir, sem parar a expressão "não, por favor,"; "não, por favor,", "não, por favor," enquanto, chocada, decifrava os significados das intuições que me inquietaram nos dias anteriores.

E não parti, fiquei. Fiquei completamente assustada, sem conseguir dormir pelo resto da noite, da madrugada, pelos dias seguintes e nestes que chegam aos poucos e que me fazem lembrar que estou viva, que a vida continua e que, além de agradecer aos céus, preciso reagir e me organizar.

Mas não é fácil ficar tranqüila com a mente em ebulição projetando as conseqüências de um assalto que não roubou apenas bens materiais mas também minha serenidade.

E agora parto, mesmo sem sair do lugar, para reflexões sobre meus valores, sobre o meu próprio sentido de existência e sobre as coisas boas que surgem com esta experiência.

E torno-me tão solidária quanto uma estatística aos que já passaram por isto, muitas vezes em piores condições e nem sempre tão poupados ou ilesos.

E agora, como é que eu fico?

Eu fico bem, inteira e com a descoberta de que o meu carro não era, mas meu coração sim, blindado! O ódio deles não me contagiou e não tenho mágoa alguma. Minha tristeza é não conseguir mudar o mundo para melhor.

Tive uma curva infeliz ao chegar ao meu portão de garagem, mas depois fui socorrida pela minha família, meus amigos, meus vizinhos. O motoqueiro teve um cruzamento infeliz e depois foi socorrido pela polícia.

O carro eu resolvo com o seguro. Documentos, bens, levam tempo resolver, mas recupero.
Já os marginais, lastimo, são dignos de pena, pois são párias que transitam na realidade de uma estrada sem partida, sem fiscalização, sem chegada, sem sinalização.

Um precipício sem retorno.

Sem socorro.

Sem fim.


quinta-feira, 19 de julho de 2007

E DE REPENTE...BUM.

Camila Canali Doval

E de repente o avião caiu. No caso, bateu. Ainda mais surpreendente, ainda mais aterrador. De repente, viramos todos um só. Um único sangue, um único parentesco, um único laço unindo todas as pessoas ao redor da tragédia. Porto Alegre ficou pequena na tragédia. Porto Alegre virou uma vila. De repente, todos nos conhecemos, todos temos alguém ou alguém de alguém dentro do mesmo avião.

Passei a noite escutando as notícias. Acordei e sigo escutando as notícias. Gritei no guichê da TAM exigindo informações. Listas. Nomes. Nomes que não quero ouvir. Sou um cidadão desesperado. Acompanho corpo por corpo que é retirado dos escombros. Sou um bombeiro. Acompanho cada reconhecimento. Sou um funcionário do IML. Olho para os cadáveres. Choro por todos como se fossem meus. E são meus. Viajo até São Paulo junto com os parentes das vítimas. Também eu sou parente das vítimas. Sou humana como as vítimas. Só que eu sigo existindo.

As causas do desastre serão investigadas. Algumas evidências deixaram de serem evidências para serem como as sinalizações de uma pista de pouso. Elas piscam, vibram, reagem. São de todas as cores e de todos os brilhos. Impossível não serem vistas. Elas começaram há dez meses atrás. Elas caíram dos céus junto ao avião da Gol. Elas vieram em desgovernada carreira e trombaram com o prédio da TAM no aeroporto de Congonhas. Que foi há pouco reinaugurado. Que não estava em condições. E onde estão os responsáveis? Bem, as causas ainda serão investigadas. É como se ninguém fizesse idéia. É como se fosse coisa do destino. É como se uma pista escorregadia fosse culpa pura e simplesmente do tempo. De Deus.

Estou até contente que o Governo ainda não tenha se manifestado. Seria cruel demais escutar depoimentos de gente que não sabe de nada. De um Presidente da República que tem chilique em público para mostrar serviço. De um presidente da Anac que aprendeu o que é aviação civil como presidente da Anac. De uma INFRAERO falida de moral. De uma ministra que merecia relaxar e gozar no inferno.

Porto Alegre, a grande Porto Alegre, ficou pequena de repente. Éramos tribos, éramos raças, éramos partidos, éramos religiões, éramos diferentes intelectualidades, éramos uma cidade e tanto movida por uma pluralidade intensamente enriquecedora, mas que, de repente, ficou pequena, bem pequena, do tamanho de um abraço. E nós, povo, ficamos ainda maiores. Como sempre ficamos diante do que escapa do controle de nossa humilde capacidade de compreensão.

Esse texto fala de Porto Alegre, mas Porto Alegre representa o Brasil - com exceção dos responsáveis pelo "acidente". Estamos à mercê dos "acidentes".

Esta Mecânica manifesta o seu profundo pesar por todos nós.

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