quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

novembro de 2007

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O QUE FOI FEITO DOS SONHOS

Camila Canali Doval

A violência nos corrói. Não somos nós mesmos; somos o medo. Não podemos agir conforme nossos instintos, correr pelas calçadas, devanear pelas madrugadas, voltar a pé para casa, ficar de bobeira bem no meio da praça. A violência nos corrói aos pouquinhos, tolhendo nossos passos, impedindo nossa plena existência. Viver é um risco e sentimos medo.

Todos nós sabemos que o fim está inevitavelmente na morte. Mas, em nossos planos - aqueles planos que vivem na herança genética e no inconsciente coletivo - a morte está realmente no fim, na última página, no momento em que o corpo cansa e pede água: a velhice. Morrer velho, pleno, sereno. Não mais um plano; um sonho.

Queria morrer velha. Queria que minhas pernas fraquejassem, que o meu coração falhasse, que a minha mente retornasse à infância para que a minha última lembrança deste mundo fosse um imenso e divertido play ground. Não lembraria de nenhuma dor que vivi, não lembraria nem de quem amei, só pensaria em o quanto é delicioso ficar assim, ao sol, balançando as pernas no ar.

Sonho. Morrer velha é um sonho que acalento com ardor. Que meus pais morram muito velhos, que meus filhos morram muito velhos e muito depois de mim, que todas as pessoas do mundo possam viver bem e até o fim. Assim é que seria certo.

Pois eis que o sonho substituiu o plano. O plano, hoje, é voltar para casa mais uma vez. É encontrar a família todas as noites. É não receber más notícias sobre os amigos. É reencontrar o maior número de vezes aqueles que saem porta afora.

A violência nos corrói assim: pelo antes. Pela espera. Pelo medo. Quem nasce hoje, não terá mais o mesmo sonho que os antigos. Não pensará mais na velhice. Quem nasce hoje conhece o quão bamba é a corda. Quem nasce hoje já perdeu a ilusão.

Fatalismo? Onde? Não estou vendo. É assim que me sinto. Frágil. Exposta. Medrosa. Medrosa por mim e por todos que amo. E por todos que não conheço, mas esbarro pelas ruas, assisto na tv, imagino a existência em algum lugar do mundo. Temo pelas mortes cruéis, prematuras, violentas. Temo pela orfandade. Pela viuvez. Pela saudade. Temo pelos atentados, bombas, chacinas. Temo pelos assaltos, seqüestros, vinganças. Temo pelos estupros. Temo pela falta de coração. De humanidade. De amor. Temo por tudo o que um ser humano é capaz. Temo pela política, pela desigualdade, pela inanição. Temo pela culpa de cada um. Temo pela minha culpa. Temo, acima de tudo, pela falta de sonhos.

Eu procuro não me afastar da Beleza. E o mundo é repleto dela. O mundo é feito de detalhes. Detalhes e deleites. A Natureza, os Sentimentos, a Arte. Em cada canto tem uma flor. Em cada janela tem o céu. Com sorte, tem o Sol. Com muita sorte, tem Lua. Uma Lua linda, redonda, prata. Em cada pessoa tem um coração. Em cada coração tem amor. Às vezes, parece que não tem. Mas sempre tem. Basta procurar com calma que o amor acaba aparecendo. E em todo lugar tem Arte. Arte, Arte, Arte para todos os lados. Todo mundo faz Arte. Todo mundo pinta e borda. Todo mundo tem algo para dar ao mundo. A Beleza é intrínseca ao mundo e à humanidade. E eu fico de olho. Eu toco, eu absorvo, eu experimento. Eu passo adiante. A Beleza deve ser passada adiante. Todo mundo tem que saber da Beleza. Meus filhos conhecerão a Beleza. Amarão a Beleza. Saberão que a Beleza está dentro deles. E também do Outro.

Aliás, nada mais Belo que o Outro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu