quinta-feira, 26 de outubro de 2006
O AVISO
Karen Scopel
Naquela noite, cheguei no horário de sempre e pude ver, já do portão, um aviso fixado na porta de entrada do edifício. O que seria desta vez? Alguém teria esquecido a porta destrancada ou feito barulho até tarde da noite?
Para meu espanto, não se tratava de nada disso. Era um aviso de utilidade pública para as mulheres, para todas as moradoras e quantas mais elas conseguissem avisar. Um tarado estava à solta no bairro e atacando em plena luz do dia, tendo sido, uma das vítimas, a autora do recado.
Em um primeiro momento fiquei confusa, precisei ler o texto mais de uma vez, pois havia sido escrito sem o menor cuidado com as palavras, como se elas fossem um punhado de cartas embaralhadas. Depois, não pude conter o riso ao imaginar a cena, aquela mulher sendo perseguida pelas ruas de nosso bairro, extremamente movimentadas no horário em que o tal ataque quase ocorreu, por que, pelo que li, houve apenas uma perseguição por parte do suposto agressor.
O pensamento que tive, após imaginar tal cena, foi de quem teria coragem de perseguir esta mulher com fins sexuais, ela não chamava a atenção pela beleza de suas formas, muito menos tinha um quê de simpatia estampado em seu rosto, pelo contrário, seu olhar é duro e sua maneira de se dirigir às pessoas, grosseiro. Mas, o tarado, com certeza, não fazia idéia de nada disso.
Havia pretensão e coragem em suas palavras ao afirmar que um homem corria atrás dela para seduzi-la ou coisa pior. Talvez fosse apenas uma fantasia e o pobre rapaz, que andava tão próximo, na mesma calçada, sequer havia percebido sua presença. O aviso, assim, à mostra na entrada do prédio parecia mais um pedido de socorro do que um alerta para as outras mulheres. Acho que ele foi dirigido a uma única pessoa que, quem sabe não a veja mais como ela gostaria de ser vista, não a perceba mais como uma mulher com suas fantasias e desejos.
Afinal, ela não parece ser do tipo que faz declarações de amor, que adoça a voz e é capaz de pedir um beijo. Suas demonstrações de afeto são comedidas, atrapalhando-se no momento de um abraço sincero, confundindo gestos de amor com sinais de fraqueza.
Grande engano comete esta mulher, no amor não há fracos ou fortes, somente amantes que têm força juntos e que sós, enfraquecem.
São tortos os caminhos, muitas vezes para chegar a um lugar, damos voltas e voltas, dificultando um percurso que seria simples se tivesse sido seguido em linha reta. Este aviso foi um caminho tortuoso para chegar como uma flecha e atingir um coração. Não sei se ela acertou o alvo ou o destruiu para sempre, fica difícil saber, aparentemente, nada mudou, seu olhar continua duro, seu caminhar decidido e suas palavras tristes.
Pobre mulher. Pobre em palavras, por ter escrito de forma tão confusa sua carta de amor. Pobre em sentimentos por me fazer sentir somente pena, pena por ela ser assim.
segunda-feira, 23 de outubro de 2006
FANTASMASIAS DE MARIA
Américo Conte
Maria pensava em ser cantora,
não tinha voz.
Quem sabe então, ser atriz?
Faltava o Xis.
Pintora? Nem de abstrato.
Escritora? Melhor lavar prato.
Para ser santa
tem que ser anta.
Oficial das forças armadas?
Insensível a patriotadas.
Médica, Pedagoga, Dentista?
Nem jeito para repentista.
Atleta, Política, uma Altruista?
Acabou como balconista.
Para ser alguma coisa
é tanta chatice e exigências,
Ela queria só desfrutar da vida
sem ninguém a torrar sua paciência.
Achou melhor fazer um filho
e transferir suas pendências.
Seria tudo uma maravilha
se não fosse outra armadilha.
Acabou todo o seu sossego
sem ter tempo ao arremedo
Passou anos assim envolvida
com merda, mijo e comida.
Quando acabou a infância
pensou respirar tranqüilidade,
vieram os problemas da adolescência
repletos de indecências.
O que um dia ela sonhou
os filhos não iriam retribuir,
não foi nada do esperado
o mundo a enganou um bocado.
Mas quando surgiram os netos
voltaram novas as esperanças,
Os ideais que por ela, seus pais e filhos passaram ilesos,
certamente eles manteriam acesos.
Maria sofria dessa ansiedade
de se sobrepor na sociedade.
Os netos riam de sua conduta,
A velha estava era caduca.
sexta-feira, 13 de outubro de 2006
Mais uma da série FANTASMAS...
Um Fantasma em Carne e Osso
Américo Conte*
Vários anos após a minha formatura, quando voltei a passeio ao prédio da faculdade, onde por dez semestres consecutivos, estive engajado no curso de Comunicação Visual, pensando, quem sabe, encontrar algum ex-colega que por lá se mantivesse dando seqüência nas disciplinas atrasadas (pois, alguns faziam pouquíssimas cadeiras por períodos, ou trancavam suas matrículas pelas mais diversas razões) ou então, talvez avistá-los empenhados em um novo curso.
Enfim, acho que gostaria até de simplesmente rever o local por onde passara cinco longos anos de minha vida, atribulado a enfrentar vários sufocos, em que por vezes todo estudante se exaspera.
Neste passeio, creio que obtive a exata sensação de como um fantasma se sentiria, revisitando os lugares por onde viveu.
A principio percebi que as árvores que circundavam o prédio, estavam bem mais crescidas. Este porém, continuava o mesmo. Com as mesmas partes de paredes descascadas e encardidas, com aquela eterna falta de verbas para pintura e restauração. Os vasos de flores no saguão, as escrivaninhas nas salas de aula e as estátuas e os quadros nos corredores, só não continuavam os mesmos, como permaneciam nos mesmos lugares.
Os elevadores e demais dependências regurgitavam de rostos desconhecidos, fazendo um alarido ensurdecedor, com debates e contestações sobre disciplinas, cujas algumas eu já tivera os meus percalços, e que agora dissimulava com risinhos, as gargalhadas sarcásticas que por dentro me divertiam.
Percebia semblantes novos e curiosos que vasculhavam tudo ao redor, com uma excitação de calouros. Caminhava e passava por aquelas pessoas, sem encontrar nenhuma cara conhecida. Também não encontrei nenhum ex-professor. Muitos, aliás, já estavam por se aposentar. O mesmo acontecia com as senhoras da secretaria, onde não reconheci ninguém. Ninguém parecia me perceber, e jamais imaginavam que eu, por cinco anos, estivera nestas mesmas salas de aulas e oficinas, tão empenhado, tanto como eles agora pareciam estar. Enfrentando essas mesmas similaridades de problemas e condições.
Esbarrava-me e cruzava com indivíduos, cujas feições iam bem além de simplesmente me ignorar. Pois, para eles eu não existia.
Observava-os a tomar posse e disputar cadeiras, escrivaninhas e postos que outrora me pertenceram, e que meus colegas respeitavam. Tudo agora me surgia muito cômico e inócuo.
Percorri durante algum tempo, várias dependências, sem absolutamente trocar uma única palavra com alguém. Por incrível que pareça, estava completamente desprovido de saudosismos. Apenas, deveras curioso com a nova situação em que se me apresentava.
Numa troca de período, em que os corredores abarrotados, resplandecente de olhares afoitos a dirigirem-se a outras salas, repletos de expectativas; tive imensa vontade de interferir e acabar com aqueles debates e confrarias, impondo a minha presença, aos gritos, de eu estou aqui! Eu também sou ou fui um de vocês!
Tenho a certeza de que todos ficariam estáticos e horrorizados. Não como a observar um louco ( que isso lá não passa de um adjetivo). Mas, sim, a apreciar um verdadeiro fantasma que acabava de se personificar.
*Américo Conte por ele mesmo:Sou Américo Conte, nascido sob o Signo de Touro, com Ascendente em Áries e Lua em Capricórnio, amante em primeiro grau das Artes nas sua mais diversas manifestações, como a pintura, desenho, cinema, teatro, poesia, literatura e a música em seus mais diversos estilos e ritmos. Amo os animais, de preferência os mamíferos e as aves. As plantas também estão em minhas mais altas considerações. E, as pessoas, é lógico que não gozam do mesmo prestígio, a não ser aquelas humanizadas e de boa índole e caráter. As opressoras, mal intencionadas, dissimuladas e intransigentes, eu quero é distância. Coloco aqui aspectos suficientes para vocês terem um bom conhecimento a meu respeito, bem mais do que aqueles registros sociais que nada elucidam. Sem mais desejo sucesso e felicidades a todos que de uma certa forma se identificarem comigo.
terça-feira, 10 de outubro de 2006
ENCONTRO
Foi "tri" legal o encontro dos Mecânicos na última quinta-feira. Fomos ao Studio Clio e assistimos Ruy Carlos Ostermann entrevistar Sérgio Faraco, escritor gaúcho e um dos grandes contistas brasileiros, que provocou risos na platéia ao dizer que faz rascunhos até de seus mails. Ele nos encantou principalmente com comentários acerca de seu livro, Lágrimas na chuva, onde relata sua experiência na ex-URSS e sua prisão, quando voltou ao Brasil, durante a ditadura.
Estava lá também o patrono da próxima Feira do Livro de Porto Alegre, Alcy Cheuiche, que contribuiu com seu depoimento sobre os fatos narrados por Faraco.
A canja musical foi da maior qualidade. A gaúcha Adriana Deffenti, acompanhada de Angelo Primon e Marcelo Corsetti, fechou a noite em grande estilo.
terça-feira, 3 de outubro de 2006
CAÇA-FANTASMAS, EU?
*Almiro Zago, no momento, em Paris.
Um dia desses, espiando a programação de cinemas e televisões, vi que histórias em volta de fantasmas e aparições, casas ou castelos mal-assombrados ainda rendem assunto para muitos filmes. E, mais que isso, empolgam espectadores em todo o mundo. Bem, para mim, um desses temas nem deu tanto. Apenas esta crônica, quem sabe, não menos fascinante, embora nem seja recente.
Mas, duvido, e faço pouco, que alguém já se tenha defrontado com um fantasma como aquele que, certa vez, me apareceu.
Vi coisas semelhantes em filmes, ouvi intrigantes casos, mas nada se iguala ao meu contato pessoal e imediato com perturbadora criatura. Como se sabe, há sempre alguém vendo fantasmas por aí, como também, há lugares mais propícios para o seu aparecimento. As áreas de quartéis, por exemplo, pelo menos ao tempo em que eu fiz o serviço militar. Sempre havia um soldado, um cabo ou até um sargento, contando um caso e apontando um ponto de aparecimento da alma de um que se matou em serviço. A bem da verdade, nos meus turnos de ronda, noite adentro, nunca vi fantasma de soldado morto, nos lugares indicados. Mas em compensação, vi um outro, e por pouco não lhe passei fogo. Ainda que viva cento e vinte anos, nunca esquecerei tão arrepiante episódio.
Pois bem, foi da última vez que dei serviço de ronda que tudo aconteceu. No meu período, devia vigiar o paiol de munições e algumas instalações de marcenaria e granja, ligados por uma alameda, costeando uma suave colina. Percorria esse caminho, de uma centena de metros, em monótonas idas e vindas. Ao alto, no extremo oposto ao paiol, à direita de quem chegasse, havia o barracão da marcenaria com uma lâmpada, perto do beiral, iluminando o ambiente próximo.
E lá pelas três horas, madrugada fria, de mosquetão a tiracolo, atento a tudo, aproximei-me da marcenaria. Em dado momento, olhando para frente, vi, a uns trinta metros de distância, um homem de botas altas, vestindo casacão escuro, levando à cabeça um chapéu no mesmo tom. Encostado a um chiqueiro, esgueirava-se como quem não quisesse ser visto. Sem pestanejar, apontei e engatilhei a arma, e fui gritando: alto lá, não te mexe, senão atiro! E fui seguindo com os olhos fixos na figura. Para meu espanto, de repente, a imagem desvaneceu-se. Mas era um homem, podia jurar, repetia para mim mesmo entre perplexo e assustado.
Procurei conferir tudo à volta, nada via de diferente, tudo quieto. Ainda temeroso, comecei o caminho de volta, mas em certo instante, voltei-me para rever o lugar da aparição. Fiquei lívido. Não é que a figura lá estava e na mesma posição? Tornei a apontar e a engatilhar o mosquetão, e, engrossando a voz para simular coragem, renovei a advertência. Fui avançando e, depois de uns dez passos, a aparição sumiu outra vez.
Bem, a coisa não podia ficar assim. Voltei a fazer o mesmo roteiro, a passos mais lentos, com a calma possível. Aí, pude perceber que a figura reaparecia e suavemente sumia, como que a zombar de mim. Uma explicação deveria existir. Comecei, então, a desfazer o mistério pela observação objetiva, começando por um chiqueiro desativado, pintado de branco. Sua portinhola, completamente aberta, observei, encostava na parede, mostrando sua face de dentro, suja e escura. Era essa parte que tomava forma de casacão. Coincidentemente, abaixo da portinhola, havia um pilar, delineando canos de botas. E, ao alto, uma coluneta com uma trave fazia, no claro-escuro do lugar, o desenho do contorno da cabeça com chapéu. Esses elementos combinados resultavam, a certa distância, na impressionante imagem do homem de botas, casacão e chapéu. Surgia e desaparecia na penumbra, de acordo com o ponto em que se encontrasse o observador. E lá se foi a figura! Hoje, porém, sinto-me um tanto arrependido de ter esclarecido o episódio, pois, sem faltar com a verdade, não posso contar a ninguém ter visto um fantasma.
*Almiro Zago por Almiro Zago: Sou, apenas, um caminhante.
Pedi pouso aos "Mecânicos da Palavra"
só para me encantar com os novos caminheiros
que vieram se agregando ao longo da estrada.
domingo, 1 de outubro de 2006
Por que eu vou de Lula
Marco Antonio Poglia*
Gostaria de ter estreado no blog falando sobre o aprendizado e a satisfação proporcionados pela oficina, mas acabei exercitando-os de largada. Às vezes o assunto se impõe. Afinal, esse foi um dos aprendizados. E no caso agora, quem rouba a cena é a política. Também aprendi que não falar de política também pode ser falar de política. Então, paciência, não temos como fugir.
Têm-se utilizado muito do moralismo - oportunista, diga-se de passagem - para tentar impedir a reeleição do presidente Lula, pelo menos em primeiro turno. A última foi na tal compra do dossiê, que todo o globo quer saber como foi comprado, sem se interessar pelo que continha. Ora, punição dos responsáveis a parte (e em vala comum!), é preciso levar em conta em que condições atiram-se as pedras.
O argumento de que Lula deve deixar o planalto por alimentar a corrupção no Brasil, juntamente com o de que Lula somente aprofundou as práticas tucanas, pertence à mesma categoria que a defesa do geocentrismo, onde todos podem ver por si mesmos que o sol e as estrelas se movem e que a Terra permanece parada. Às vezes é preciso buscar a visão do alto da colina. Copérnico já enfrentava essas dificuldades.
Em entrevista concedida no ano de 2000, o economista Celso Furtado já profetizava a ausência de margens de manobra na hipótese de uma eventual vitória de um governo de esquerda no Brasil. Isso devido à política econômica apoiada na venda das estatais brasileiras realizada nos anos FHC, e que se pretendia retomada por Geraldo Alckmin numa eventual eleição, hipótese que parece já descartada pelo povo brasileiro.
E há, sim, um preconceito social existente em relação à figura do presidente Lula, oriundo de um "senso comum" da supremacia da cultura diplomada. Um preconceito de classe em relação a um operário que chegou ao poder de um país historicamente dominado por uma elite que hoje se sente ameaçada devido ao início de um processo de transferência de renda, que já chega tarde num país que ocupa a posição de vice-campeão do mundo no quesito concentração de renda. Como bem colocou Luís Fernando Veríssimo em sua coluna, trata-se de um processo "falho e insuficiente, mas inédito no país".
Ainda temos a taxa de juros mais alta do planeta e destinamos muitos bilhões de reais por ano para os nossos credores, na maioria bancos, por causa disso. E muitos outros bilhões (inclusive os que deveriam estar na previdência - alguém tem visto falar em previdência?) são utilizados para compor o chamado "superávit primário", que este governo vem mantendo em estrondosos 4,5% do PIB. Aliás, este ponto talvez seja o principal viés do governo Lula, mas passa isento de crítica pela grande mídia. Por outro lado, deve-se levar em conta que estamos com a menor taxa de juros em mais de trinta anos e que o candidato tucano pretende quase dobrar o superávit primário com a política liberal de "déficit nominal zero" do doutor Delfim Neto.
Embora tenha ficado devendo, não podemos esquecer que não elegemos um "Sassá Mutema", e sim um presidente para administrar por quatro anos um país completamente amarrado às práticas do neoliberalismo da década de noventa. Ou se esperava o quê de um presidente que já se elegeu coligado com o PL e comprometido com o FMI, a revolução comunista?
*Marco Antonio por Marco Antonio: Eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas, caminhado meu caminho...
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
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